Quatro anos após morte, jovem será lembrado em júri, onde sonhava trabalhar
Hoje, às 8h, história de Matheus Coutinho Xavier, abreviada em execução por engano, será contada em julgamento
Isso pode acontecer com qualquer um de nós e isso assusta. Muito. Me assusta. Isso pode acontecer com vocês, seu pai, sua mãe, talvez o filho de vocês no futuro. Onde isso vai chegar?”
As palavras foram ditas por Matheus Coutinho Xavier, aluno do 3ª semestre de Direito, durante exercício que simulou um Tribunal do Júri, lugar onde o estudante sonhava em estar, mas como advogado, ao término do curso. O que o universitário não podia imaginar quando discursou naquela aula prática da faculdade é que antes de concluir a graduação, ele teria a vida abreviada em execução por engano.
O vídeo breve, com menos de 15 segundos, mostrando as considerações finais elaboradas pelo acadêmico para o júri popular simulado, será um dos materiais utilizados durante o julgamento, que começa logo mais, às 8h, onde o protagonista será Matheus. Ele terá sua história contada até o dia 9 de abril de 2019, quando foi fuzilado na porta de casa.
Matheus queria ser promotor de Justiça, contou o pai dele, Paulo Roberto Teixeira Xavier, 52, em entrevista que foi publicada pelo Campo Grande News no último dia 11. “Ele tinha muita eloquência, era um menino inteligente, bem relacionado. Queria ser promotor e olha onde ele vai ser citado, num júri”.
Agora, o jovem terá as quase duas décadas de vida nas mãos dos promotores, cuja missão é buscar punição para os culpados em colocar ponto-final no sonho do estudante.
Morto por engano – Era fim de tarde, começo de noite de uma terça-feira. Matheus deixava a garagem da casa onde morava com o pai, na Rua Antônio da Silva Vendas, no Jardim Bela Vista, bairro nobre de Campo Grande, quando a caminhonete S10 que conduzia foi fuzilada.
Sete tiros de AK-47 atingiram o corpo do jovem, sendo o disparo fatal na base do crânio. O ex-policial militar, pai de Matheus, chegou a socorrer o filho, colocando-o no banco de trás do veículo e dirigindo até o pronto-socorro da Santa Casa, mas o rapaz não resistiu.
A investigação partiu do princípio de que os tiros calibre 762 estavam endereçados a Paulo Xavier, que já havia sido preso em 2009, durante Operação Las Vegas, da Polícia Federal e desde 2017, era capitão reformado (aposentado) da PM.
Em pouco tempo, a tese se confirmou. A motivação era outra, mas o alvo era o pai.
De lá para cá – Foi a partir da execução de Matheus que esquema muito maior, que ia da contravenção a assassinatos, começou a ser descortinado. No dia 29 de abril daquele ano, a morte do estudante entrou para a lista da força-tarefa montada pela Polícia Civil para investigar crimes de pistolagem em Campo Grande.
Em paralelo às investigações da “matança” pela Capital, o Garras (Delegacia Especializada em Repressão a Roubos a Bancos, Assaltos e Sequestros), com apoio do Batalhão de Choque da Polícia Militar, descobriu endereço que funcionava como paiol de armamento pesado, no Bairro Monte Líbano. Menos de um mês após a força-tarefa começar a apurar as circunstâncias do assassinato de Matheus, no dia 19 de maio de 2019, denúncia anônima levou a polícia até o então guarda municipal Marcelo Rios, pego no Jardim São Bento com em carregador de pistola com capacidade para 30 munições. Foi ele quem levou policiais até o arsenal.
A prisão de Rios foi o que ligou o empresário Jamil Name e o filho dele, Jamilzinho, ao assassinato do universitário e, depois, outros crimes investigados pela Operação Omertà – termo na língua italiana que se refere a código de honra e pacto de silêncio usado por organizações mafiosas do sul da Itália.
No dia seguinte à prisão do guarda municipal, que depois a força-tarefa descobriu ser o chefe da segurança dos Name, Jamilzinho teria mandado fazer “limpa” no apartamento dele. Para a investigação, o objetivo era “impedir que as forças de segurança tivessem acesso a provas que os ligavam à chefia da organização criminosa e à própria execução de vários dos homicídios investigados”. “Importante salientar que o apartamento tratava-se, na verdade, de uma verdadeira fortaleza, com portas reforçadas, semelhantes às de unidades prisionais, em vários ambientes, indicando que era usado para o armazenamento de material sensível para organização criminosa”.
Dias após Rios ser pego, outros guardas municipais, que também “faziam bico” na “escolta” particular dos Name, foram presos, sob a suspeita de ameaçar a esposa do até então colega. Eliane Benitez Batalha dos Santos é outra personagem à parte nesta trama. Foi a partir das prisões de 22 de maio que a polícia passou a classificar o grupo como “milícia”.
