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Capital

Espera por exame revela o prazer e a dor de ser mãe em tempos de zika

Unidade de saúde da Capital monitora atualmente 168 grávidas com suspeitas da doença

Flávia Lima | 13/02/2016 07:45
À espera do segundo filho, uma menina, Diane sonha com um futuro saudável para ela. (Foto:Alan Nantes)
À espera do segundo filho, uma menina, Diane sonha com um futuro saudável para ela. (Foto:Alan Nantes)
Para a médica infectologista Marcia Dal Fabro, suporte emocional é fundamental para grávidas. (Foto:Allan Nantes)
Para a médica infectologista Marcia Dal Fabro, suporte emocional é fundamental para grávidas. (Foto:Allan Nantes)

A gestação costuma ser um período de encantamento para a maioria das mulheres. Mesmo as mães de primeira viagem, que já conhecem o passo a passo da espera, voltam a vivenciar emoções já experimentadas.

Desde a revelação de casos de microcefalia associados ao zika no país, no entanto, toda essa expectativa, que antes girava em torno da descoberta do sexo do bebê ou sobre como será sua personalidade, vem dando espaço a um sentimento de angústia e receio de ser infectada pelo vírus.

E essa aflição aumenta quando a gestante recebe um hemograma indicando a possibilidade de ter sido infectada pelo zika.

Em Campo Grande, onde a rede pública de saúde ainda não faz o exame que vai descartar ou confirmar a doença, toda essa angústia tem tirado o sono de quem tenta se concentrar apenas na arrumação do quartinho do bebê, já que os exames enviados para o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, levam até 40 dias para ficarem prontos.

No Cedip (Centro de Doenças Infecto-parasitárias) da prefeitura, que há um mês monitora 168 gestantes com suspeitas de zika e que estão realizando o pré-natal pelo SUS, os relatos de sentimentos conflitantes, que misturam felicidade e receio, dominam as conversas na sala de espera.

Grávida de apenas um mês e meio do primeiro filho, a dona de casa Caroline Portilho de Souza lembra a alegria que sentiu ao confirmar a tão sonhada gravidez. “Meu marido já tem um filho e esse era meu sonho”, diz.

No entanto, ao receber a notícia em uma unidade básica de saúde do Bairro Iracy Coelho, sobre a possibilidade de ter contraído o vírus, todo o sentimento de felicidade deu lugar ao desejo de interromper a gravidez e levou Caroline ao desespero, principalmente porque a possibilidade do feto desenvolver a microcefalia devido ao zika é maior nos cinco primeiros meses.

“Entrei em pânico, comecei a chorar e corri para a casa da minha mãe”, diz. Aos poucos, com a ajuda do marido e o ombro carinhoso da mãe, ela aceitou a realidade e decidiu enfrentar a gravidez com coragem.

“Graças a Deus foi um sentimento rápido, que nem passa mais pela minha cabeça”, afirma. Mesmo apreensiva com o futuro de sua gestação e ansiosa para saber o resultado do exame já encaminhado pelo Lacen (Laboratório Central) para São Paulo, ela conta que mantém sua rotina, escolhendo as roupinhas, brinquedos e planejando a decoração do quarto.

“Ainda é cedo para saber o sexo, mas tudo que vejo quero comprar, não vou me deixar abalar”, garante.
Para quem chegou ao posto de saúde há menos de um mês acreditando que tinha dengue e em questão de minutos sofreu uma reviravolta nos sentimentos, Caroline demonstra, agora, uma força que, segundo o ela, é ancorada pela fé.

Evangélica praticante, ela e o marido, que também está vivenciando a mesma angústia, frequentam com assiduidade a igreja. Para Caroline, toda essa nova realidade serviu para fortalecer a crença e a união do casal.

Porém, ela assume que nem sempre é fácil, já que a tristeza de ver a irmã perder o primeiro filho após cinco dias de nascido, ainda é vívida em sua memória e acaba trazendo-a para a realidade. "Ele teve uma febre e há a suspeita de ter sido medicado de forma errada", ressalta.

Já a realidade da dona de casa Diane Carla Gondim é bem diferente, contudo, a falta de respostas sobre o comportamento do vírus no organismo após o nascimento do bebê não permite que ela respire aliviada.

Grávida de oito meses do segundo filho, nem o uso de repelente, logo nos primeiros meses de gestação, foi suficiente para livrá-la da picada do Aedes.

Hoje ela não esconde a alegria de ver que o resultado de todos os ultrassons feitos até o momento não registraram qualquer tipo de alteração no feto, mas não disfarça a apreensão quando o assunto é o resultado do exame que aguarda de São Paulo. "Mesmo que o bebê esteja bem eu só vou ficar tranquila se realmente não tiver zika porque não sei o que isso pode representar para o futuro dele", afirma.

Incertezas - A preocupação de Diane é legítima, segundo a médica infectologista Marcia Dal Fabro, que vem atendendo as gestantes do Cedip, localizado ao lado da UBS do Bairro Nova Bahia. Foi ela, inclusive, que implantou a ideia do monitoramento das gestantes com suspeita do zika, após voltar de um seminário no Nordeste, no final do ano. A região concentra o maior número dos casos confirmados de microcefalia relacionados ao zika vírus.

