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Capital

“Boom” de veículos evidencia problemas crônicos do trânsito em Campo Grande

Planejamento urbano não acompanhou crescimento de frota veicular

Cleber Gellio | 04/11/2021 08:57
Trânsito parado no cruzamento da Avenida Afonso Pena e Rua Bahia. (Foto: Marcos Maluf)
Trânsito parado no cruzamento da Avenida Afonso Pena e Rua Bahia. (Foto: Marcos Maluf)

Até bem pouco tempo atrás, não era difícil encontrar quem visitasse Campo Grande e não elogiasse o bom trânsito com suas largas e arborizadas avenidas. No entanto, essa sensação parece ter ficado no passado e aparentemente só na lembrança de algum turista, porque para quem reside e transita pela cidade, a realidade é bem diferente.

Isso porque, além dos problemas crônicos de ordenamento do trânsito, o número de veículos na Capital teve um 'boom' nas últimas duas décadas. Segundo dados do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul), Campo Grande registra um aumento de 284,2% na frota de veículos. Em 1999, possuía uma frota de 159.173 veículos. Esse número saltou para 611.564 em 2021. Um crescimento quase quatro vezes maior na evolução da frota, o que significa 1.36 veículo por habitante habilitado, para uma população de 916.001 mil pessoas.

Mesmo com reordenamento do trânsito feito recentemente em alguns pontos mais críticos, o motorista não se vê livre dos percalços em horários de pico como, por exemplo, no cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Rua Bahia, que trava em ambos os lados. “Neste horário, sempre há lentidão”, relata a professora Mirieli Abreu, 37, que utilizava a Rua Bahia, às 7h30, para se deslocar ao trabalho.

A diarista Neusa Rosane, 55, se queixa do trânsito para voltar do trabalho. (Foto: Marcos Maluf)
A diarista Neusa Rosane, 55, se queixa do trânsito para voltar do trabalho. (Foto: Marcos Maluf)

No mesmo local, a reportagem conversou com a doméstica Neusa Rosane, 55, no momento em que descia do carro e seguia para o trabalho em um edifício localizado em frente ao cruzamento. Ela utilizava transporte por aplicativo e diz que já teve dificuldades para voltar para casa devido à recusa de motoristas por causa da lentidão do trânsito. “Muitos motoristas preferem cancelar a viagem, porque é difícil fazer a conversão à esquerda, já que o prédio fica do lado direito”, reclama.

Estacionado próximo ao cruzamento da Afonso Pena com Padre João Crippa, onde havia fluxo pesado e orientação aos condutores por agentes da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), o motorista de aplicativo há quatro anos, Nilson Gonçalves, 26, confessa que já teve que cancelar corridas, mas que sempre tenta explicar ao passageiro as condições do trânsito. Ele garante que os transtornos são antigos e que as atuais obras de revitalização no Centro dificultam ainda mais seu trabalho. “Por causa do trânsito pesado, às vezes, temos que andar mais de dois quilômetros para encontrar uma alternativa de embarcar o passageiro, que muitas vezes, não quer esperar e cancela a corrida também. Isso não é de hoje, no cruzamento da Afonso Pena com José Antônio, por exemplo, já perdi muitas viagens. Imagina agora com vários desvios por causa dessas obras”, exclamou.

Se está difícil para o condutor motorizado, imagina para o ciclista. O eletricista Heberth Cortez, 31, utiliza a ciclovia da Afonso Pena, saindo do Bairro Tarumã com destino à Avenida Ceará, mas "quando chega no cruzamento com a Calógeras, a coisa complica, porque é uma disputa pelo espaço e não há como prosseguir”, relata.

Congestionamento próximo à rotatória da Av. Três Barras, no Tiradentes. (Foto: Paulo Francis)
Congestionamento próximo à rotatória da Av. Três Barras, no Tiradentes. (Foto: Paulo Francis)

Outro ponto de estrangulamento é a rotatória da Avenida Três Barras, entrada para o Bairro Tiradentes. O engenheiro civil, Thiago Becker, 30, diz que levava cerca de 15 minutos para chegar ao local de trabalho e que agora, tem saído mais cedo para percorrer o mesmo trajeto. “Acho que problema está no semáforo próximo à rotatória, não suporta o fluxo”.

Mais adiante, na Avenida Eduardo Elias Zahran, para quem faz a conversão para a Três Barras, condutores também reclamam que a via não suporta a quantidade de veículos em horários de maior circulação. Embora tenha havido modificações no tempo do semáforo em 2017, o problema continua.

Para Albertoni Martins, especialista em análises de riscos, formado pela Universidade do Texas (EUA), o planejamento urbano não acompanhou o desenvolvimento populacional, assim como o crescimento da frota veicular e, por isso, “necessita de um sistema robusto de planejamento de tráfego”. “Não temos e nunca tivemos um setor específico de planejamento de tráfego que faça um acompanhamento diário para auxiliar o condutor no trânsito. Os que administram não percebem que já temos um perfil de metrópole e, por isso, precisamos implantar medidas efetivas que contribuam para um melhor fluxo das vias”.

Criada para ser via rápida, Av. Afonso Pena não suporta fluxo de veículos. (Foto: Marcos Maluf)
Criada para ser via rápida, Av. Afonso Pena não suporta fluxo de veículos. (Foto: Marcos Maluf)

Martins explica que as avenidas Fernando Corrêa, Afonso Pena, Mato Grosso e Ernesto Geisel, por exemplo, quando criadas, eram consideradas vias rápidas, caracterizadas por acessos com trânsito livre, sem interseções em nível, travessia de pedestres, cruzamentos ou semáforos. “A velocidade máxima permitida numa via rápida é de 80 km/h. Hoje, em nossas vias rápidas, você não consegue transitar com velocidade maior que 30 km/h. Era para ser pior, uma vez que a pulverização dos comércios nos bairros tem ajudado a reter veículos longe do Centro”.

Para ele, a adesão de sistemas tecnológicos em casos de intervenções no trânsito seria uma boa alternativa de suporte à população, como já ocorre em outras capitais do país. “Com as obras nas vias principais, por exemplo, poderíamos ter um aplicativo de cálculo em que  o cidadão consultaria o planejamento diário para ter melhor acesso às vias. Isso facilitaria e auxiliaria as pessoas na hora de se locomover”.

O Campo Grande News procurou a prefeitura e também a Agetran sobre o assunto, mas não houve retorno.

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