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Capital

Para júri “da década”, juiz aposta em escolta infalível e blindagem de Fórum

Julgamento de Name Filho, acusado de mandar executar estudante, demanda esforço extra em segurança e logística

Anahi Zurutuza | 07/06/2023 13:56
Aluízio Pereira dos Santos, juiz há 27 anos, 18 deles dedicados a júris populares, em entrevista ao Campo Grande News. (Foto: Paulo Francis)
Aluízio Pereira dos Santos, juiz há 27 anos, 18 deles dedicados a júris populares, em entrevista ao Campo Grande News. (Foto: Paulo Francis)

Os preparativos para os quatro dias mais movimentados, ao menos da década, no Fórum de Campo Grande começaram há mais de um mês. Assim que soube que já poderia reagendar o julgamento de Jamil Name Filho, o “Jamilzinho”, acusado de liderar milícia armada que tinha planos para “matar de picolezeiro a governador” em Mato Grosso do Sul, no dia 2 de maio, o juiz Aluízio Pereira dos Santos começou a organizar o júri popular.

O primeiro despacho do magistrado já registrava a “necessidade de adotar regras que fogem da rotina”.

Na terceira semana do mês que vem, Name Filho senta pela primeira vez no banco dos réus. O principal alvo Operação Omertà – que mirou organização criminosa com características de máfia, dedicada a execuções como forma de manter o poder –, é acusado de ser o mandante do assassinato a tiros do acadêmico de Direito, Matheus Coutinho Xavier, conforme a acusação, morto por engano no lugar do pai, Paulo Roberto Teixeira Xavier, desertor do grupo.

Em seus 27 anos de carreira na magistratura, 18 no Tribunal do Júri, não será a primeira vez que Pereira dos Santos presidirá julgamento complexo, com muitos réus, várias vítimas, que dura dias ou com acusados considerados de alta periculosidade.

Neide Mota Machado, escoltada e na companhia de advogado. (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Neide Mota Machado, escoltada e na companhia de advogado. (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

O titular da 2ª Vara do Tribunal do Júri se lembra, por exemplo, de quando presidiu o julgamento do caso da clínica clandestina de aborto, comandada pela anestesista Neide Mota Machado, na Capital. “Eram muitas rés, várias vítimas”.

A médica era acusada de interromper as gestações de 25 mulheres e formação de quadrilha. A investigação da Polícia Civil à época apurou que Neide Mota fora responsável por pelo menos 10 mil abortos em 20 anos de atuação. A anestesista foi denunciada em 2007, mas antes de ir a júri, em 2009, tirou a própria vida. Em 8 de abril de 2010, quatro funcionárias da clínica foram consideradas culpadas e deixaram o Tribunal, após dois dias, com penas que variavam de um ano e três meses e a sete anos de reclusão (em regime aberto).

Maio de 2003, São Paulo: José Márcio Felício, o “Geleião”, conversa com o então promotor Marcio Sergio. Christino (Foto: Reprodução de vídeo divulgado pelo site Uol)
Maio de 2003, São Paulo: José Márcio Felício, o “Geleião”, conversa com o então promotor Marcio Sergio. Christino (Foto: Reprodução de vídeo divulgado pelo site Uol)

Escolta pesada – Aluízio Pereira dos Santos se recorda também de julgamento anterior, em 2005, quando José Márcio Felício, um dos fundadores do PCC (Primeiro Comando da Capital), conhecido como “Geleião”, foi condenado a 8 anos de prisão por homicídio em cela do Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho, a “Máxima” de Campo Grande.

Neste caso, o aparato de segurança chamou a atenção. Talvez nunca tivesse sido visto no Fórum de Campo Grande, já que só quatro anos depois se repetiu, quando Fernandinho Beira-Mar – um dos mais conhecidos traficantes brasileiros e liderança no Comando Vermelho – foi levado a júri na Capital.

Beira-Mar na frente do juiz Carlos Alberto Garcete, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, durante julgamento na Capital. (Foto: Reprodução)
Beira-Mar na frente do juiz Carlos Alberto Garcete, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, durante julgamento na Capital. (Foto: Reprodução)

“Geleião”, nessa época, estava em prisão do interior de São Paulo. Foi trazido sob escolta pesada. “Ele tinha pena para cumprir para o resto da vida e um detalhe curioso, muito curioso mesmo, que eu nunca tinha visto na vida, foi que o réu falou assim: ‘Dr., eu não quero ser defendido. Pode me condenar, vê aí quantos anos’. A gente estranhou aquilo”, narra Pereira dos Santos.

