A trajetória de Tercio Brandino, a caminho das 3 décadas de golpes
Golpista foi capturado no dia 6, depois de escapar das autoridades pela porta da frente de presídio
Figura carimbada no “álbum” de criminosos recorrentes em Mato Grosso do Sul, Tercio Moacir Brandino, de 59 anos, tem carreira no mundo ilegal a caminho das três décadas. É dono, por assim dizer, de vocação para atuar em várias frentes marginais à legalidade: de furto, estelionato, falsidade ideológica e fraude em documentos públicos, até dívidas de pensão alimentícia, que no Brasil geram motivo para prisão.
No dia 6 de abril, voltou a ser notícia, depois de ser acordado por operação policial que o devolveu para o cárcere imposto pela Justiça. Quatro anos antes, havia escapado da prisão.
Estava em solo campo-grandense mesmo, em condomínio na Vila Aimoré, bairro localizado a 20 km do presídio na saída para Três Lagoas de onde saiu tranquilamente, em 9 de fevereiro de 2017. Um servidor do sistema penitenciário foi condenado por ter liberado o preso com base em alvará de soltura de um processo, sem checar se existiam outros mandados de prisão. Eram mais dois.
Agora, Tercio está em cela da “Supermáxima”, como é apelidado na massa carcerária o presídio de regime fechado da Gameleira, na saída para Sidrolândia, cujo sistema de segurança é mais rígido, a começar por ser “anticelular”. Não há histórico de detentos flagrados com aparelhos no lugar, situação comum em outras unidades.
Ali, as autoridades policiais e judiciais esperam conseguir, finalmente, fazer o réu cumprir suas penas e impedir novos crimes. As condenações e a reiteração em atos ilícitos vêm desde 1994, segundo a apuração da Capivara Criminal.
Entre junho e agosto daquele ano, enquanto o Brasil festejava o tetracampeonato de futebol, depois de duas décadas sem ganhar nada, o “171” foi preso em duas ocasiões em Campo Grande, por furto.
Em 1995, no mês de setembro, outro flagrante, dessa vez por carregar 3,5 mil dólares escondidos nas roupas, em Presidente Vencenslau, cidade da região oeste de São Paulo próxima a Presidente Epitácio, onde nasceu. O fato foi registado pelo jornal Folha de S.Paulo.
A lista de processos foi sendo preenchida ao longo dos anos. O crime de estelionato é o mais comum, usando a profissão de contador para cometer ilicitudes. Soma-se a ele, até denúncias por dever pensão à mãe dos filhos, listadas na relação de antecedentes disponível em processos. Em uma das situaçãos, o débito era de R$ 3 mil e gerou até ordem para que o devedor fosse preso.
O golpista aparece em quase duas dezenas de ações, tanto na esfera estadual quanto na federal. Quem trabalha com investigação policial há algum tempo conhece o nome.
Frente a tantas chamadas ruins envolvendo o contador, o CRC (Conselho Federal de Contabilidade), em setembro de 2019, chegou a aplicar a pena de censura pública a Brandino, como resultado de sindicância aberta em 2017.
“Cliente” – Ele já foi investigado pela Defurv (Delegacia Especializada de Furtos e Roubos de Veículos), onde consta sua primeira prisão, há 26 anos, por delegacias do interior, como a de Coxim, pelo Garras (Delegacia Especializada de Represão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros), pela Deco (Delegacia Especializada de Combate ao Crime Organizado), pela Polícia Federal e pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), unidade do Ministério Público com apoio de outras forças de segurança.
Ao divulgar a captura na terça-feira, o Dracco (Departamento de Repressão ao Crime Organizado) relembrou que o homem em questão foi alvo de ofensivas policiais grandiosas desde quando elas se tornaram rotineiras, a partir dos anos 2000.
Em 2004, estava entre os implicados pela “Iceberg”, para combater fraudes contra a Previdência Social. À época, advogados e trabalhadores em causas da área foram flagrados cometendo fraudes.
Quando surgiu a “Lama Asfáltica”, uma das maiores ações contra o desvio de dinheiro público em Mato Grosso do Sul, iniciada em 2015, lá estava ele como envolvido.
Ajudava a emitir notas frias, segundo a fase “Caduceu” da operação, realizada em novembro de 2016.
Um mês depois, em dezembro, 11 pessoas foram enquadradas pela operação “Canindé”, da Polícia Civil, no fim de oito meses de trabalhos investigatórios. Houve 10 prisões de integrantes de organização criminosa à qual foram atribuídos golpes no valor de R$ 2 milhões envolvendo máquinas pesadas, no interior do Estado.
