Departamento “sem comando” assume investigação sobre “depósito” do jogo do bicho
Delegada está na África e enquanto inquérito esbarra na burocracia, loteria ilegal “corre solta” na Capital
A Delegacia-Geral da Polícia Civil enviou para o Dracco (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado) relatório do Garras (Delegacia Especializada Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros) sobre a apreensão de máquinas do jogo do bicho em Campo Grande. A investigação, contudo, deve demorar alguns dias para ser deflagrada, já que a delegada Ana Cláudia Medina, chefe da unidade, está fora do Brasil.
Dentro do departamento, quem tocará o inquérito é a Decco (Delegacia de Combate ao Crime Organizado). Embora a assessoria de imprensa da Polícia Civil tenha disparado nota para a imprensa anunciando o encaminhamento, o titular da especializada, Alexandro Mendes de Araújo, ainda não havia sido comunicado da decisão do delegado-geral, Roberto Gurgel. “Oficialmente, não tenho essa informação. Não sei mais detalhes e qual vai ser o trâmite”, explicou ao Campo Grande News.
Além da delegacia com foco no combate a organizações criminosas, o Dracco tem ainda unidade anticorrupção, Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro e a Seção de Operações Aéreas. Normalmente, conforme apurado pela reportagem, é Ana Cláudia Medina quem distribui as denúncias, ou flagrantes, que chegam para o departamento. Ela, contudo, só deve voltar à Capital na próxima semana.
Ou seja, depois de esperar uma semana pelo despacho do delegado-geral, que estava em viagem oficial nos Estados Unidos, o inquérito terá de aguardar a volta da chefe do Dracco, que participa de evento numa das International Law Enforcement Academies, no Botswana, na África, conforme divulgado por ela nas redes sociais. São 13 ILEAs no mundo, “escolas de polícia” administradas pelo EUA.
Por meio da assessoria de imprensa, a Polícia Civil alega estar obedecendo aos prazos legais. Explicou que o delegado Fábio Peró, titular do Garras, levou cinco dias para entregar relatório sobre o flagrante para a Delegacia-Geral, que “também atuou dentro do prazo regulamentar, que venceria em 25 de outubro de 2023”.
“Após manifestação da Assessoria Jurídica da Polícia Civil, o delegado-geral decidiu encaminhar as investigações para o Dracco, que irá, por intermédio da Decco, conduzir as investigações”.
Alexandro Mendes de Araújo, que deve tocar o inquérito, é delegado desde 2015. Atuou em Costa Rica – cidade de pouco mais de 20 mil habitantes – até maio de 2020, quando foi transferido para a única delegacia da pequena Paraíso das Águas, município de aproximadamente 5 mil habitantes. O servidor foi transferido para a Capital e assumiu o comando da especializada em combate ao crime organizado em março de 2021.
Banal, mas ilegal – Enquanto investigação para descobrir a quem pertencem as 700 máquinas destinadas à coleta de apostas do jogo do bicho não vai às ruas, a loteria ilegal "corre solta" em Campo Grande. Na manhã desta terça-feira (24), a reportagem percorreu alguns bairros e em pouco tempo, encontrou cinco pontos em que os palpites são arrecadados.
A maior ofensiva contra o jogo do bicho nos últimos anos foi realizada numa das fases da Operação Omertá, por meio do Garras, que fez o atual flagrante, e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), braço do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).
À época, em 2020, a força-tarefa destacou que o jogo do bicho, apesar da aparência de inofensivo e ser considerado contravenção penal, financia organizações que praticam outros crimes, da extorsão a assassinatos.
O flagra – Na segunda-feira passada, dia 16, policiais do Garras investigavam detalhes de outro crime quando a especializada recebeu denúncia de roubo cuja placa do carro usado pelos supostos criminosos foi anotada. Ao receber o alerta, a equipe que estava no Monte Castelo visualizou o veículo do assalto em frente a uma casa na Rua Gramado e passou a monitorar o local.
Foi quando um motociclista deixou a residência e os investigadores em viatura descaracterizada decidiram segui-lo. Sem conseguir abordar o homem de moto, a equipe voltou para o endereço onde o carro de assaltantes havia sido deixado.
O veículo já não estava mais no local, mas com a chegada de reforços, os policiais tocaram a campainha do imóvel. Um homem atendeu, disse que estava ali para “jogar baralho” e quando os investigadores entraram, havia outras pessoas no local, além das máquinas utilizadas para a coleta de apostas da loteria ilegal.
Na “turma do baralho”, estavam dois policiais militares aposentados, o major Gilberto Luiz dos Santos, que também é funcionário da Assembleia Legislativa, e o sargento Manoel José Ribeiro. “Major G. Santos”, como é conhecido o oficial da PM, está lotado no gabinete do deputado estadual Roberto Razuk Filho, mais conhecido como Neno Razuk, desde 2019.
Além dos PMs, outras sete pessoas foram conduzidas para a sede do Garras, onde deram depoimento e foram liberados. Todos negam ligação com esquema de exploração do jogo de azar.
A casa é de empresário sul-mato-grossense que aluga o imóvel desde janeiro e diz ter sido pego de surpresa com ação do Garras, pois não fazia ideia que o inquilino fazia parte de grupo que lucra com a loteria ilegal.
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