CRM joga por terra ajuda à vítima, que volta percorrer 10 km para exame no Imol
Salas para exames estavam funcionando na Casa da Mulher Brasileira e delegacia
Anunciada na segunda-feira, decisão do CRM de Mato Grosso do Sul (Conselho Regional de Medicina) jogou por terra os esforços para aproximar as vítimas preferenciais de violência – mulheres e crianças –, dos exames de corpo de delito, essenciais para obter as provas contra os agressores. Agora, é preciso percorrer, de novo, até 10 km entre o local de denúncia e o atendimento com médico legista.
Na manhã de ontem (dia 29), após o CRM alegar infração ética, foram suspensos os plantões dos profissionais do Imol (Instituto de Medicina e Odontologia Legal) em delegacias de Campo Grande.
O serviço, até então restrito ao prédio localizado na Avenida Senador Filinto Müller, na Vila Ipiranga, na saída para São Paulo, foi descentralizado para outros dois extremos da cidade: a Casa da Mulher Brasileira (Rua Brasília, Jardim Imá, saída para Aquidauana) e Depac Cepol (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário), localizada na Rua Soldado-Policia Militar Reinaldo de Andrade, Bairro Tiradentes, saída para Três Lagoas.
A sala especial da Casa da Mulher Brasileira, que integra serviços para atender vítimas de violência, foi inaugurada em 31 de março, com a presença da ministra Cida Gonçalves, do Ministério das Mulheres.
O serviço atende as demandas da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), que centraliza todos os casos de violência doméstica e tentativas de feminicídio. A Casa da Mulher Brasileira fica a 9,3 km da sede do Imol.
De 31 de março até agora, foram 131 vítimas atendidas sem necessidade de, após sofrer violência, ainda ter que perambular pelos extremos da cidade. O local reativou o serviço de transporte, como era antes de março, mas a medida não diminui a preocupação da titular da Semu (Subsecretaria de Políticas para Mulheres), Carla Stephanini.
Continuamos com a central de transporte, mas não quer dizer que não vai haver prejuízo. Com a liberdade de ir no momento em que puder, a gente perde essa mulher. Ela desiste, vai tardiamente. Isso causa um grande prejuízo para as mulheres vítimas de violência”, afirma Carla.
A subsecretária lembra que o exame do corpo de delito demonstra, no curso do inquérito e processo contra o agressor, a materialidade do crime. A gestora destaca que a criação da sala especial teve ampla divulgação pública, sem o CRM se manifestar contrariamente. O local foi inspecionado no dia 4 pelo conselho, que oficializou a suspensão dos serviços ontem.
A resolução do CRM, que proíbe o atendimento em delegacias, é de 2002. “Ao longo de 20 anos, avançamos nas políticas públicas e serviços integrados. Ao longo desses dois meses de funcionamento da sala, não houve interferência externa no trabalho desenvolvido pelos médicos legistas, nenhum registro de qualquer constrangimento que possam ter sofrido”, diz Carla. A sala fica a 70 metros da Deam.
A expectativa é dialogar com o Conselho Regional de Medicina para liberar os atendimentos nas delegacias.
Inaugurada no último dia 3, a sala do plantão da DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e Adolescente) fica na Depac Cepol, a 10 km do Imol. Quando necessário, os médicos legistas de plantão no instituto se deslocam até o local para realizar exame de corpo de delito. A sala para atender crianças e adolescente foi aberta numa reação após a trágica morte de menina de dois anos em Campo Grande, no dia 26 de janeiro, vítima de violência.
A resolução – Ontem, o presidente do CRM José Jailson de Araújo Lima, informou que, conforme a resolução 1.635/2002, do Conselho Federal de Medicina, os profissionais não podem realizar exames médico periciais de corpo de delito dentro dos prédios e/ou dependências de delegacias, seccionais ou sucursais de polícia, unidades militares, casas de detenção e presídios.
“Estas determinações do Conselho Federal de Medicina existem há mais de 20 anos e foram construídas no sentido de proteger o médico legista de qualquer tipo de constrangimento, o qual possa interferir em uma avaliação técnica. Desta forma compreende-se que as atividades legistas aplicadas por um profissional médico devem ser feitas fora de um ambiente de delegacia ou similar”, declarou.
Em Mato Grosso do Sul, o CRM já foi condenado em episódio onde foi bem menos exigente, como no Caso Rondon. Em 2018, o conselho teve que indenizar ex-pacientes do médico Alberto Jorge Rondon de Oliveira, que foram mutiladas em cirurgias plásticas.
Conforme o processo, o Conselho Regional de Medicina foi notificado, pela primeira vez, em 1992 sobre a imperícia médica . Contudo, o médico foi cassado apenas em 17 de fevereiro de 2001.
Nesta terça-feira, a reportagem questionou o CRM sobre a possibilidade de suspender o veto aos profissionais nas salas em delegacias, mas não obteve resposta.
Providência – A Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública) levou a questão para a PGE (Procuradoria-Geral do Estado). Hoje, a procuradoria informou que analisa a situação, por meio da procuradora-geral Ana Carolina Ali. O caso é estudado para tomada de providências.
A proibição determinada pelo CRM também ecoou na Assembleia Legislativa. Os deputados Mara Caseiro (PSDB) e Rinaldo Modesto (Podemos) pediram a volta do atendimento.
“Isso é um absurdo. Como uma ministra vem aqui, inaugura o Imol ali, para atenuar a dor que fica no físico e na alma de tanta gente, sobretudo as nossas crianças”, afirmou Rinaldo.
Para o Sinpof/MS ( Sindicato dos Peritos Oficiais Forenses de Mato Grosso do Sul), a demanda pode ser resolvida por meio de diálogo. "O Sinpof está atento e pronto a intervir contra qualquer injustiça cometida contra os médicos legistas. Entende, também, que esta é uma demanda a ser resolvida através do diálogo e consenso entre o Conselho Regional de Medicina e a Secretaria de Justiça e Segurança Pública".