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Cidades

Verba de R$ 8,7 milhões usada por prefeitura em kits robótica não veio do FNDE

Dourados comprou materiais da mesma empresa com contrato milionário de kits de robótica a escolas "precárias"

Guilherme Correia e Caroline Maldonado | 13/04/2022 13:13
Fachada do prédio da prefeitura de Dourados, município distante 251 quilômetros da Capital. (Foto: Divulgação)
Fachada do prédio da prefeitura de Dourados, município distante 251 quilômetros da Capital. (Foto: Divulgação)

A prefeitura de Dourados, a 251 quilômetros de Campo Grande, pagou com recursos próprios R$ 8,7 milhões em kits de robótica à Megalic, empresa que participou de contrato milionário com o governo federal - este com verba do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional), para distribuir os mesmos materiais a sete municípios de Alagoas.

Conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo, algumas das escolas alagoanas contempladas com tais produtos - que representaram cerca de 68% do orçamento nacional - sequer têm infraestrutura básica, como salas de aula, computadores, internet e até água encanada.

Estes municípios receberam, juntos, R$ 26 milhões, de verbas do FNDE. No ano passado, o Fundo pagou R$ 2,4 milhões nos mesmos kits, em todo o País.

Vale ressaltar que o município sul-mato-grossense, gerido por Alan Guedes (PP), não recebeu mesmo repasse que as cidades nordestinas.

O contrato, que o Campo Grande News teve acesso, foi assinado em 22 de dezembro de 2021 com recursos próprios e não envolveu emendas federais - o valor empreendido foi de R$ 8.753.000,00.

A reportagem procurou a gestão, que afirmou que planejou a aquisição de robótica para seus alunos para alcançar a exigência constitucional de alocar 25% das receitas na Educação.

“A prefeitura de Dourados, desde o ano de 2021, planejou processos de aquisição e investimentos na rede própria de educação, visando a reforma e construção de unidades, novos laboratórios de informática, kits escolares, uniformes, mobiliário e novas tecnologias de aprendizagem, como os kits de robótica educacional”, diz nota encaminhada pelo Executivo.

“O programa de Robótica Escolar, já em andamento, será implementado no contraturno escolar, ou seja, num expediente adicional para os alunos, primeiramente para dos anos finais da educação básica, abrangendo 24 unidades escolares, inicialmente.”

Ainda segundo a gestão de Alan Guedes, os técnicos da prefeitura avaliam que “os valores não são considerados altos”.

A prefeitura douradense aderiu a uma ata de registro de Delmiro Gouveia (AL), que colocou a Megalic como fornecedora.

Em relação ao fato de ter usado mesmo documento do município alagoano, foi informado que “a adesão da ata da ocasião se deu porque as especificações técnicas e pedagógicas do documento atendiam fielmente o que estava proposto no planejamento da prefeitura de Dourados, bem como baseado nas indicações técnicas do FNDE”.

“Foi feita uma pesquisa prévia, em várias regiões do País, e constatou-se que os valores da ata em questão eram compatíveis com os valores praticados no mercado, considerando que os kits de robótica escolar não são apenas os ‘robôs’ em si, mas sim, contemplam, também, todo material técnico/pedagógico para alunos e professores, além de quatro treinamentos, que compõem o programa de formação dos docentes que aplicarão a nova tecnologia educacional, inédita em nossa rede municipal.”

Os materiais adquiridos já estão no município e o uso destes será implementado ainda no primeiro semestre de 2022, conforme cronograma de treinamento e oferta extracurricular. Há também convênio de cooperação técnica assinado com o IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul) para que sejam feitas atividades pedagógicas com os kits.

“É importante destacar também que os laboratórios de robótica serão implementados juntamente com novos computadores que estão em processo de compra e aquisição de estrutura modular para os novos laboratórios.”

A prefeitura ressalta que todo este orçamento fará com que 48 novas salas de tecnologia sejam implementadas, sendo 24 modulares para atender, inicialmente, alunos do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental.

“Importante também destacar que a implementação do sistema na educação está em consonância com a nova filosofia das ‘Cidades Digitais’. Dourados já possui o ‘Cinturão de Fibra Óptica’, que consiste em contornar toda cidade com rede digital para proporcionar internet de qualidade para as escolas e todos os outros departamentos públicos.”

