Após 20 anos em porta de cadeia, ajudar filho a comprar droga deu paz à diarista
Sem tratamento que faça filho ficar "limpo”, vira e mexe o rapaz voltava para prisão, o que atormentava mãe
Quem está acostumado a fazer julgamentos, logo vai dizer que nenhuma mãe deveria ajudar o filho a sustentar um vício. Ocorre que o relato surpreendente desta mãe faz as pessoas perceberem que o parente de um dependente químico precisa encontrar um jeito de viver em paz e não ser julgado.
Essa mãe, uma diarista de 58 anos, que passou mais de 20 anos visitando o filho no presídio por causa de roubo, em função da dependência química, vamos chamar de Diva, porque ela não pode dar o nome e colocar em risco a vida do filho, ameaçado de morte.
Essa matéria não é sobre o dependente químico, é sobre ela, lembrando sempre que antes de ser mãe, ela é uma mulher comum.
Novo modo de viver
Diva adoraria um tipo de tratamento que ajudasse o filho a ficar “limpo” como dizem por aí, mas, pela experiência dela, deveria ser com internação e medicamentos, coisa que a rede pública não ofereceu ao filho, conforme o relato dela.
Hoje, ela ajuda o filho com dinheiro para que ele não acabe roubando no desespero por drogas, mas não é só isso. Isso é uma consequência de um modo de vida que ela encontrou “para não cair em depressão e suportar a dor de ter dois filhos na dependência química”, nas palavras dela, que tem ainda um enteado, que considera um filho.
São, portanto, dois filhos de 40 e 42 anos dependentes químicos desde a adolescência. São quatro os conselhos dessa mãe às outras que passam pelo mesmo martírio:
Um conselho
“Eu aprendi a aceitar meus filhos como eles são, hoje sei que o que eles fazem não é culpa minha e mudei minha forma de falar com eles. Tem momentos em que só escuto, tem momento em que digo ‘sim’ e tem horas em que digo ‘não, basta’. E não é só isso. Tem muito joelho no chão, eu oro todos os dias por eles e a oração tem poder”, resume a mãe.
A realidade
Ela não se sente obrigada, mas dá R$ 10 por dia para um dos filhos comprar droga.
“É para ele não roubar. Jamais eu pensei que eu fosse trabalhar para dar dinheiro para meu filho comprar droga, mas assim eu sei que ele não vai roubar. Hoje, depois de passar por internação, ele aprendeu muita coisa, sabe que tem que orar e o objetivo dele é sustentar o vício dele com o trabalho dele”, conta.
Quanto ao outro filho, está preso nesse momento. É triste, mas é alívio para Diva saber que ele não está na rua, correndo risco de ser espancado, como já aconteceu.
A culpa e o julgamento
Os professores já sabiam que os filhos de Diva estavam se envolvendo com drogas, na adolescência. Ela procurava uma prova, até que um dia encontrou maconha e pasta base de cocaína no quarto de um deles.
“Meu filho fez seis assaltos em uma noite só, junto com um amigo. Foi aí que tudo veio à tona e começaram as brigas e desavenças dentro de casa. Sumia dinheiro sempre. Os delegados e policiais falavam assim 'mas a senhora não cuida com quem o seu filho anda'”, lembra.
Ela conta que o julgamento a fazia sofrer. A vida era chorar todos os dias.
“Um dia fui no Fórum pegar um documento de nada consta e perguntei ao atendente se ia conseguir por causa das coisas erradas que meu filho fez. Nunca esqueci o que aquela pessoa me disse, naquele dia: ‘não foi a senhora que fez, a senhora não tem culpa de nada’. A partir daquele dia, comecei a entender que a culpa de tudo isso não é minha. Culpado é quem vende a droga e quem está por trás do tráfico, destruindo famílias”, diz.
Ao pai costumam recair menos julgamentos, avalia Diva. “O pai nunca visitou ele [o filho] na prisão. Ele tem raiva porque falou e não foi ouvido. Mas é assim. Se você for lá no presídio, dá para você contar nos dedos de uma mão quantos homens tem na fila. Lá é só mãe e vó”, conta.
O grupo de apoio e a paz, apesar de tudo
Durante cada fim de semana em que ia visitar o filho no presídio, Diva jamais imaginou que teria um domingo em família, com almoço, sobremesa e paz. Sabe aquela sensação boa de tranquilidade? Hoje, ela tem.
“É coisa que lá atrás não imaginava que ia voltar a viver. Falo para as mães: tenha fé, não é o fim. Enquanto, ele [o filho] estiver respirando, há vida. Tenha esperança! Deus existe! E busque um grupo de apoio. Sozinha, você não tem força. Os de casa não ajudam, porque está todo mundo derrubado”, encoraja Diva.
Ela está falando de um grupo que apoia familiares, que frequentou há alguns anos.
“O que aprendi no grupo ajudou que eles [filhos] abriram o jogo para mim. O mais velho me disse que chegou ao fundo do poço e pediu ‘me leva para a clínica'. Levei ele para uma intervenção de um grupo da igreja. Lá tem horas de oração. Não dá remédio. Ele trabalhava na horta, aprendeu a ler a bíblia. Ele disse 'mãe, eu parei [de usar drogas] nesses 2 meses, eu aprendi que tem Deus e a senhora não vai me ver na rua mendigando. Tenho meu vício e vou trabalhar, não vou mexer mais no que é dos outros. Vou usar o dinheiro do meu suor'. O objetivo dele hoje é esse, graças a Deus”, diz Diva.
O progresso que veio com a internação na entidade religiosa não acabou com a dependência química, mas trouxe alívio para ele e para a Diva. O que ela mais temia, o que partia mesmo o coração era o filho viver na rua ou passar semanas desaparecido, como acontecia antes.
E foi assim que ela, a mulher por trás da mãe, encontrou um jeito mais leve de viver.
“Hoje, sou muito feliz, porque no fundo, sem querer, eles [filhos] me passavam força e carinho, sem saber. Fui ao grupo de apoio com vontade e garra, queria mudar e eu mudei. Isso que importa! Eu sei que tenho que cuidar de mim primeiro, me amar primeiro. Hoje, ele está trabalhando e veio passar o domingo e assinar o semiaberto dele, que já está no fim. Fiz almoço, arrumei o quarto. Ele jantou, fomos comer sobá, ele não bebeu, ficou de boa. Fomos juntos almoçar na casa da minha irmã e fiz biscoitinho para ele levar”, conta.