Brandino teve o mandado de prisão cumprido dentro da cadeia.
Nos intervalos dessas apurações de maior destaque, não parava de agir, conforme os autos processuais nos quais aparece como réu ou denunciado.
Alternou prisões e liberdades, derrotas e ganhos na Justiça. Na semana passada, quando foi preso, sua defesa tinha motivos para celebrar resultado de julgamento.
Culpado, mas já passou o prazo - No dia 31 de março, decisão do desembargador Jonas Hass, da 2ª Vara Criminal do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), considera prescrito crime de falsificação de selo público, cometido em 2012, contra a proprietária de veículo Corsa Sedã com 12 anos de uso.
Esse caso ilustra bem o malfeitor capaz de agir no “varejo” e no “atacado”. A vítima foi uma professora, hoje com 51 anos. Ela descobriu falsificação de procuração em seu nome para fins de obtenção de segunda via da documentação do veículo.
As investigações mostram que o então marido dela, Ricardo Mattos de Oliveira, 47 anos, com quem o carro ficava, era o responsável pela tramoia. A versão dele é que havia repassado o carro a um agiota conhecido apenas por “Raimundo”, em pagamento a dívida de R$ 2 mil.
Mas a assinatura falsa tinha o tipo gráfico da letra de Tercio e o selo público reaproveitado foi, conforme a acusação, obra dele.
Os dois foram julgados à revelia, já que sumiram. A condenação, em dezembro de 2019, foi a pouco mais de um ano de prisão.
Ricardo, por meio dos advogados, solicitou atenuação da pena por confissão do uso do documento irregular e absolvição da falsificação em si. A defesa de Brandino, por sua parte, pediu absolvição alegando falta de provas.
O juiz Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara Criminal, manteve o entendimento de culpabilidade dos acusados.
Na apelação, os defensores de Tercio Moacir Brandino alegaram ter havido prescrição punitiva, além de insistir na absolvição por falta de elementos.
A promotora do caso, Suzi Dangelo, chamada a se manifestar, entendeu haver motivos sim para considerar o réu culpado, mas concordou com a prescrição.
No segundo grau, em liminar publicada no último dia de março, o desembargador decidiu por declarar vencido o prazo legal para punição.
Calcula-se que, entre as datas do recebimento da inicial acusatória e da publicação da sentença de primeiro grau, que transitou em julgado pela acusação sem interposição de recurso, transcorreu o período de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses”, cita o texto.
Pela regra, para esse tipo de crime, nesse intervalo de tempo o Poder Judiciário não tem mais como fazer a pessoa cumprir a pena.
Não foi declarada, porém, a inocência do réu quanto à acusação.
"Mentira" – O Dracco divulgou que o capturado havia tentado forjar a própria morte, no fim de 2017, com a inserção de seus dados no prontuário de paciente vítima de acidente de trânsito morto no HU (Hospital Universitário de Campo Grande).
Segundo o apurado, ofício da delegada Ana Claudia Medina questionou a direção do hospital a respeito e o “engano” foi desfeito. Em contato feito depois da localização do condenado, familiar afirmou que nunca houve isso. O próprio Brandino, ao ser procurado, informou estar vivo, afirmou a pessoaq.
Na lei brasileira, fugir cadeia não é considerado conduta criminosa. Mas não fica “de graça”.
Desde março do ano passado, existe ordem do juiz Dalton Kita Conrado, da 5ª Vara da Justiça Federal, para prender o personagem de hoje da coluna por descumprimento da pena de prestação de serviços comunitários.
O apenado não comparece na entidade designada por este juízo, para prestação dos serviços comunitários, desde setembro de 2016, e que ainda faltam 468 (quatrocentos e sessenta e oito) horas de serviços comunitários a serem cumpridas”, escreve o magistrado.
No despacho, Kita informa que o condenado não foi localizado nos endereços informados. Via telefone, informa o despacho, foi dada a informação de estar morando em Três Lagoas, pelo próprio Tercio, mas ele se negou a dar o endereço e repassou o telefone do advogado, Felipe Agrimpio Gonçalves, notificado pessoalmente depois.
O defensor, como consta da decisão judicial, informou só ter o endereço onde o cliente não foi localizado. Com essa dificuldade, a pena restritiva de prestação de serviço agora passou a ser de reclusão.
Nos outros processos, ainda vai ser avaliada a situação do preso.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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(Coluna editada às 16h59 de domingo para correção de informação)