Apesar dos anos de experiência, a médica diz que vivencia, junto com as gestantes, desde a angústia da espera pelo resultado do exame até as dúvidas geradas pela doença. "Como é tudo novo até para a Medicina, não temos resposta para tudo. Estamos descobrindo coisas novas a cada dia e as gestantes acabam sendo nossas melhores referências", explica.

As historias de medo e insegurança que ouve diariamente em seu consultório remete Marcia ao início de sua vida profissional, que começou com a explosão da Aids no Brasil. "É a mesma situação. A gente sabia pouca coisa e não tinha muito o que dizer, por isso é preciso dar um suporte emocional, que, às vezes, é mais importante do que uma explicação médica", destaca.

Esse apoio vem sendo dado pela equipe multidisciplinar que atende no Cedip, formada por assistente social, médicos, psicóloga, enfermeiros e até dentistas.

Para dar a oportunidade de atendimento a todas as gestantes monitoradas, cada uma delas tem, em média, apenas uma consulta por mês. Ao todo, três dias da semana são destinados ao atendimento às gestantes com suspeitas de zika.

"Não temos equipe para fazer esse trabalho diário, até porque temos pacientes relacionados a outras doenças infecciosas para acompanhar. Teríamos que montar uma estrutura só para as grávidas, mas não dá", explica a médica.

Como as dúvidas são muitas e os dias disponíveis para consulta poucos, Marcia Dal Fabro enfatiza que nada impede a gestante de ir ao Cedip conversar com outros profissionais, mesmo quando não tem consulta agendada. "Estamos aqui direto para confortar e orientar", ressalta.

O acompanhamento da gestante pelo Cedip começa a partir do momento em que ela passa por uma unidade de saúde e o resultado dos hemogramas indicam a possibilidade do zika. "Cruzamos todos os dados das unidades de saúde da rede para não perder nenhum caso", diz Marcia.

A partir daí, a grávida é encaminhada para o Centro e começa a realizar seu pré-natal lá. Ela pode optar por continuar o acompanhamento com o médico da rede que iniciou o processo, mas será obrigada a passar, mesmo que seja uma vez no mês, pela equipe do Cedip.

Os exames realizados são os tradicionais do pré-natal, com o diferencial do ultrassom morfológico, que detalha as medidas do feto. Até o momento, duas gestantes tiveram diagnóstico confirmado, mas nenhum caso originou microcefalia.

Outra novidade, na verdade a mais aguardada pelas gestantes monitoradas, é a probabilidade de o Lacen realizar, já a partir do próximo mês, o exame que descarta ou confirma o zika. Segundo a médica, os funcionários já foram capacitados, faltando apenas a chegada dos kits para realizar os exames, o que vai abreviar pela metade o tempo de espera das futuras mães.

No entanto, Marcia sabe que ainda há um longo caminho a percorrer até a Medicina ter todas as respostas quanto ao desenvolvimento do vírus no organismo, por isso, as grávidas que, por acaso tenham resultados positivos para o zika, terão o acompanhamento ampliado além dos primeiros anos de vida da criança. "Não sabemos exatamente o que o vírus pode ocasionar a longo prazo, por isso essas crianças terão que ser monitoradas até a maturidade", revela.

A preocupação é que, além da microcefalia, pode haver a ocorrência de outros problemas neurológicos, como a micro calcificação cerebral e danos articulares, além de sequelas na audição e visão.

A médica entende que a preocupação imediata é saber o resultado do exame, mas, na sua opinião, é preciso ver além e se preocupar também com as consequências que o vírus pode produzir no futuro, tanto na saúde quanto no comportamento da sociedade.

O panorama pode parecer sombrio, mas a médica aposta na informação e união da sociedade para eliminar, de fato, os focos do mosquito Aedes aegypti. "Não tem fórmula mágica. Só vamos controlar essas doenças erradicando os criadouros", enfatiza.

Esperança - Para as gestantes Diane e Caroline, o susto de saber que podem ter contraído o zika já foi suficiente para causar mudanças profundas na forma como viam o mundo. As duas, que antes da notícia pensavam apenas no bem estar imediato dos filhos que estão por vir, agora vislumbram, com maior clareza, a importância de trabalhar por uma educação consistente, que efetivamente contribua com a formação do caráter de seus filhos.

"Claro que eu desejo sucesso profissional, mas quero que ela seja uma boa pessoa para contribuir com uma sociedade melhor", diz, emocionada, Diane, que sabe que será mãe de uma menina e já recebeu o nome de Heloísa.

Mesmo com tantas dúvidas e poucas respostas, sua única certeza é de que toda vida deve ser preservada. "Imagino como deve ser difícil receber uma notícia de que o filho tem microcefalia, mas essa é a hora que as famílias tem que se unir. O abandono não é justo com ninguém", conclui. 

Fé tem sido o suporte de Caroline enquanto espera resultado do exame, enviado a São Paulo. (Foto:Alan Nantes)
Fé tem sido o suporte de Caroline enquanto espera resultado do exame, enviado a São Paulo. (Foto:Alan Nantes)
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