Apesar de matar mulher com 18 facadas, homem diz que só se defendeu de ciúmes
Genilson de Jesus diz que ficou com medo de morrer esfaqueado já que a vítima tinha o "dom da desossa"
Uma mulher explosiva, ciumenta e agressiva são os adjetivos usados pelas testemunhas de defesa de Genilson Silva de Jesus, 46 anos, para descrever Ramona Regilene Silva de Jesus. O empresário está sendo julgado hoje por feminicídio, depois de matá-la com 18 golpes de faca, no Residencial Celina Jallad, no Portal Caiobá, em 2017.
O réu, então marido de Ramona, justificou em depoimento que agiu “com sangue quente” e pelo medo de morrer durante briga. “Ela trabalhava em açougue, tinha o dom de desossar”, alegou. A família da vítima contesta a versão, diz que os depoimentos são mentirosos e que ele também era “louco e possessivo”.
Ramona Regilene foi morta no dia 4 de junho de 2017, às 18h30, durante briga com o marido na casa onde moravam, no Residencial Celina Jallad. Os dois estavam juntos havia sete anos e não tinham filhos.
Genilson teve a prisão decretada no dia 5 de junho de 2017, mas a justiça deferiu habeas corpus no dia 13 de novembro daquele ano. Desde então, responde ao processo em liberdade.
Hoje, o comerciante está sendo julgado pela 1ª Vara do Tribunal do Júri por homicídio qualificado por feminicídio, emprego de meio cruel e motivo torpe.
A denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) diz que os dois tinham passado o dia na casa da irmã de Ramona. No retorno, discutiram e ele a esfaqueou 18 vezes, segundo laudo pericial. A mulher morreu em decorrência de hemorragia interna.
A linha de defesa é alegar que ele agiu para não morrer, traçando perfil violento da vítima, descrevendo Ramona Regilene como mulher explosiva, extremamente ciumenta e que agredia e humilhava o companheiro constantemente. Três testemunhas de defesa foram ouvidas no início da sessão de julgamento.
Uma delas foi Eva Lourenço Alves, ex-mulher do réu, com quem teve filho de 15 anos. Diz que nunca foi agredida por ele durante o casamento e descreve a morte de Ramona Regilene como “um incidente”.
Segundo Eva, ele era “pai maravilhoso” até o novo relacionamento. Diz que ela não deixava ter contato com a ex ou o filho e regulava a pensão dada ao adolescente. “Tinha que ser tudo com ela”, afirmou. As duas chegaram a ter contato após alguns desentendimentos entre o casal. “Como mulher, eu pensava que ela estava com ciúmes e eu deixava ela ficar lá em casa. Se acalmava e ia embora. Ela era ciumenta ao extremo, me perseguia”.
Outros dois amigos também falaram do temperamento de Ramona e, segundo eles, da submissão de Genilson. Emerson Gonçalves diz que o conhece desde os 14 anos e ainda são amigos. Nunca conversaram muito sobre a noite do crime, “porque é uma situação que não convém”, alegou durante depoimento hoje.
Emerson diz que Ramona era a “mulher que ele mais amou”, mas que a relação era conturbada pelo jeito controlador da vítima. “Quando trabalhamos juntos [ele e o réu], ela me ligava para saber se ele chegou, que horas chegou”. Diz ter presenciado uma tapa, “do nada”, desferido por ela no companheiro. “A gente dizia para ele, ‘você está muito frango agora’”.
Eduardo Penha, outra testemunha de defesa, também descreveu de forma semelhante a relação do casal. “Ela xingava ele de filho da p**, que ele merecia ser corno, não media as palavras”.
Durante os três depoimentos, familiares de Ramona Regilene, presentes na sessão, balançavam a cabeça de forma negativa e falavam baixinho: “isso é mentira”. A assessoria do juiz Carlos Alberto Garcete foi até eles e pediu que eles não se manifestassem.
