Falta de local para fanfarra ensaiar vira tormento para moradoras do Tarumã
Banda do Instituto Manoel Bonifácio ensaia na praça em frente da casa da moradora que sofre com depressão
Impasse que dura há mais de um ano tem tirado a paz de moradores e de um instituto de caridade. Os dois lados reconhecem dificuldades, mas não conseguem achar solução em conjunto. A banda do Instituto Manoel Bonifácio ensaia todos os dias na praça do bairro, em frente à casa da artesã Eliane Dure, de 42 anos, que não suporta mais ouvir os ensaios das crianças.
A casa dela fica no Jardim Tarumã, região sudoeste de Campo Grande, onde também está a sede da Instituição Manoel Bonifácio, que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. O carro-chefe do projeto é a Banda Marcial Manoel Bonifácio Nunes da Cunha, mas também possui atividades educacionais e culturais no período vespertino.
A casa onde Eliana mora com o marido é a mesma há 10 anos. Ao longo desse tempo, viu o bairro e a cidade crescerem, mas a maior mudança foi em sua vida pessoal: em 2016 ela perdeu o pai, a mãe e o filho. O pai e a mãe faleceram em um intervalo de dois meses, acometidos por enfermidades. O filho, de 19 anos, morreu em um acidente de carro, no final do mesmo ano.
O luto foi gatilho para a depressão, que somada à ansiedade, a impede de ter uma vida comum. Ela não consegue mais dirigir e só sai para ir até a casa da irmã, Lucia Esther Prado, de 48 anos, que mora na mesma rua.
A casa era o refúgio de Eliana, onde ela procurava no silêncio exterior a calma que não encontrava na própria mente. Tudo mudou há um ano, quando a banda começou a ensaiar na praça.
"É uma tortura para mim. Se eu tivesse para onde ir, eu iria, já pensei em alugar a casa, mas ao mesmo tempo, é a minha casa. Esse barulho chega a me causar uma coisa, não sei, eu estou aqui falando com você, mas só de ouvir me dá vontade de chorar. Eu tomo remédio controlado para a depressão, aqueles tarja preta, e quando bate o desespero me dá vontade de tomar todos de uma vez para conseguir dormir e não escutar o barulho", disse Eliana, visivelmente abalada.
Ela recebeu a reportagem ao lado da irmã. As duas trabalham juntas, confeccionando coleiras para animais. Esther relata que até o trabalho é prejudicado. "Às vezes quando cliente me liga, eu não atendo porque sei que não vai dar para ouvir nada. Aí quando atendo, me tranco no banheiro".
Elas afirmaram que os ensaios começam às 13h e acabam só às 18h, mas o diretor executivo do Instituto, Nilson Almiro Marques, discordou. Ele alegou que às 13h começa a aula musical teórica, às 14h seguem para a praça e retornam para o Instituto às 15h, onde as crianças lancham e depois fazem atividades escolares ou culturais.
"Nós somos registrados no Conselho Municipal da Criança e do Adolescente. Para fazer essa atividade (banda), fizemos uma pesquisa em toda a vizinhança em volta da praça, temos tudo registrado, todo mundo disse que tava tudo bem, só as duas que reclamaram. Antigamente, as crianças viviam soltando pipa, usando droga. Nós temos uma situação de drogas aqui bem perto, inclusive tinha crianças de lá que hoje ficam aqui. Então nós estamos conscientizando essas crianças através da música", apontou Nilson.
Antigamente, as atividades do Instituto eram realizadas dentro da Escola Estadual Manoel Bonifácio, mas desde junho de 2020 o espaço no Jardim Tarumã foi concedido pela prefeitura para a equipe, que reformou o prédio com recursos próprios. Atualmente, são atendidas 75 crianças e adolescentes da região, além de outras 40 que estão na fila de espera aguardando uma vaga.
"É um projeto sério e bem organizado. Por essa uma hora e meia a gente não tá ensaiando ali porque a gente quer, lógico que a gente gostaria de um espaço coberto, longe do sol, mas não temos. Para gente poder fazer as atividades, é o que temos (a praça)", completou.
Impasse - A Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) informou que a orientação para esses casos é formalizar denúncia relacionada à Poluição Sonora via central de atendimento 156, ou pelo aplicativo Fala Campo Grande, para que a fiscalização seja acionada e realize vistoria no local. Caso seja constatada a irregularidade, o responsável é notificado.
Contudo, Eliane, que já tentou de tudo, disse que seguiu esses passos e a fiscalização nunca foi até o local. Ela também tentou conversar com os professores e até chamou a Guarda Municipal. Nada adiantou porque o Instituto possui alvará de funcionamento e a própria Semadur autorizou a utilização da praça porque o local é público, explicou o diretor Nilson.
Qual a solução? Ninguém consegue dizer. Eliane e Esther sugerem que a Instituição utilize o espaço do Centro Comunitário do Jardim Tarumã, mas Nilson ressalta que não tem veículo para transportar os alunos até lá, junto com os instrumentos.
"A gente entende que a senhora tem o problema de depressão. Ela quer que a gente vá ensaiar lá na associação, mas como vamos para lá? Se a gente tivesse um ônibus, uma van, mas como vou colocar essas crianças na rua? Aí eu vou ter problema com os pais, tenho crianças de 6 até adolescentes de 15 anos", disse.
Na tarde dessa quarta-feira (7), as irmãs se reuniram com Nilson, com a presidente do bairro, professores e a assistente social do Instituto. De um lado, a doença de Eliane foi acolhida pela equipe, e do outro, a moradora entende que o trabalho social é importante.
"É um trabalho bonito, quando começou os ensaios, a gente até gostava das músicas, achava bonitinho. Mas chegou num ponto que o barulho me causa pânico, não dá mais para fazer acordo de horário, a gente só precisa que pare", disse a moradora. "Não é barulho, é som", rebateu o professor.
Após muito debater, uma solução paliativa foi tomada: a banda vai tocar mais baixo e, quando precisar ensaiar normalmente, o professor vai levar os alunos para uma rua mais afastada da casa de Eliane. Além disso, o Instituto entrará de recesso no dia 16 de dezembro e só retornará as atividades após 20 dias.
Para o ano que vem, ambos os lados querem um local adequado, tanto para as crianças ensaiarem longe do sol e da chuva, quanto para Eliane encontrar paz para tratar a doença que possui.
"Estamos correndo para achar um espaço maior, pedindo na Prefeitura", disse Nilson. "Também vou tentar achar um lugar para os ensaios", garantiu Esther.