O juiz conta que só entendeu a situação depois, quando o julgamento se estendeu a ponto de não ser possível mais levar o preso de volta à penitenciária em São Paulo, no mesmo dia. “Pediram para que ele pudesse pernoitar aqui no Fórum e não era possível. Ele foi levado para presídio aqui e a condição era que nenhum preso soubesse, no máximo sigilo. No dia seguinte, descobriram que ela havia passado por lá e teve um quebra-quebra. Então, quando ele pediu para não haver defesa, era porque ele queria ir embora no mesmo dia, sabia que estava em risco”.

“Condenados” pela natureza – Mais recentemente, em 2021, Pereira dos Santos comandou julgamento que além do quesito segurança, enfrentou dificuldade imposta pela natureza. Os seis acusados de matar José Carlos Louveira Figueiredo, o “Coroa”, numa sessão do chamado “tribunal do crime”, começaram a ser julgados na manhã do dia 30 de junho e a condenação, que passou dos 162 anos de prisão, se somadas as penas aplicadas, só saiu no fim da tarde do dia 1º de julho.

Fez muito frio na Capital nestes dois dias e quando termômetros marcavam 8ºC, a noite em claro de policiais que trabalharam na escolta dos jurados foi na frente de hotel. Os PMs receberam elogio na ficha funcional pela “bravura” para garantir a segurança dos cidadãos que julgavam integrantes de facção criminosa.

Foto do plenário do Tribunal do Júri, onde devem ser julgados os réus pelo assasinato de Matheus, em 2020, na primeira audiência do caso. (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Foto do plenário do Tribunal do Júri, onde devem ser julgados os réus pelo assasinato de Matheus, em 2020, na primeira audiência do caso. (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

Horas a fio – Desta vez, além de se debruçarem sobre o processo e analisarem as alegações do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e advogados de defesa, para decidir se Name Filho foi ou não responsável por tirar a vida do estudante, os sete jurados terão de definir como foram as participações na trama do ex-guarda municipal Marcelo Rios e do policial civil aposentado Vladenilson Daniel Olmedo, conhecido como Vlad.

O fato de serem três réus em julgamento já é a primeira especificidade da sessão na 2ª Vara do Tribunal do Júri. Acusação e defesa terão um total de 9 horas só para debater o caso, apresentando seus argumentos aos integrantes do conselho de sentença.

Os debates, contudo, começam após os depoimentos de testemunhas e informantes – são 13 no total – e estimativa do juiz é que essa primeira fase leve pelo menos dois dias.

Para evitar o desgaste dos depoentes, Pereira dos Santos escalonou as convocações. Exigir que todos estivessem no Fórum às 8h do dia 17 de julho, seria “falta de sensatez”, explicou o juiz. “Não é justo que todas as 13 testemunhas sejam intimadas para o mesmo horário, como ocorre de praxe nas audiências em geral, até porque correr-se-á o sério risco de ficarem o dia todo neste Fórum e não serem ouvidas, postergando os seus depoimentos para o próximo dia e assim sucessivamente até que sejam inquiridas”.

Vladenilson Olmedo, à esquerda, e Jamil Name Filho, à direita de máscara, durante audiência por vídeo, no presídio de Mossoró. (Foto: Reprodução de vídeo)
Vladenilson Olmedo, à esquerda, e Jamil Name Filho, à direita de máscara, durante audiência por vídeo, no presídio de Mossoró. (Foto: Reprodução de vídeo)

Desta maneira, o magistrado mandou que os depoentes sejam intimados a ficar de sobreaviso entre 17 e 20 de julho – tempo que estima para o começo e fim do julgamento –, para comparecer ao plenário caso haja alguma antecipação, mas, na manhã do dia 17, serão ouvidas três testemunha de acusação e à tarde, outras três, incluindo o pai de Matheus, ex-policial militar apelidado de “PX”, que depõe na condição de informante – por ter laço afetivo com a vítima, embora tenha informações relevantes a prestar, não precisa fazer o compromisso com a “verdade, nada mais que a verdade”.

Para o dia seguinte, estão marcados os depoimentos de outras sete pessoas, chamadas pelas defesas de Jamilzinho, Rios e Olmedo. Depois dos interrogatórios dos três réus é que acusação e defesa começam a disputa pelo convencimento dos jurados, provavelmente, só no terceiro dia.

