“Era a minha vida ou a dele”: PM alega que agiu por instinto em briga com marido
Tenente disse a júri que vivia relacionamento abusivo, mas tinha vergonha de admitir que apanhava em casa
Três anos após falar pela primeira vez sobre morte do marido, em depoimento cheio de emoção, a tenente-coronel da PM (Polícia Militar), Itamara Romeiro Nogueira, de 44 anos, contou publicamente e em detalhes o que aconteceu na tarde do dia 12 de julho de 2016, quando ela atirou duas vezes no major Valdeni Lopes Nogueira, 45. A ré por homicídio alega que agiu por instinto de sobrevivência depois de ter sido espancada e esposo ter ameaçado matá-la.
A PM contou que o casamento estava em crise, mas o casal havia decidido fazer uma viagem à Maceió, onde se conheceram, para tentar reconciliação. A briga naquele dia começou porque ele não havia feito as malas ainda. O major recebeu uma ligação e mudou completamente, começou a dizer que não viajaria mais. A briga esquentou até que ele partiu para agressão.
“Ele ficou nervoso, ele se transformou. Eu estava sentada na cadeira, me deu um soco e perguntou se eu não gostava dele, começou a bater com minha cabeça no piso, após ter desferido o soco, porque eu caí no chão com o soco. Ele batia em mim, uma mulher, como se fosse um homem. Eu no chão, gritando, ele me batendo, ele começou a babar e dizer que ia me matar”.
“Eu vou te dar um tiro na cara sua filha da...”, teria dito Valdeni em cima da mulher, depois de ter batido com a cabeça dela contra o chão. Naquele momento, depois de se desvencilhar do agressor, a policial militar disse não ter pensado duas vezes: correu em direção a uma estante onde estava sua arma, com o intuito de se proteger, e atirou porque viu o marido indo em direção ao carro, onde ficava guardado o revólver dele.
Ela alega ter sofrido naquele momento uma espécie de apagão. Não se lembra da hora em que puxou o gatilho e só percebeu o que havia feito depois que viu o militar já ferido. “Eu pensava 57, ele 98, eu não conseguia sair debaixo dele. Quando ele se afastou um pouco falando que me daria um tiro, eu rodei para o lado direito e sai debaixo dele. Lembrei que ele sempre deixava a arma no carro. Ele foi saindo e eu corri para a estante onde ficava minha arma e, do jeito que esteve, eu com aquele medo e pavor, eu peguei, virei e atirei. Eu não sei, me disseram que eu dei dois tiros, mas eu não sei. Só me dei conta quando o Val caiu ao chão”.
O promotor Bolivar Luis da Costa Vieira questionou por que um dos tiros atingiu as costas do major e como Itamara, uma PM treinada, não foi capaz dar tiros não-letais, apenar para cessar as agressões. “Tenho todas as técnicas para serem usadas em momento de tranquilidade, não de estresse. Ele falou que ia me matar e eu sabia onde estava a arma dele. Foram segundos. Era minha vida ou a dele. Em segundos, você não faz planejamento de técnicas operacionais”.
Depois repetiu a informação para o seu advogado de defesa, José Roberto Rodrigues da Rosa. “Quando eu falo reação animal, é a reação inconsciente de correr e pagar a arma, como se estivesse acuada. Naquele dia foi diferente, parece que a porrada foi mais dura, o olhar dele era diferente, ele babava em cima de mim. Eu não achei, eu tinha certeza que eu ia morrer naquela dia. Eu aguentei muita chinelada, dentro de um relacionamento abusivo começa com puxão de cabelo, uma porrada, uma sapatada. Quando se depara, já está no meio de um momento crítico”. Veja:
Relacionamento abusivo – A policial militar sustentou que vários fatores que a mantiveram no relacionamento, apesar de já ter sofrido outras agressões, a vontade de ter uma família, a vergonha de admitir que era vítima de abusos e o amor pelo marido. “Eu não me separei pq eu amava esse homem”, disse chorando. “Eu achava que ele ia melhorar, eu queria aquela família, queria a minha filha junto comigo e com ele sempre. Às vezes ele melhorava, as vezes tava bom, as vezes ruim. Hoje eu entendo que meu marido era doente. Acredito que, pela circunstância, acredito que ele tinha bipolaridade. Uma hora estava de um jeito, outra hora de outro. Ele ficava enfezado com qualquer coisa que dissesse, mudava o comportamento, ia dos 8 ao 80 rapidamente, de uma forma agressiva”.
A única mulher aprovada no concurso da PM de 1996, Itamara disse que viu seu casamento desmoronar quando começou a ser condecorada. Tudo ficou pior, quando ela entrou para o Batalhão de Trânsito e ficou conhecida não só dentro da corporação. “O Batalhão de Trânsito de trânsito me enalteceu e, como mulher, eu vibrava. Era a vida que eu queria, estava aqui, ali, na TV, fazendo o meu trabalho. O Valdeni em 20 anos de polícia, nunca ganhou uma medalha. Quando eu começo a ganhar e começo a me destacar no Trânsito, ele mudou completamente. Eu nunca comemorei minhas medalhas. Eu sempre era promovida por merecimento e ele ficava indignado”. Veja mais um trecho:
Itamara também negou que tivesse interesses financeiros na morte do marido, como alega o irmão dele. "Ganho muito bem como tenente-coronel".
O depoimento de Itamara durou quase duas horas. Depois das perguntas feitas pelos próprios jurados, o juiz Aluízio Pereira dos Santos decidiu fazer uma pausa, sem informar se a volta será hoje ainda ou não.