Ciúmes – Depois das testemunhas, foi a vez do réu prestar depoimento, respondendo questionamentos do juiz, da promotoria e dos advogados de defesa. Genilson Silva de Jesus contou que conheceu Ramona Regilene na vila onde a mãe dele morava. Foram morar juntos e, depois, casaram na igreja.
“No começo foi tudo maravilha, mas com o tempo, ela foi passando a tomar a rédea de tudo, mostrando um lado que não conhecia”, disse. Contou que as Ramona tomava contas da fábrica de pré-moldado e que passou a controlar tudo. Depois, começaram as brigas por ciúmes. “Ai Jesus, complicado falar as coisas”, contou. “Já levei muito tapa na cara”.
O réu contou episódios de discussão entre os dois, motivadas pelos ciúmes. Segundo ele, chegou a ser perseguido por ela e chegou a se trancar no banheiro. Em 2013, diz que acionou a polícia, mas, depois, disse que ficava constrangido. “Nem delegacia para homem tem”. Apesar disso, não termina relação. “Eu sempre voltava, gostava muito ela, voltava por amor”.
O crime – No dia 4 de junho de 2017, ainda moravam na fábrica, mas foram para casa em obras no Residencial Celina Jallad onde começaram a beber desde 8.
Depois, foram para casa da cunhada. À tarde, saiu com o cunhado para comprar cerveja, passaram por grupo de travestis no ponto de ônibus e comentou que eram mais bonitas que as mulheres. Na casa, a frase foi repetida pelo cunhado, em tom de brincadeira e ouviu. Depois disso, Ramona “fechou a cara”.
A brincadeira ainda foi motivo de discussão no retorno para casa. Segundo o réu, ele decidiu ir dormir na fábrica e deixa-la no imóvel, mas, antes disso, foi atacado por Ramona com faca, sendo atingido no braço. “Aí abri a porta do guarda roupa, ela vem me golpeando, aí eu pego no braço dela e a gente começa luta. Não sei quem derrubou quem, estávamos nos atracando, aí no chão estávamos corpo com corpo, contou. “Peguei a faca, comecei golpear ela com o sangue quente. Fiquei com medo de morrer nem sei quantas foram”, contou.
Ramona correu e caiu na varanda da casa vizinha. O homem diz que se trancou em casa, com medo dos vizinhos e, depois, fugiu, pulando o muro, vestido só de cueca e camisa. No depoimento, justificou que agiu em legítima defesa. “Tinha certeza que ela me mataria nessa noite (...) não sei porque dei tantos golpes, foi coisa de momento, fiquei cego mesmo”, acrescentou. “Eu tinha medo de morre, conhecia ela, trabalhava em açougue, tinha o dom de desossar mesmo”.
Família – A sobrinha da vítima, Ariadne Verônica Ramires da Silva, 31 anos, presente no julgamento, diz que os depoimentos das testemunhas foram mentirosos, principalmente da ex do réu. “Eu estava com eles o tempo todo, ela [ex] vivia ligando, xingando”, contou. “O filho deles, ele falava que não era filho dele, fiquei indignada com as coisas que ela disse”.
Ariadne diz que os dois eram extremamente ciumentos. “Ele não deixava minha tia sozinha na fábrica”, contou. “Os dois eram loucos e possessivos”. A cabeleireira contou que era “casal doido” e seria “normal um esfaquear o outro”.
A sobrinha também contestou o réu, que disse não ter atacado a mulher na rua. Segundo ela, um vizinho o agrediu, defendendo Ramona, que já estava na calçada.
Ariadne diz que chegou a ter dó do homem, pois ele gostava da vítima. “Nem sei o que tenho mais, não sei se é dó, só que não justifica”. Também se recordou que Genilson havia tentado matar a mulher 15 dias antes, com facada. “Não espero nada seja a vontade de Deus. Tudo que a gente faz a gente pega e ele vai pagar de alguma forma”.