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Capital

"Fica frio": decisão do TJMS que favoreceu procurador saiu em 7h

Investigação aponta para favorecimento e "fatos graves" envolvendo procurador Marcos Antônio Sottoriva

Por Silvia Frias | 02/12/2024 11:35
Trecho de mensagem de WhatsApp com as ordens de Brito: "conceda os efeitos" (Foto/Reprodução)
Trecho de mensagem de WhatsApp com as ordens de Brito: "conceda os efeitos" (Foto/Reprodução)

“Bom dia, Marcelo. Sem entrar no mérito, conceda os efeitos pleiteados até data de audiência de tentativa de conciliação que você vai designar. Pode assinar. Grato”.

RESUMO

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A Operação Ultima Ratio investiga a venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), incluindo um caso onde o desembargador Marcos José de Brito Rodrigues concedeu uma liminar favorável ao procurador Marcos Antônio Martins Sottoriva em apenas 7 horas e 31 minutos após um pedido via WhatsApp. A decisão beneficiou Sottoriva em um contrato de compra de fazenda de R$ 5 milhões, após o desembargador instruir seu assessor a elaborar a decisão sem analisar o processo. A Polícia Federal considera a decisão judicial nula por indícios de favorecimento indevido, apontando que o desembargador não acessou os autos, não elaborou nem conferiu a decisão, apenas a ordenou. A investigação resultou no afastamento de cinco desembargadores do TJMS.

A ordem acima foi dada pelo desembargador Marcos José de Brito Rodrigues ao assessor, para que este elaborasse decisão favorável ao procurador de Justiça, Marcos Antônio Martins Sottoriva, da 5ª Procuradoria da Justiça Cível do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).

A decisão veio depois do "toque" dado pelo procurador sobre o recurso que estava em tramitação no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). Entre essa informação, dada de manhã, e a concessão da liminar, à tarde, seguindo as ordens de Brito, se transcorreram 7 horas e 31 minutos.

A decisão ajudou a resolver, em caráter liminar, uma questão particular do procurador, referente a contrato de compra de fazenda de R$ 5 milhões, localizada em Bandeirantes, a 70 quilômetros de Campo Grande.

A conversa entre Sottoriva e Brito faz parte da investigação que culminou na Operação Ultima Ratio, que apura venda de sentenças no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

Procurador encaminha número do recurso e Brito responde: "Fica frio" (Foto/Reprodução)
Procurador encaminha número do recurso e Brito responde: "Fica frio" (Foto/Reprodução)

No caso específico, o inquérito da PF (Polícia Federal) aponta que houve favorecimento indevido, com mensagem que “demonstram fatos bastante graves”, envolvendo o magistrado e o procurador.

Os prints, segundo a PF, também demonstram que Brito “não acessou os autos, não elaborou a decisão, não a conferiu, nem a assinou”, deixando para o assessor elaborar os termos da liminar. “Portanto, entendemos que a decisão judicial é nula, sendo que a atuação dele limitou-se a uma ordem a seu assessor que favorece indevidamente um procurador de Justiça”.

China – O agravo protocolado por Sottoriva dizia respeito a contrato de compra e venda da Fazenda Nossa Senhora da Guia, firmado em 13 de março de 2019 e orçado em R$ 5 milhões.

Na negociação, foi acordado pagamento parcelado em três anos, sendo R$ 2,221 milhões no ato da assinatura, pago com Hilux ano/modelo 2012; quitação de cédula rural; três unidades no Condomínio Residencial Torres D’Itália, em Três Lagoas, imóvel no Jardim São Bento e R$ 500 mil em dinheiro.

Desembargador manda que assessor conceda recurso e o informe após assinatura (Foto/Reprodução)
Desembargador manda que assessor conceda recurso e o informe após assinatura (Foto/Reprodução)

Outros R$ 600 mil seriam pagos em dinheiro, em 120 dias a contar da data da assinatura do contrato e R$ 150 mil representando pela compra e entrega de imóvel de dois quartos, em condomínio fechado, a escolha do vendedor, em prazo de 240 dias contados da assinatura do contrato.

O restante, R$ 2.028.626,78, seria pago em dinheiro, atualizado em “arroba do boi gordo positiva”, da data do acordo, 13 de março de 2019, em três parcelas, até março de 2022. Isso quer dizer que o valor mínimo pago por 14,387 mil arrobas seria de R$ 141, a cotação daquele dia, podendo variar a mais, conforme as cotações das parcelas posteriores.

