Com energia cortada, estudantes ocupam bloco da UFMS contra “Future-se”
Estudantes exigem posicionamento da UFMS sobre programa do governo Bolsonaro que quer financiar educação com recursos privados
Estudantes de 11 cursos da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) ocupam desde a noite de terça-feira (14) o bloco 6 da universidade, um dos mais emblemáticos do campus de Campo Grande. São, aproximadamente, 80 alunos que exigem posicionamento da reitoria sobre o programa do governo Bolsonaro, o “future-se”, que propõe, entre outras mudanças, financiar as universidades com recursos privados.
Os estudantes dizem que a ocupação permanece por tempo indeterminado, mas já estão sem energia elétrica, cortada, dizem, pela UFMS desde às 23h10 de terça-feira. Temem, também, represálias da instituição e por isso não deixaram que a reportagem registrasse o movimento em imagens.
As portas de vidro que cercam o bloco 6 estão escondidas com cobertores e lençóis e até as placas de motocicletas dos alunos foram tampadas com uso de papel sulfite. Um acadêmico de 21 anos, que pediu para não ser identificado, disse que a última ocupação realizada por estudantes ocorreu em meio à energia e água “cortadas” pela universidade.
Essa forma de protesto foi decidida, segundo o estudante, após assembleia que aconteceu na terça às 18h30, onde discutiram o “future-se”, chamado pelos estudantes de “fatura-se”. O aluno afirma que uma reunião do conselho universitário que aconteceria no dia 27 de setembro, para discutir o programa do MEC (Ministério da Educação) e o posicionamento da UFMS, foi adiada para o dia 31 de outubro.
Como o projeto deve chegar para avaliação do Congresso em outubro, os estudantes veem o adiamento como estratégia política. Sulfites com frases “Bolsonaro devolve [sic] o dinheiro da Educação” e caricaturas do presidente podem ser vistas na entrada do bloco.
No local, organizam debates e atividades culturais para os estudantes. Nesta manhã um professor dialogava com os alunos, parte da agenda de discussões. O movimento planejava exibir, durante essa manhã, o filme brasileiro Bacurau, ainda em cartaz nos cinemas, produção dos diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.
O filme, uma distopia no coração do sertão nordestino que se passa “daqui a alguns anos”, foi recebido por parte da crítica de cinema como provocação indireta ao governo Bolsonaro. A falta de energia, no entanto, acabou por impedir a exibição do longa.
O bloco 6 foi escolhido por ser, nas palavras dos estudantes, “histórico”, já ocupado anteriormente, além de ser palco de atividades diárias, onde há aulas durante o dia e a noite em vários cursos de graduação, a exemplo de Direito e Psicologia.
O estudante também citou o que chama de “política de perseguição” da UFMS em relação aos movimentos estudantis. Outro objetivo da ocupação é dar visibilidade ao future-se que, disseram, é pouco conhecido entre os alunos.
O movimento tem apoio do Sista-MS (Sindicato dos Trabalhadores em Educação), que ofereceu café da manhã na ocupação nesta quarta. Um advogado também auxilia o movimento que teme pedido de reintegração de posse da UFMS a qualquer momento.
Future-se – A UFMS, única instituição em Mato Grosso do Sul a figurar no ranking Times Higher Education entre as melhores universidades do mundo, teve corte de gastos de R$ 29 milhões diretamente do MEC, além dos R$ 51 milhões bloqueados de emendas parlamentares.
São R$ 80 milhões a menos para a universidade, 52% dos recursos discricionários, o que representa o segundo maior corte entre as instituições de todo o país, conforme apontou reportagem da Folha de S. Paulo.
Uma das exigências do Future-se, segundo declarou o ministro da Educação, Abraham Weintraub, é que as universidades contratem professores e técnicos pelo regime CLT (de carteira assinada). Ou seja, projeto para que os docentes não ingressem por meio de concurso público.
No Future-se que tem adesão das instituições “facultativa”, os contratos de novos docentes e técnicos serão intermediados por OSs (Organizações Sociais), entidades privadas que prestam serviços públicos e não precisam seguir a Lei de Licitações e Concursos.
O MEC já realizou consulta pública sobre o projeto, que ficou vigente até o dia 29 de agosto, e agora se prepara para encaminhar a alteração da legislação que rege a educação superior pública para a Câmara dos Deputados. A UFMS também realizou audiência pública sobre o future-se.
A reportagem consultou a reitoria da UFMS sobre a ocupação dos estudantes e a adesão ao programa, por meio da assessoria de imprensa, mas ainda não obteve resposta.