“Monstro”: esposa de ex-guarda chora e repete versão de tortura no Garras
Eliane Batalha fez acusações contra delegados e promotores ao responder perguntas de advogado do marido
Eliane Benitez Batalha dos Santos, esposa do ex-guarda civil Marcelo Rios, que é julgado sob a acusação de arquitetar o assassinato de Paulo Xavier, plano que acabou com o filho do alvo, Matheus Coutinho Xavier, fuzilado aos 20 anos, deu depoimento lacrimoso na tarde desta terça-feira (18). Ela fez sérias acusações contra policiais, delegados e promotores, alegando que sofreu espécie de tortura psicológica para depor após a prisão do marido.
A mulher, que chegou a ser considerada testemunha-chave contra a milícia alvo da Operação Omertà, mudou de lado ainda no curso dos processos derivados das investigações contra os Name e companhia. Nas palavras de Eliane, a pressão na sede do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco e Assaltos e Sequestros) foi tanta, que até os filhos – uma menina, à época com 5 anos, e um garotinho de 7 anos – teriam sido usados pelas autoridades para manipulá-la.
Logo após a prisão do marido, no dia 19 de maio de 2019, com arsenal que pertenceria à organização liderada pelos Name, na versão da Omertà, Eliane procurou o Garras porque estava se sentindo ameaçada. Ela teria pedido abrigo no local e passou alguns dias no alojamento para policiais da delegacia.
Nesse meio tempo, ela e as crianças conviveram com policiais e delegados. Eliane, que prestou depoimento gravado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) no dia 22 de maio de 2019, negou tudo o que disse a delegados e promotores. Afirmou que a gravação até teve três pausas para que ela fosse orientada sobre o que dizer e que soube pela equipe do Garras que supostamente estaria sob ameaça, por isso, foi levada para a delegacia.
Mas, antes de ser ouvida pela promotora Cristiane Mourão, a então chefe do Gaeco, e equipe, a esposa de Rios diz ter vivido terror psicológico. “Falavam que iam arrancar a minha cabeça”, disse, referindo-se a frase supostamente usada por policiais para convencê-la de que ela estava sob ameaça de morte.
Eliane descreveu ainda episódio que o filho teria vivido. As crianças teriam sido deixadas no alojamento, enquanto a mãe foi levada até a casa dela por equipe do Garras. O menino, inconformado com a demora da mãe, teria deixado o quarto à procura dela, mas se deparou com um homem que descreveu como “de barba, todo de preto, um monstro”. “Era o delegado Fabio Peró”, afirmou Eliane. “Ele olhou pro meu filho e disse: ‘nós mandamos a sua mãe para arrancar a cabeça dela. Nós vamos arrancar a cabeça da sua mãe’”, completou, aos prantos.
A testemunha de defesa também disse se recordar de momento que ouviu pedidos de socorro de Marcelo. “Meu filho me perguntou: ‘Mãe, nós somos bandidos? Por que eles andam com a arma aponta na nossa cara. E eu respondi: ‘Não filho, só estão protegendo a gente’”.
Ela afirma que passou alguns minutos, dentro da delegacia ouviu o marido pedir ajuda. “Minha menina começou a chorar, preocupada e eu aumentei o volume da TV”.
Ainda neste mesmo dia, ela diz se lembrar que esteve com o marido, em cela do Garras. “Me chamaram para ir lá ver o Marcelo, eu fui e aí um dos policiais perguntou e eu queria que as crianças também o vissem, porque ele queria ver as crianças. Eu achei que tirariam ele de dentro da cela, mas quando a gente chegou lá, um dos policiais deu bombom pros meus filhos e colocou os dois dentro da cela...”, conta, chorando bastante.
“O Marcelo estava de costas e o meu filho perguntou pra mim: ‘o que está acontecendo mãe? Que é esse cheiro horrível? Eu não quero ficar aqui. O que fizeram com meu pai?’”, também afirmou sobre o estado do marido, alegadamente notado pela criança, dando a entender que Rios estava sendo maltratado.
Além de citar diretamente Peró, o depoimento de Eliane coloca todos os policiais e delegados do Garras à época como coniventes com a tortura, psicológica contra ela e os filhos e física do marido. Promotores do Gaeco também teriam feito vista grossa para as circunstâncias em que foi colocada para depor.
Ela, contudo, amenizou para o lado do delegado João Paulo Sartori, braço direito de Fábio Peró no Garras. "O Sartori não falava comigo. Aí questionei ele e aí ele me disse: ‘eu não acho certo o que o Peró tá fazendo. Vou sair de férias, minha esposa vai ganhar neném e não quero participar disso. Peró foi longe demais’”.
Apenas as defesas dos réus fizeram perguntas à Eliane. A promotoria, responsável pela acusação, não quis questioná-la. A sessão foi suspensa para que Marcelo Rios, que chorou bastante durante o depoimento da mulher, possa ver os filhos.
Dispensada – Eliane fazia parte, no início do processo, da lista de testemunhas do Gaeco, mas foi dispensada. “Mudou de postura, passando a proteger os interesses da referida organização criminosa e milícia armada de altíssima periculosidade”, diz o texto elaborado pelo órgão quando houve o pedido de dispensa.
Segundo consta das investigações tornadas públicas, ela chegou a pedir para ser atendida por programa de proteção à testemunha. Ficou cinco dias no Garras, junto aos filhos, entre 22 e 27 de maio de 2019, mas acabou desistindo da cooperação, na versão da força-tarefa.
À época, no depoimento dado ao Gaeco, disse que o marido era o “gerente” da organização e administrador do paiol, revelando ameaças para não falar sobre quanto sabia. As informações dadas por ela foram fartamente usadas em peças acusatórias no desdobrar da operação, que teve várias fases.
Na versão da Omertà, a mudança de versão aconteceu depois que Rios e Eliane receberam a visita de advogado.
Mentira – O advogado de Rios, Márcio Widal, perguntou porque Eliane mudou a versão da fase investigatória para a etapa processual, e ela disse que “fez o que fez” na delegacia pelos filhos. “Só eu sei o horror que passamos na mãe daquele delegado, Fábio Peró. Eu fiz tudo que o delegado mandou, porque eu não tinha mais o pai. Ele estava preso, sendo torturado. Se o senhor perguntar pro meu filho e para minha filha se eles mentiriam pra salvar minha vida, eles vão te falar que sim, porque e a gente sabe o que passou lá”.
Eliane também alegou que o filho “tem deficit de atenção e autismo” e a filha tem TDAH (Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade) “depois de tudo que passaram lá na delegacia”, embora não haja evidências científicas que o TEA (Transtorno do Espectro Autista) e o TDAH possam ser desenvolvidos.
Outro lado - Procurado pela reportagem, o delegado Fábio Peró não atendeu ligações e nem respondeu mensagem de WhatsApp.
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