Justiça manda indenizar idoso deixado a 3,1 km do destino, na chuva
Com 75 anos, à época, idoso só conseguiu chegar em casa 2h30 depois, no Jardim Noroeste
Decisão judicial determinou que a Uber do Brasil Tecnologia Ltda pague R$ 20 mil em indenização depois que motorista de aplicativo deixou aposentado, de 75 anos, a 3,1 quilômetros do destino, no Jardim Noroeste, em dia de chuva. Na ação, consta que o condutor deu voltas pois se recusava a sujar o carro de barro nas ruas sem asfalto, até que mandou que o passageiro descesse.
“Vi que meu pai não tinha chegado no endereço, estava rodando, rodando, fiquei mais de duas horas sem falar com ele”, contou a pizzaiola de 55 anos, filha do idoso, ao Campo Grande News. Hoje, o homem está com 79 anos.
O caso aconteceu no fim da tarde de 15 de dezembro de 2019, domingo chuvoso. A corrida partiu da Rua Talles, no Jardim São Lourenço, da casa dela, com destino à Rua do Bananal, no Jardim Noroeste, onde o idoso mora. O valor previsto era de R$ 27,00.
Na ação, protocolada na 12ª Vara Cível de Campo Grande, consta que o motorista teria optado por caminho mais longo. “Ele tentava fugir das ruas sem asfalto e ia se afastando cada vez mais”, contou a dona de casa.
Nas alegações do processo, consta que o motorista disse ao idoso que, “se soubesse que tinha ruas de terra não tinha aceitado a corrida”. Além disso, não iria “sujar o carro no barro”. Mandou o aposentado descer na Rua Piraputanga, a 3,1 quilômetros do local de destino pois “já tinha perdido muito tempo”. Com encerramento, às 18h01, a corrida foi para R$ 38,68.
Sem reconhecer onde estava, com dificuldades de locomoção e problemas de visão, o aposentado se viu perdido, no fim da tarde, na chuva. Na ação, consta que o sinal do telefone estava prejudicado por conta dos bloqueios no Jardim Noroeste, onde está o Presídio de Segurança Máxima.
O idoso chegou em casa somente às 20h35, depois de ter sido auxiliado por dois desconhecidos qe o encontraram na rua. Os homens andaram com o aposentado e, quando chegou próximo de creche, ele reconheceu o lugar e conseguiu encontrar o caminho de casa.
“Quando consegui falar com ele, estava muito nervoso, subiu a pressão, me xingou tudo, xingou todo mundo”, lembro a dona de casa. “Mas aí expliquei que eu não tinha culpa, até entender o que aconteceu, foi muita revolta”.
Na ação, consta que pai e filha foram até o escritório da Uber, na região central da cidade, mas não obteve qualquer suporte. Tentaram fazer boletim de ocorrência, mas a orientação na delegacia é que deveriam tentar a via judicial.
A ação foi protocolada na 12ª Vara Cível de Competência Residual em janeiro de 2020. Os advogados Alexandre César Del Grossi e Fernanda Nígia Antoniette Del Grossi recorreram ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), alegando que há relação de consumo entre a empresa e o cliente e que houve uma falha na prestação de serviço. Pediram indenização de R$ 40 mil, sendo R$ 20 mil para o idoso e R$ 20 mil para a filha dele.
A defesa da Uber contestou, alegando a ilegitimidade passiva por ser apenas intermediadora entre o motorista de aplicativo e o cliente. Por não ser uma prestadora de serviço, não se enquadra nos artigos do Código de Consumidor. “É sabido que a Uber é apenas uma empresa que, por meio de aplicativo de celular, aproxima condutores cadastrados e usuários, fornecendo mais uma opção de mobilidade urbana (...)”.
Mesmo não tendo essa relação, citou que não há provas do que foi alegado pela autora da ação e que isso tenha sido culpa da empresa, inexistindo a pretensão indenizatória. Além disso, também diz que pessoa com deficiência visual e com dificuldade para locomoção não poderia estar sem companhia ou que isso deveria ter sido informado ao motorista.
Em março deste ano, foi realizada audiência de conciliação, sendo infrutífera. Na ocasião, o juiz Atílio César de Oliveira Junior pediu que pai e filha fossem ouvidos, sendo produzida a prova oral.
No dia 2 de outubro de 2023, o juiz considerou que há relação de consumo entre as partes, recorrendo aos artigos 2º e 3º do CDC que trata do conceito de consumidor e fornecedor de serviço.
O juiz também considerou os depoimentos e os prints do serviço como “provas contundentes” da conduta do motorista, sendo “atitude largamente reprovável”, por ter colocado o idoso em risco. "Trata-se de situação que, por sorte, não resultou em perigo mais grave ao autor, pois, como dito, pessoas da região, de boa vontade e senso de humanidade, o auxiliaram a chegar em casa a salvo (...) nota-se que o autor disse que chegou em casa todo molhado e com dor nas pernas, o que é inaceitável."
O magistrado, porém, redimensionou o valor e condenou a Uber a pagar indenização de R$ 20 mil, sendo R$ 10 mil para cada um. Por ser decisão de 1ª instância, ainda cabe recurso. A reportagem entrou em contato com a empresa para saber se irá apelar da decisão, mas não obteve retorno.
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