Incra encontra irregularidades durante operação em assentamentos
Incra deflagrou operação para vistoriar 252 lotes de assentamentos em Campo Grande
A operação do Incra na manhã desta quinta-feira encontrou irregularidades nos lotes do assentamento Estrela Jaraguari. O Campo Grande News acompanhou parte das vistorias realizadas por sete equipes do Instituto.
Uma delas começa no registro. Onde consta para o Incra 195 lotes, o “seo” José Eleotério da Silva, 51 anos, é o 196. A confusão só foi constatada quando a segunda equipe passou no local. “Seo” José Eleotério e o vizinho, Iodacir Duarte da Silva, 64 anos, foram colocados ali em dezembro, pela associação do assentamento Estrela Jaraguari. Os dois lotes pertenciam às 20 parcelas destinadas ao projeto Pacu, que só ficou no papel.
O documento de “seo” José Eleotério comprova que ele foi apenas apresentado como candidato pela associação, que assegura a conduta de trabalhador rural do assentado.
Segundo os técnicos do Incra, o caso de “seo” José Eleotério e de Iodacir está irregular porque os dois não constam no cadastro e não estão no lote como beneficiários. “Mas eles estavam acampados à margem, trabalham, plantam, produzem, é uma questão de ajuste no Incra”, explica a servidora Euci de Oliveira Freire.
A irregularidade a qual os vizinhos se encaixam pode ser resolvida, por meio de uma mudança na portaria para que eles sejam colocados dentro do sistema e não é nada perto do que o Incra constatou no lote do mototaxista Ageziel Gonçalves Vieira, 43 anos.
Inicialmente a vistoria não notifica, apenas responde o laudo de identificação de ocupação da parcela, que comprova se o lote está ou não ocupado pelo beneficiado, que materiais para construção a parcela recebeu e se há ou não produção.
E foi para este laudo a irregularidade encontrada no lote de Ageziel. Quando o Incra bateu na parcela 177, a surpresa não foi nem em não ver o beneficiado. No lote está uma terceira pessoa, um empregado que foi deixado pelo mototaxista para cuidar do local.
O trabalhador chama Manoel Orrego, 63 anos. Ao Incra ele assegurou que não é parente do dono e que o rapaz mora mesmo, em Campo Grande. Há pouco mais de um ano na região, ele conta que veio para trabalhar, não recebe salário, apenas uma ajuda de custo e a moradia dada por Ageziel.
E do nada, o mototaxista surgiu no assentamento. Ao Campo Grande News ele admitiu que veio porque soube, ontem, que o Incra passaria vistoriando. Para os servidores, ele tentou justificar, dizendo que sai para trabalhar cedo e volta à noite, como auxiliar de mototaxista na Capital. “Eu não sei porque ele disse isso, eu moro aqui, a gente cuida daqui junto”, dizia.
O caso de Ageziel, segundo o Incra se encaixa como “preposto”, quando uma terceira pessoa ocupa o local. Se notificado, o mototaxista terá um prazo para fixar residência no assentamento e ainda assim vai estar sujeito à quebra de contrato e retomada da parcela pelo Incra.
Situação parecida foi constatada também em outro lote. “Seo” Dionísio Alves, 54 anos, está trabalhando e morando na parcela do filho. No primeiro momento disse que ele e a nora estavam para Campo Grande para levar o neto ao médico, mas depois acabou admitindo que mora ali desde agosto de 2010 e que pela falta de recursos para construção da casa, o filho, que na época estava com a esposa grávida, foi morar na cidade.
No caso de Dionísio, o Incra preencheu o laudo constatando a irregularidade. Mesmo sendo pai do beneficiado, a servidora Euci explica “como a gente não encontrou nem ele, nem a esposa, não pode assegurar que está regular”, disse.
O CPF de Dionísio também foi coletado, para confirmar se ele já foi beneficiado por lote e agora está ocupando o do filho.
A falta de recursos apontada por Dionísio é o outro lado da história por trás das irregularidades de lotes da reforma agrária. Na parcela dele, que na verdade é a do filho, vários tijolos empilhados em desuso, desde dezembro.
“Olha só o jeito que o tijolo está, eu tive que emprestar para não perder. Está tudo esfarelando, não veio areia, pedra, ferro, não dava para erguer”, explica. O material, segundo ele, antes do Ano Novo.
As linhas de crédito previstas para os trabalhadores rurais não foram repassadas devido aos problemas internos no Incra. Fator que vira justificativa no assentamento. Para o presidente da Associação dos Produtores Rurais Nova Estrela, Marcílio Holsbak, enquanto não houver fiscalização, o Incra não vai conseguir desenvolver o trabalho.
“O problema é lá dentro e a gente está dependendo muito. Eu não posso confirmar venda, mas tem. Porque tudo depende deles, material de construção, linhas de crédito, isso a gente não recebeu, então não dá para ficar aqui, vai ficar de que jeito?” questiona.
Ainda de acordo com a associação, os produtores que plantam usam recurso próprio e muitos dos que estão tentando sobreviver ali, já receberam muitas propostas. “Vem bastante gente procurando lote, é difícil falar em valor, mas diz que pagam R$ 5 mil para cada hectare”, fala.
O assentado Cláudio de Oliveira, 36 anos, é um dos que fala que existe venda de lotes, principalmente porque não tem como as famílias produzirem. “Já tem bastante lote assim, o pessoal foi abandonando, outra pessoa que veio...” Ele não finaliza a frase, mas chega a dizer que ali, se fosse para comercializar, valeria R$ 33 mil.
Enquanto 153 ações correm na Justiça, de reintegração de posse, o Incra contabiliza que são 15 mil famílias esperando por um lote.
Operação - O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) deflagrou, na manhã desta quinta-feira (22), operação para vistoriar 252 lotes de dois assentamentos em Campo Grande.
Segundo o órgão, 14 servidores fizeram vistoria para tentar identificar possíveis irregularidades na ocupação das áreas, na entrega de materiais para construção e na documentação.