O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), em Dourados, chegou a iniciar investigação sobre o caso, mas até o momento, não respondeu aos questionamentos do Campo Grande News, a respeito da situação da apuração.

Uma outra notícia de fato foi arquivada em 9 de março, por já existir esta outra investigação. No documento divulgado pela Folha de Dourados, foi informado que houve manifestação feita à Ouvidoria do órgão, a respeito de "possível irregularidade no uso de recursos da educação em Dourados, relacionados à compra de 'kits' de robótica para as escolas".

Fachada da Megalic, empresa baseada em Alagoas, que forneceu kits de robótica ao município de Dourados. (Foto: Reprodução/Google Maps)
Fachada da Megalic, empresa baseada em Alagoas, que forneceu kits de robótica ao município de Dourados. (Foto: Reprodução/Google Maps)

Fornecedora - O empreendimento funciona em uma casa no Bairro Jatiuca, em Maceió (AL), com capital social de R$ 1 milhão.

Apesar de fechar contratos milionários, trata-se de um negócio intermediário - ou seja, não produz kits de robótica. Os registros da Megalic indicam atuação em diversas áreas, de materiais de limpeza a instrumentos médicos.

A empresa tem negócios com as prefeituras de União dos Palmares, Canapi, Barra de Santo Antonio, Santana do Mundaú, Branquinha, Maravilha e Flexeiras, todas em Alagoas.

Além disso, em Bom Jardim e Carnaubeira da Penha, no estado de Pernambuco. Todos estes, com verba do FNDE.

A Megalic foi contratada também pelas prefeituras de Ouro Branco (AL), Delmiro Gouveia (AL), São José da Laje (AL),Vitória de Santo Antão (PE) e Serra Talhada (PE), sem recursos do FNDE.

Um dos materiais de robótica vendidos pela Megalic, e usados em ambientes escolares. (Foto: Reprodução)
Um dos materiais de robótica vendidos pela Megalic, e usados em ambientes escolares. (Foto: Reprodução)

Ágio - A empresa de Maceió (AL) contratada para fornecer kits de robótica para prefeituras, por meio de recursos de emendas liberadas pelo governo federal, vendeu os equipamentos ao poder público com diferença de 420% em relação ao preço que declarou ter pago em ao menos uma das compras que fez do produto.

Enquanto municípios desembolsaram R$ 14 mil para cada robô educacional, com dinheiro do repasse de emendas de relator, nota fiscal divulgada pela Folha de S. Paulo mostra que a Megalic adquiriu unidades por R$ 2,7 mil, de fornecedor do interior de São Paulo.

Ao todo, o ente federal destinou R$ 26 milhões de recursos do MEC (Ministério da Educação) para a compra de kits de robótica para escolas de cidades brasileiras.

O Campo Grande News questionou o governo em quais locais do Estado houve repasse do FNDE e quais os orçamentos, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

De acordo com o que foi revelado pela Folha de S. Paulo, os municípios têm contratos com uma mesma empresa de aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), responsável por controlar em Brasília a distribuição de parte das bilionárias emendas de relator do Orçamento, fonte dos recursos dos kits de robótica.

O MEC e FNDE não se pronunciaram, até o momento, sobre a situação, bem como as prefeituras dos municípios alagoanos de União dos Palmares, Canapi, Santana do Mandaú, Branquinha e Maravilha. Os secretários de Educação de Flexeiras e Barra de Santo Antônio negam irregularidades.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou não ter envolvimento com contratação de empresas pelos municípios, que não solicitou aceleração de liberações e que os processos obedecem a critérios técnicos do FNDE.

Em 28 de março, o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi exonerado após publicização de existência de participação de pastores evangélicos, sem vínculo oficial com o poder público, na pasta. Além disso, foram divulgadas acusações de cobrança de propina.

O FNDE é presidido por Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil de Bolsonaro e aliado de Lira.

De acordo com investigação da Agência Pública, a Megalic está em nome de Roberta Lins Costa Melo e Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (PSD), próximo de Arthur Lira.

O vereador e o presidente da Câmara foram os responsáveis por levar integrantes do FNDE e o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, a um encontro com as prefeituras em Maceió em novembro passado.

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