Durante o tempo que durar o júri, Aluízio Pereira dos Santos precisa garantir ainda a incomunicabilidade dos sete integrantes do conselho de sentença. Pela lei brasileira, eles ficam sem celular, dormem em hotel e são o tempo inteiro “vigiados” por oficiais de justiça.

O “detalhe” também demandará esforço extra em logística. O juiz mandou reservar hotel por cinco dias para os julgadores, oficiais e os policiais empenhados na segurança de todos eles. Transporte e alimentação também ficam por conta do Judiciário, mas o magistrado ainda não tem estimativa do gasto.

Em 2 de março de 2020, na primeira audiência do processo que julga a morte de Matheus Xavier, segurança foi reforçada no Fórum de Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)
Em 2 de março de 2020, na primeira audiência do processo que julga a morte de Matheus Xavier, segurança foi reforçada no Fórum de Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)

Segurança infalível – Preso desde que foi alvo da Omertà, em setembro de 2019, Jamilzinho está em cela do Presídio Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, e pisará na Capital pela primeira vez em quatro anos. A defesa dele conseguiu no STJ (Superior Tribunal de Justiça) decisão que garante a presença do cliente no Tribunal.

O magistrado pediu que o Ministério da Justiça cuidasse da transferência escoltada dos presos – além de Name Filho, Rios e Olmedo. Ainda no início de maio, determinou o envio do ofício ao ministro da Justiça, Flavio Dino, pedindo o planejamento da ação, que pode ser informada a ele em sigilo. “A escolta deverá ser com a discrição necessária, sem alarde”, exigiu.

Conforme apurado pela reportagem, serão empenhados de 7 a 10 policiais penais federais para cada um dos réus. Eles devem se revezar em turnos. O Depen (Departamento Penitenciário Federal) já informou, porém, que Vlad será transferido para penitenciária em Mato Grosso do Sul bem antes do júri, porque decisão judicial impõe que ele passe a ficar sob a tutela do Estado.

Para assegurar a proteção do entorno do Fórum, Pereira dos Santos também já pediu apoio da PM (Polícia Militar). Ofício enviado ao comandante-geral, solicita “providências necessárias para que a força pública fique à disposição deste juízo a fim de garantir a segurança interna e externa do prédio do fórum no julgamento dos acusados Jamil Name Filho, Vladenilson Daniel Olmedo e Marcelo Rios”. Por motivos óbvios, detalhes do que foi respondido também ficarão em segredo.

Policiais e peritos trabalhando no local do crime, em 9 de abril de 2019. (Foto: Paulo Francis/Arquivo)
Policiais e peritos trabalhando no local do crime, em 9 de abril de 2019. (Foto: Paulo Francis/Arquivo)

O crime – Conforme a acusação, o acadêmico de Direito foi vítima de atentando que teria como alvo o pai dele, o ex-policial militar Paulo Roberto Teixeira Xavier. A investigação da Polícia Civil apurou que Xavier era desafeto do grupo comandado por Jamil Name, o “Velho”, e Jamilzinho.

O ataque aconteceu por volta das 18h, na frente de casa de Paulo e Matheus Xavier, no Jardim Bela Vista, bairro nobre da Capital. A investigação apurou que ele foi morto por engano, pois estava manobrando o carro do pai. O rapaz foi atingido com sete tiros e o disparo fatal foi na base do crânio.

Jamil Name teve o nome excluído do processo depois de sua morte, em maio de 2020, vítima de covid-19. O processo foi desmembrado para outros dois réus, por estarem foragidos: José Moreira Freire, o “Zezinho”, e Juanil Miranda Lima.

Os dois, segundo a acusação, seriam os pistoleiros, responsáveis pela execução. “Zezinho”, que foi morto em troca de tiros com a Polícia Militar em Mossoró (RN), em dezembro de 2020, também teve nome excluído.

Juanil Miranda ainda está foragido e, neste caso, a Justiça determinou a suspensão dos trâmites até que ele seja recapturado.

O júri de Jamilzinho e companhia só não acontecerá entre 17 e 20 de julho se o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul aceitar o pedido de desaforamento (transferência de foro) feito pela defesa de Name Filho, no dia 1º de junho. Para convencer o TJMS a “levar” o primeiro júri para fora de Campo Grande, os advogados alegam que o cliente entrará no Fórum da Capital “já condenado” e “indisfarçável ódio” por parte da sociedade campo-grandense contra a família Name.

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