“Frota” de quatro municípios vira sucata e cria grandes cemitérios de veículos
Mais de 9.700 veículos estão nos cemitérios da administração pública. Nas ruas, carro vira lar e jipe das antigas chama atenção
Imagine se, de repente, toda a frota veicular de Pedro Gomes, Alcinópolis, Figueirão e Taquarussu saísse de circulação e fosse parar em pátios de órgãos públicos. Em Campo Grande não é preciso imaginar, pois mais de 9.700 veículos estão nos cemitérios da administração pública.
A maior quantidade encontra-se no pátio do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito), na MS-080, saída para Rochedo: 7.100 veículos. O mais antigo morador é uma Kombi, que está no pátio do órgão público há 11 anos. Ou seja, entrou em 2009, ano que chegou a gripe H1N1 a Mato Grosso do Sul e permanece em 2020, quando a ameaça à saúde passou a ser o novo coronavírus.
O Detran informa que desde o ano passado faz uma operação “limpa pátio”, por meio de leilões. O órgão de trânsito informa que a principal dificuldade no manejo desse estoque de carros e motocicletas foi o acúmulo de anos sem levar os veículos a leilão.
Conforme o departamento, no ano passado, foi leiloado mais de 18 mil veículos. Também em 2019 o Detran passou a terceirizar o depósito, com credenciamento de duas empresas. Na Autotran, localizada na Avenida Gury Marques, são 1.375 veículos, sendo 1.089 motocicletas e 286 carros.
Na retirada do veículo, o proprietário paga pela estadia na empresa. No entanto, a cada dez veículos que passam pelo portão, somente três são recuperados pelos proprietários. Na maioria das vezes, o destino é o leilão.
O estoque no Detran já foi maior. Em 2017, por exemplo, eram 14.811 veículos apreendidos e sem destinação.
No entanto, os leilões não são realizados no mesmo ritmo das apreensões de veículos irregulares. A estatística é de 11 veículos apreendidos a cada um leiloado.
Conforme o artigo 328 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro), o veículo apreendido ou removido a qualquer título e não reclamado por seu proprietário dentro do prazo de sessenta dias, contado da data de recolhimento, será avaliado e levado a leilão, a ser realizado preferencialmente por meio eletrônico.
A Fiorino que está há 25 anos na PF
Em meio a carrões, resultado das apreensões que miram endinheirados, e veículos destruídos pelo tempo, uma Fiorino branca foi apreendida em 1995, portanto está há 25 anos com a PF (Polícia Federal).
No pátio da superintendência da Polícia Federal em Campo Grande, na Vila Sobrinho, estão 262 veículos resultantes de apreensões autorizadas pela Justiça. O cenário inclui veículos de marcas de luxo, como Audi, Land Rover e Mercedes-Benz, carros populares e caminhões.
A frota também se divide entre veículos em bom estado de conservação e aqueles com a lataria oxidada pelos anos de exposição à chuva e sol.
A Justiça Federal mantém os veículos apreendidos nos pátios da Polícia Federal e da Receita Federal. Localizado na saída para Cuiabá, o pátio da Receita tem muitos caminhões.
Questionada pela reportagem, a Justiça Federal informa que faz leilões e doações a órgãos públicos para que não haja deterioração nos veículos. A reportagem solicitou informações à Receita Federal, mas não obteve retorno até a publicação da matéria.
Defurv à espera do segundo “limpa pátio”
Com uma operação “limpa pátio” deflagrada em 2018, a Defurv (Delegacia Especializada de Furtos e Roubos de Veículos), na Avenida Senador Filinto Muller, Vila Ipiranga ainda precisa se desfazer de um estoque de cerca de mil veículos, sendo a maioria de motocicletas.
“Há dois anos, eram mais de dois mil veículos”, afirma a delegada Aline Sinott. De acordo com ela, foram realizados leilões em parceria com a comissão de alienação de bens apreendidos do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e criado um setor específico na delegacia para busca pelo proprietário e entrega dos veículos.
Em 3 de fevereiro, foi feito levantamento dos veículos para esvaziar um segundo pátio. Na sequência, o destino seria as leiloeiras, mas com a chegada do coronavírus em março a ação foi paralisada.
Conforme a delegada, a identificação das motocicletas é feita de forma meticulosa, pois muitas têm peças adulteradas. Os veículos apreendidos são frutos de crimes como roubos, furtos e estelionato.
Zelo pelo bem
O advogado criminalista André Borges alerta que, se o poder público apreendeu o bem, cabe a ele zelar pela manutenção. Segundo o advogado, em processos criminais, com sequestro de bens, cabe a venda antecipada do que foi apreendido.
“O poder público não pode se omitir no dever de guardar os bens apreendidos com o mesmo zelo que teria o proprietário, se com o bem tivesse permanecido. Havendo prejuízos, a reparação é certa e os prejudicados seremos nós todos, contribuintes, que no final pagaremos a conta".
Esqueleto de “candango” no Coopharádio
Fora dos pátios oficiais, Campo Grande, cidade com frota de 596 mil veículos, também tem cemitérios particulares de carros, como o encontrado pela reportagem no Bairro Coopharádio.
No espaço, que pode ser avistado da rua, o matagal e veículos se confundem. No “acervo”, há um esqueleto vermelho com as características do jipe Candango, produzido pela Vemag, com licença da fábrica alemã DKW, entre 1958 e 1963. O nome era alusivo aos candangos, como eram chamados os trabalhadores que construíram Brasília.
Já o estilo do jipe seguia as linhas de outro off road alemão, usado pela forças armadas de vários países. O Campo Grande News não conseguiu contato com o proprietário do local. Vizinhos relataram que ele é dono de oficina e que os carros estão ali há muitos anos. Conforme uma das pessoas ouvidas, o dono “não dá e nem vende”.
Carro é lar na Cidade Jardim
Um veículo Monza, parcialmente coberto com uma lona preta e parado a dias perto de terreno baldio chama atenção no bairro Cidade Jardim. Mas onde os lares costumam ser belos imóveis, a reportagem do Campo Grande News é informada de que o veículo é dormitório de um morador de rua, dono do veículo.
Para a surpresa do entrevistador, uma moradora, que pediu para não ter o nome divulgado, conta que o carro ainda funciona e vira e mexe é usado pelo seu dono, que tem filha residente no bairro.
No entanto, há três dias o homem não aparece pelo local e o carro teve a bateria furtada. “Ele é uma pessoa boa, educada e culta. Não incomoda ninguém”, diz a moradora.
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