Famoso por likes, pôr do sol tinge de inspiração o céu campo-grandense
No fim do dia, o multicolorido irrompe no horizonte: com seus azuis, alaranjados e “vemelhoníricos”
Em Campo Grande, a poesia adormece no Oeste. Lá pelas tantas, fadigado de brilhar e, em geral, nos aquecer a 30ºC, ele ruma para o horizonte, num deslumbre de cores que poderia alçar o pôr do sol à condição de patrimônio imaterial da cidade, a aniversariante de 118 anos deste 26 de Agosto.
No fim do dia, o multicolorido irrompe no céu - com seus azuis, alaranjados, “vemelhoníricos” - e distensiona o trânsito, acalenta a volta para casa e vira registros fotográficos que vão somar likes e comentários nas redes sociais. Talvez seja mais um pôr do sol típico da região Centro-Oeste, comparável a tantos outros de terras do Cerrado. Mas a maioria não fica infenso à tanta beleza.
Com a sacada do estúdio voltada para o Oeste, o trabalho de Sol ZTT, absorve as cores do ocaso. “Todo os dias têm pôr do sol na minha sacada. É algo que influencia, às vezes pelas pessoas que pedem para desenvolver, outras vezes por mim mesmo”, afirma Sol, que cursa Arquitetura e Urbanismo e é tatuadora no ateliê Pele e Muro.
Para reproduzir em traços céu da cidade, entra em cena os tons alaranjados. Num dos trabalhos, símbolos de Campo Grande, como os arcos do Horto Florestal, o monumento da Cabeça de Boi e os enamorados peixes do Lago do Amor dividem a cena iluminados por um céu incandescente.
“É uma skyline da cidade. Fiz alguns monumentos que não são sempre usados, mas acho importante para um contexto. Às vezes, o que as pessoas nem percebem. Como os pilares do Horto Florestal ou mesmo a torre que tem no Parque das Nações, que lembra uma cerâmica indígena. Pensei como poderia unir todos esses elementos com uma característica única deles, então me veio o pôr do sol”, conta a tatuadora.
Ver o entardecer tingido o céu de Campo Grande também vira canção. O “pôr do sol, pôr do som” é do músico André Stábile. Compositor há 15 anos, ele retrata o sol urbano que ilumina a volta a para a casa, no caso, da perspectiva de quem vai de ônibus.
“Sempre tive essa particularidade de escrever sobre o nosso Estado, mas de maneira mais real, não falando tanto de Pantanal, sempre falei mais de rua. Não tenho problema em falar da natureza, mas conto da realidade urbana, a volta do trabalho, o céu mudando de cor, que debaixo da luz todo mundo é igual”, narra André, ex-banda Curimba.
O alaranjado do ocaso também não passou despercebido pelo campo-grandense ao eleger as cores que traduzem a cidade. A pesquisa da Velutex, fabricante sul-mato-grossense de tintas, revelou o laranja pôr do sol, o marrom capivara e o amarelo ipê, cores que homenageiam o aniversário de 118 anos.
Quanto mais azul melhor – Se os tons em vermelho deixam o céu irresistível, a cor indica poluição. Por isso, longa estiagem, como a enfrentada há poucos dias, tende a deixar o céu mais “sujo” com poluição e fumaça, e, portanto, avermelhado.
“A tonalidade depende da quantidade de material particulado na atmosfera. O sol emite luz visível que varia do vermelho ao azul. A atmosfera espalha melhor o azul, pelo nitrogênio, oxigênio e argônio. Mas a medida que aumenta a concentração de poluentes, a coloração fica mais avermelhada”, afirma Augusto José Pereira Filho, professor associado do IAG/USP ( Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo).
O comprimento da onda eletromagnética azul é mais curta do que a vermelha. Ou seja, o azul acaba bloqueado pelo material particulado, enquanto o vermelho passa pela camada espessa e poluída.
“Quando está muito poluído, o pôr do sol fica bem avermelhado em razão das queimadas, poeira”, explica o professor, sobre um cenário que enche os olhos, mas não recomendado para os pulmões.