Recordações do espaço quase foram consumidas por chamas de crime impune
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Registros escassos quase levaram a repórter que vos escreve a classificar como devaneio infantil o que na verdade era lembrança marcante registrada pelo olhar curioso de criança. A imagem de uma oca enorme em plena periferia de Campo Grande, bem antes das aldeias urbanas existirem oficialmente, não é simples de guardar no baú do esquecimento. A recordação tornou-se fascínio e revelou parte importante da história dos indígenas da Capital.
Rodeado de residências de arquitetura moderna, o número 681 da Rua Uruguaiana, no Bairro Coronel Antonino, quase passa despercebido. O quintal de chão batido, protegido apenas com cerca de arame farpado, destoa do cenário atual, mas traz elementos para recriar o que era apenas memória.
Vigas verticais de madeira se tornaram carvão nas extremidades, mas ainda são capazes de desenhar na imaginação o formato da tradicional habitação indígena. O aspecto da estrutura, escurecidas pelo fogo, trazem a tona o motivo do aparente apagamento do espaço dos registros oficiais e das memórias desatentas.
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Consumida pelas chamas, em suspeito ato de intolerância, nunca solucionado, a oca foi ponto de encontro dos indígenas que migraram para cidade entre 1996 a 2005. O guarani-kaiowá Sander Barbosa atuou como secretário no denominado Centro de Cultura Nativa de Mato Grosso do Sul e relembra a importância do espaço na articulação dos indígenas recém-chegados na Capital.
Embora pareça um curto espaço de tempo, diante das centenas ou milhares de anos de história dos povos indígenas no Brasil, a quase uma década de existência da oca deu visibilidade a causa indígena e serviu de embrião para constituir as quatro aldeias oficialmente reconhecidas na cidade. “Chegamos a receber turistas dos Estados Unidos e da Europa”, relembra o professor.
Visitas de estudantes das escolas e universidades da Capital eram quase rotineiras. De acordo com Sander, a intenção era resgatar a cultura dos povos originários.
Além de reuniões para articular as demandas da comunidade, o local funcionava como abrigo para cursos profissionalizantes, confecção de cerâmica de demais artesanatos tradicionais dos terena, guarani-kaiowá e kadiwéu e também abrigava uma pequena biblioteca. Dali nasceu, por exemplo, o Conselho Municipal dos Povos Indígenas.
Impune, mas impulsionador - O incêndio que destruiu o espaço nunca foi solucionado. “O próprio delegado não quis registrar boletim de ocorrência na época”, relembra Sander ao explicar o nível de discriminação a que os indígenas eram e ainda são submetidos.
Após o incêndio, travou-se uma briga judicial pela posse do terreno cedido para organização não-governamental constituída pelos indígenas. Apesar da entidade vencer na Justiça, a área ainda abriga apenas vestígios de memórias e está longe de ser o ponto turístico que foi um dia.
A impunidade, no entanto, serviu de fator motivador para os indígenas. As articulações iniciadas na oca deram origem à primeira aldeia urbana da Capital, a Marçal de Souza, localizada no Bairro Tiradentes.
A comunidade mais recente tem justamente como símbolo marcante a versão moderna da tradicional habitação indígena. A palha de bacuri foi somada a estrutura de metal e alvenaria que hoje constituem o Memorial da Cultura Indígena, onde há exposição e comercialização de artesanatos.
Oficialmente, Campo Grande conta ainda com as aldeias Tarsila do Amaral, Água Bonita e Darcy Ribeiro.
O Censo de 2010, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), contabilizava cerca de 6 mil indígenas vivendo na Capital.
A estimativa, no entanto, é que a comunidade já tenha chegado a 12 mil pessoal e seja composta de sete etnias diferentes, comprovando o fortalecimento dos indígenas em contexto urbano, apesar das dificuldades ainda enfrentadas, pois muitas destas aldeias carecem de infraestrutura adequada e políticas de incentivo a geração de emprego e renda.
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