As investigações transcorriam em sigilo absoluto, mas em 18 de julho, o Campo Grande News descobriu que no dia anterior, policiais do Garras haviam cumprido mandado de busca e apreensão na casa de José Moreira Freires, no Jardim Colibri, e em outros dois endereços, nas Moreninhas e na Avenida Bandeirantes, no Bairro Amambaí. Nos locais, foram apreendidos celulares e dois arreadores (bastão de choque usado no manejo de gado). “Zezinho”, mais tarde, foi apontado como pistoleiro contratato para matar Matheus.
Em agosto de 2019, denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) ligou os guardas municipais presos a grupo de extermínio atuando em Mato Grosso do Sul para eliminar desafetos dos Name.
A prisão dos Name - Pai e filho foram alvos da Omertà pouco depois, em 27 de setembro daquele ano, saíram de casa, em condomínio de luxo no Jardim São Bento, presos, e nunca mais voltaram. Naquele dia, Garras, Gaeco e Batalhão de Choque apreenderam R$ 160 mil em dinheiro e prenderam um total de 19 pessoas.
A investigação revelou conversa particular em que Jamilzinho dizia ser chefe de grupo de extermínio, fala do começo da “maior matança já vista na história de Mato Grosso do Sul” e de planos para matar “de picolezeiro a governador”.
Em outubro, faixas parabenizando a polícia e Justiça pela prisão da “milícia que mata” foram espalhadas pela cidade. Name e o filho foram transferidos para a Penitenciária Federal de Mossoró (RN). Oito meses após a execução por engano, em dezembro, Jamil, Jamilzinho e mais cinco foram indiciados pelo crime.
A Omertà voltou às ruas em março de 2020 e várias outras vezes. Enquanto isso, a denúncia contra os Name e companhia pelo assassinato de Matheus foi aceita pela Justiça e processo começou a tramitar. Além de Zezinho, Juanil Miranda também havia sido acusado de ser assassino de aluguel contratado para a execução, mas como os pistoleiros estavam foragidos, em maio, o juiz Aluízio Pereira dos Santos decidiu desmembrar o processo. Os dois seriam julgados à parte.
Num dos interrogatórios em juízo, Jamil Name chegou a dizer que Paulo Roberto Teixeira Xavier “não valia uma bala” ao ser questionado se mandou matar o ex-PM.
Vai e vem – Após a fase de audiências, o primeiro júri foi marcado para outubro de 2020. Mas, apelações da defesa adiaram o julgamento. O empresário alvo da Omertà, Name, ou “Velho”, como era conhecido, ainda era vivo. Ele morreu no dia 27 de junho de 2021, vítima da covid-19.
Antes da morte do “patrão”, em dezembro de 2020, Zezinho também morreu, em confronto com a Polícia Civil do Rio Grande do Norte.
Quase três anos se passaram. O júri foi remarcado para 15 de fevereiro deste ano, mas novamente adiado. Nova data seria em maio, mas a defesa de Jamilzinho levou para o Superior Tribunal de Justiça pedido para que, obrigatoriamente, o cliente pudesse participar do julgamento em plenário e não por videoconferência. Só depois da decisão do STJ, é que o juiz Aluízio marcou o início do júri para esta segunda-feira, 17.
A previsão é que os debates entre acusação e defesa, oitiva de testemunhas e interrogatório dos réus levem quatro dias.
Com a data agendada, houve ainda duas tentativas da defesa de Name Filho de adiar o julgamento. Uma delas foi por meio de pedido de desaforamento – levar o júri para outra cidade –, que acabou nem sendo analisado, porque advogados desistiram. Depois, na semana passada, defensores tentaram tirar promotor do jogo, pedindo que ele fosse declarado suspeito de participar do júri, mas o recurso foi negado.
Todos os acusados, até agora, negaram qualquer envolvimento na execução do estudante. A defesa de Jamilzinho chegou a falar em “ódio indisfarçável” contra a família Name.
Pai e mãe – Além de Paulo Xavier, considerado testemunha imprescindível pela Promotoria para conseguir a condenação, já que não economizou esforços e contou tudo o que sabia para ver organização criminosa presa, a mãe de Matheus, a advogada Cristiane de Almeida Coutinho, falará em nome do filho.
Ela atuará como assistente da acusação. Cristiane fez silêncio ao longo desses quatro anos e deve falar somente quando os promotores encerrarem o trabalho no Tribunal do Júri, nas considerações finais. “Espero realmente que a Justiça se faça presente, se estabeleça, trazendo a decisão que nos trará um pouco de paz”, foram as únicas palavras dela até agora.
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