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Capital

Machismo em game faz mulher esconder até a voz para fugir de ataques e assédio

"Tem homens que não aceitam perder para mulheres", relata streamer Pâm Hime

Aline dos Santos | 08/03/2023 06:06
Bióloga e com doutorado em meio ambiente, Pâmela transfomou hobby em profissão. (Foto: Marcos Maluf)
Bióloga e com doutorado em meio ambiente, Pâmela transfomou hobby em profissão. (Foto: Marcos Maluf)

“Já ouvi frases do tipo: ‘você tinha que estar lavando louça, lugar de mulher não é jogando’. E quando mais você se destaca, pior vai ficando, tem uma questão de ego”. A afirmação da streamer Pâmela Gonçalves da Silva, 29 anos, a Pâm Hime (https://www.twitch.tv/paamhime), retrata como o machismo transborda da realidade cotidiana para o universo gamer.

O que força elas a se esconderem em nomes masculinos, nunca ligarem a webcam e deixarem o microfone sempre desligado, para que uma voz feminina não atraia ofensas ou comentários de cunho sexual.

Sabe-se que pessoas cuja profissão é vitrine, com exposição de opiniões ao público, estão sujeitas a receber críticas. Mas o que se narra aqui é sobre ataques exclusivamente pelo fato de se tratar de uma mulher. Reproduzindo nos jogos o cansativo preconceito do dia a dia, em que se busca impor a visão de que a mulher é inferior ao homem.

Bióloga e com doutorado em meio ambiente, Pâmela conta que sempre gostou de jogar e, com a chegada da pandemia em 2020, decidiu transformar hobby em trabalho. Presa em casa, como quase todo mundo, ela criou páginas no Facebook e Twitch (plataforma de lives e competições de esportes eletrônicos). Desta forma, trocou a terra pelo computador. A pesquisa acadêmica foi sobre 36 variedades de pitayas e o cruzamento de espécies para maior geração de frutos.

“Estava terminando o doutorado, tinha a ansiedade, o nervosismo e tentei diminuir a carga emocional que veio com a pandemia. O pessoal gostou do conteúdo e o que começou como hobby passou a ser minha principal fonte de renda. Hoje em dia, sou full time streamer [em tempo integral]. Consigo pagar as minhas contas. Agora, me firmei nesse caminho”, diz Pâmela.

Ela faz as lives diariamente, de domingo a sexta-feira, a partir das 17h (horário de MS), com duração média de seis horas. Com a exposição, a jornada trouxe remuneração, apoio, mas também ataques.

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O machismo é sempre presente. Tem homens que não aceitam perder para mulheres ou sentir que a mulher tem domínio maior do que o dele. É preciso ter o psicológico forte e saber se posicionar, sempre. Para você mostrar o seu rosto e nome de verdade, tem que ter essa cabeça firme. Tem dias que fico muito triste, dá vontade de desistir pelas coisas que você lê. Mas tem que ser firme e se impor”, afirma Pâmela.

Há três anos atuando profissionalmente, Pâmela conta que se espanta com a agressividade de alguns comentários, principalmente se o cunho é de violência sexual. "Entram na live, vê que é uma menina, bastou. Isso ainda me surpreende, estamos em 2023, já era para todo mundo saber que não deveria existir esse tipo de situação. Hoje em dia, estou vacinada, não choro mais, mas cansa. Acontece não só com a mulher cis, mas com a mulher trans também”, alerta.

A cisgeneridade é a condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento. Transgêneros são pessoas que não se identificam com o gênero a qual foram designadas, baseado em seu sexo biológico.

Atualmente, as lives têm moderadores e ataques mais agressivos são denunciados à plataforma, que pode excluir o autor. Mas a prioridade é jogar em times fechados.

“Se jogar online sozinha, nem coloco o microfone. Se você falar boa tarde, automaticamente, vão vir pessoas falando que vai ser ruim, que vai estragar a partida ou perguntar se você é bonita, se pode passar o WhatsApp. Nem ligo o microfone e jogo tranquila”, diz Pâmela.

Também é comum que elas procurem grupo fechados e, principalmente, com outras mulheres. “A mulher sozinha é vulnerável. Com as outras, ela consegue ter segurança maior, consegue trocar ideia, uma protege a outra. Na live, antes de responder a um ataque, o pessoal já sai em minha defesa, seria muito legal se todos os homens tivessem essa consciência quando presenciasse esse tipo de situação, que não se calasse, que não fingisse não estar vendo”.

Enfrentando toda sorte de ataques, as mulheres seguem participando do universo gamer: criação, idealização, desenvolvimento e jogos.

Isabela jogava desde a infância, mas evitava falar por não ser visto como "coisa de menina". (Foto: Arquivo pessoal)
Isabela jogava desde a infância, mas evitava falar por não ser visto como "coisa de menina". (Foto: Arquivo pessoal)

Coisa de menina -  Jornalista, professora de pós-graduação e gamer, Isabela Domingues, 27 anos, se interessou por jogos eletrônicos na infância, mas evitava comentar porque aquilo não era visto como brincadeira para menina.

“Meu pai jogava e era um momento que a gente compartilhava. Depois disso, levava os jogos com um hobby e não costumava comentar com o receio de ser hostilizada, não era visto como coisa de menina. Quando entrei no mestrado em 2018, a dissertação envolvia o universo gamer e voltei a me inserir de maneira mais profissional. Sou jogadora de RPG profissional, dou aulas de narrativa de game em pós-graduação e vivo inteiramente desse universo”, diz Isabela.

Para ela, as mulheres sempre estiveram nos games, pois muitas jogam desde a infância, mas evitavam dar publicidade, enquanto os homens se sentiam mais confortáveis. “Hoje, elas conseguem se mostrar mais, mas não que esteja mais seguro ou menos hostil. Elas se uniram mais pela internet, se conectam com as outras e se fortalecem”.

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