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Capital

Mãe que perdeu filhos por serem negros vira referência contra o racismo

Zana Zaidan | 29/05/2014 20:10
Cleonice e Edna: a sogra é suporte para a nora depois que Isaías se foi e a deixou com 2 filhos (Foto: Zana Zaidan)
Cleonice e Edna: a sogra é suporte para a nora depois que Isaías se foi e a deixou com 2 filhos (Foto: Zana Zaidan)

Aos 51 anos, Cleonice Rocha da Silva pode dizer que sofreu mais do que muitas mães sofrem por uma vida inteira. Ainda assim, ela se mantém forte para atuar como referência contra a intolerância racial, depois de ter dois filhos assassinados por serem negros.

No último dia 15, Isaías da Silva Faria, 30 anos foi baleado em uma conveniência no Jardim Colibri, em Campo Grande. Em 2007, o mesmo aconteceu com o filho caçula, Anderson da Silva Faria, 19 anos.

“Meus filhos se foram e não voltam, mais. Mas se desde quando aconteceu com o Anderson eu tivesse começado a lutar, as coisas já poderiam ser diferentes. Agora, com o Isaías, me vejo na obrigação de mergulhar de cabeça contra o ódio e o preconceito”, afirma Cleonice.

Isaías deixou a esposa, Edna Zeli Lessa, 20 anos, e dois filhos, de 5 e 3 anos. “Acabou com a nossa família. Os meninos eram muito ligados nele, perguntam o tempo todo pelo pai. Ainda estou aprendendo a lidar com a dor, mas minha sogra é o maior exemplo de força e me faz conseguir seguir em frente”, conta Edna, que estava junto há seis com Isaías.

O inquérito policial ainda não foi concluído, mas testemunhas afirmaram que o suspeito do crime teria dito as palavras “Preto como você não sabe nem como usar banheiro”, antes de atirar contra Isaías.

Vigilante noturno, ele tinha acabado de sair do trabalho e passou na conveniência antes de ir para casa. Embriagado, o suspeito estava insatisfeito com as condições do banheiro do lugar, e insistia que Isaías que resolvesse o problema. O homem chegou a sair da conveniência, mas voltou armado, efetuou três disparos (dois acertaram Isaías), e fugiu em seguida.

Por ter motivação racista, caso deve chegar à promotora de Direitos Humanos do MPE (Foto: Marcos Ermínio)
Por ter motivação racista, caso deve chegar à promotora de Direitos Humanos do MPE (Foto: Marcos Ermínio)

O primeiro filho - O tio da então namorada de Anderson, conta Cleonice, não aceitava o relacionamento. “Ele tinha uma padaria e chegava a dizer que o lugar fedia quando meu filho estava lá, que um preto não era digno de casar com a sobrinha dele”.

Quando o casamento foi marcado, Anderson resolveu ir até a padaria entrar em um consenso com o tio da namorada, mas os dois discutiram e um tiro de revólver atingiu o jovem. O crime aconteceu no dia 29 de dezembro de 2007, e depois de passar 16 dias internado, Anderson faleceu.

“Mas a justiça foi feita. O culpado foi a júri popular, e condenado a 15 anos de prisão. Agora, só espero que o mesmo aconteça com quem matou outro filho meu”, diz dona Cleonice.

Ela, que até então morava sozinha, passou a contar com a ajuda de uma das filhas e uma neta. A família é grande – são dois filhos homens, duas mulheres, nove netos e mais dois que estão a caminho.

“Tenho muito medo que o mesmo possa acontecer com um deles. Somos todos negros, com muito orgulho, mas sei que o mundo lá fora pode ser muito cruel. Se eu pudesse, passaria o tempo todo com eles bem pertinho de mim. Mas não posso, então minha luta será pelo fim do preconceito”, resume a mãe.

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