Porém, dia 17 de fevereiro de 2020, advogados de Sottoriva entraram com ação de resolução contratual por onerosidade excessiva. Isso porque, a partir de agosto de 2019, “houve expressiva e extraordinária” valorização da arroba do boi gordo, atribuída a grave surto de peste suína africana.

“Para ficar claro, o que era R$ 2.028.616,35 em 16/03/2019, passou a ser R$ 2.662.659,75, isto considerando a arroba de março de 2020 (R$ 186,00), ou seja, um aumento de aproximadamente R$ 635 mil no saldo devedor em apenas um ano”, consta na petição, que foi distribuída na 12ª Vara Cível.

Agradecimento após acordo (Foto/Reprodução)
Agradecimento após acordo (Foto/Reprodução)

Em decisão de 10 de março de 2020, o juiz José de Andrade Neto, titular da 12ª Vara Cível, não concedeu o pedido de antecipação de tutela, avaliando que “não está evidenciado na inicial e tampouco na documentação acostada que o acontecimento ‘peste suína africana’ teria sido responsável direto e único pela elevação do valor da arroba do boi, no Brasil, de forma repentina e inesperada” e de que não há demonstração de que “essa elevação foi abrupta e causada por um único fator imprevisível [...]”.

O juiz ainda considerou que era preciso análise, deveria passar por “estudo pericial aprofundado e a ser realizado no momento processual adequado, qual seja, após a formalização do contraditório”.

“Tal como mencionado na inicial, visto que a análise da pertinência ou não do pleito autoral passa por um estudo pericial aprofundado e a ser realizado no momento processual adequado, qual seja, após a formalização do contraditório”

No dia seguinte, foi protocolado recurso do procurador no TJMS. O agravo de instrumento com pedido de tutela recursal provisória de urgência entrou no sistema judicial no da 11 de março de 2020, às 16h45. Em caráter de urgência, pede para suspender a exigibilidade das parcelas e manutenção da posse da fazenda até devolução dos valores pagos.

O procurador dá um “toque” no desembargador sobre o recurso no dia seguinte, às 8h27.

Nas conversas de WhatsApp, Sottoriva encaminha o print do recurso e, em seguida, a mensagem: “Bom dia. Segue o número do processo. Obrigado”. Brito responde: “encaminhado. Até o final do dia deve estar publicado o que for decidido”. O procurador diz que está em Brasília e agradece. “Fica frio”, completa Brito.

Minutos depois, o print é encaminhado por Marcos Brito ao seu assessor com a ordem: “(...) conceda os efeitos pleiteados” e pede que o informe após assinatura. À tarde, exatamente 7h31 depois, o assessor explica como foi feito o despacho, “acolhendo o mínimo possível dos pedidos” e designando audiência para dia 2 de abril daquele ano.

O cumprimento da ordem, também conforme protocolado no sistema judicial, foi às 15h58. “A fundamentação para conceder a liminar é genérica, sem base concreta, limitando-se a citar o texto legal”, relata a Polícia Federal.

Na ação principal, consta que acordo foi firmado entre as partes, assinado em 9 de abril de 2020.

Naquele mesmo dia, o procurador manda mensagem de WhatsApp para o desembargador. "Graças a Deus e ao seu trabalho (...) acabamos por fechar um acordo (...) consegui alongar a dívida em mais uma parcela. Obrigado de coração. Boa Páscoa na bênção de Deus e de seu filho Jesus Cristo".

Procurador de Justiça, Marcos Antônio Sottoriva (Foto/Divulgação/Arquivo)
Procurador de Justiça, Marcos Antônio Sottoriva (Foto/Divulgação/Arquivo)

Segundo a investigação, é indício de “favorecimento indevido em razão do cargo de uma das partes”.

A Operação Ultima Ratio foi deflagrada no dia 24 de outubro, com cumprimento de 44 mandados de busca e apreensão. Em decisão do ministro Francisco Falcão, do STJ, cinco desembargadores foram afastados do cargo: Sérgio Fernandes Martins, presidente do TJMS, Sideni Soncini Pimentel, eleito para o cargo no biênio 2025/2026, Alexandre Aguiar Bastos, Vladimir Abreu da Silva e Marcos José de Brito Rodrigues.

A reportagem não conseguiu contato com Sottoriva ou a defesa do desembargador.

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