Desconto "estranho" em pensão e aposentadoria leva casos à Justiça
Pensionista chegou a contar 16 associações cobrando valores indevidamente num só mês
Os últimos extratos bancários e do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) da pensionista Fátima Araújo chegaram a mostrar 16 "nomes estranhos" de associações descontando valores de R$ 19,90 a R$ 89,90, que alguns até podem considerar irrisórios.
Essas taxas, juntas, somaram até R$ 320 em um único mês. Um montante que pesou bastante na renda dela, que tem 69 anos e trabalha como empregada doméstica em Campo Grande.
O pior é que Fátima nunca aceitou nenhum serviço dessas associações e nunca se filiou a nenhuma delas. Tentou de diversas formas bloquear os descontos indevidos, sem sucesso. Teve que recorrer a um advogado e, hoje, está com várias ações tramitando na Justiça para receber de volta o que perdeu e cobrar multa das entidades por danos morais.
"Em uma das ações, ficou comprovado que falsificaram minha assinatura para dizer que eu pedi um seguro. Me senti enganada, passada para trás", conta a pensionista. Fátima já ganhou algumas ações, outras seguem aguardando decisão judicial.
Consignado - A aposentada Maria Geralda tem 72 anos e também é empregada doméstica na Capital. Recebe um salário mínimo de aposentadoria, mas parte do benefício acaba comprometido pelos descontos de empréstimos consignados aos quais ela precisou recorrer.
Quando descobriu taxas "surpresa" iguais às cobradas de Fátima, que diminuíam ainda mais seus rendimentos, recorreu ao próprio INSS, ao Procon e, por último, a alguém para representá-la na Justiça.
Conversando com o advogado, ela suspeitou que tenha sido vítima da famosa "venda casada", em que bancos e outras instituições financeiras vendem ilegalmente seguros e até auxílio funeral não solicitados, por exemplo, junto aos empréstimos.
Mesmo com processos judiciais em andamento, os descontos seguem aparecendo nos extratos da idosa. Resta aguardar as decisões da Justiça.
Centenas - Escritório de advocacia de Campo Grande assessora centenas de pensionistas e aposentados como Fátima e Maria com ações judiciais. Na maioria, os afetados são pessoas humildes, que recebem valores pouco expressivos em benefícios.
Os casos começaram a explodir em 2019 na Capital, na pré-pandemia, e só foram crescendo em quantidade. Eles são muito parecidos entre si, conforme explica o advogado Glauberth Holosbach. São associações já conhecidas, que fazem descontos por uma sequência de meses e depois param. Não demora e o nome de entidade começa a surgir nos extratos cobrando os valores abusivos com a descrição "contrib", abreviatura de contribuição.
As entidades e bancos operam também para dificultar o cancelamento dos descontos, denuncia o advogado. "Falam que vão cancelar o débito automático e não cancelam e alguns cobram para emitir extratos mais antigos que servem para comprovar os descontos abusivos", exemplifica. São essas tentativas frustradas, em alguns casos, que levam a pessoa a recorrer à Justiça.
Fraude - "Em 90% dos processos, não há indício de qualquer autorização do cliente. Quando a associação apresenta um documento falando que a pessoa assinou, a gente pede uma prova que é a perícia grafotécnica. Ali, geralmente descobrimos que a assinatura não é verdadeira. É fraude", continua o advogado.
As responsáveis pelos danos já comprovados pelo escritório de advocacia são associações credenciadas pelo próprio INSS para desconto em folha ou pelos bancos onde os benefícios são depositados. Exemplos são as que usam siglas como CAAP, AAPPS Universo e Ambec. O Campo Grande News tentou ouvi-las esta semana, mas não conseguiu contato ou não obteve resposta nas tentativas.
Aposentado que falou com a reportagem, mas preferiu não se identificar, relata que estava perdendo cerca de R$ 40 com descontos indevidos no ano passado. O filho, que é advogado, entrou com uma ação judicial e conseguiu comprovar que houve fraude. Assim, garantiu a restituição dos valores, além de cerca de R$ 4 mil em danos morais.
Ele reclama, no entanto, que já flagrou outro desconto irregular este mês, de outra associação.
INSS - No início deste mês, o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, declarou que a Polícia Federal será acionada para investigar indícios de fraudes que forem descobertas por apuração interna que o órgão abriu para averiguar possíveis filiações irregulares de aposentados à instituição que descontam mensalidades associativas indevidamente da folha dos beneficiários.
“Se a gente pegar uma associação onde reiteradamente demonstra, inclusive, que falsificou assinatura, vamos mandar para a Polícia Federal apurar”, disse Stefanutto.
O INSS ressaltou que, em 15 de março, publicou norma que fixa regras para regulamentar o desconto de mensalidades associativas sobre os benefícios dos aposentados e pensionistas. Ela determina que o desconto tenha autorização prévia do segurado e não possa ser feita por procurador ou representante legal (curador, guardião ou tutor), exceto por decisão judicial específica que autorize a dedução.
Como evitar - Glauberth ensina formas de prevenir fraudes e descontos indevidos nas aposentadorias e pensões.
A primeira é conferir o extrato do INSS e do banco onde recebe o benefício pelo menos a cada dois meses. "Tem que ser o dos dois. Dá para acessá-los pelos aplicativos Meu INSS e o do banco ou retirar pessoalmente nas agências", detalha.
A segunda é, caso vá contratar algum empréstimo ou seguro, ficar atento ao que diz ao contrato e sempre ficar com uma via do documento. "Leva para casa e guarda", recomenda.
Por último, orienta a sempre ir acompanhado por algum familiar que seja de confiança quando for assinar qualquer documento e não fazer nenhum tipo de contratação por ligação, mensagem ou e-mail.
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