"Precariza a vida": mulher fala da espera de mãe e irmãos por cirurgias
Técnica de enfermagem da Capital descreve três casos na família e soluções buscadas

Todas as manhãs, Leonor Maria Mendonça pegava a bicicleta e saía pelas pelas ruas de Guia Lopes da Laguna para vender chipas que ela mesma fazia. Essa foi sua rotina por anos, até o descuido de um motorista a impedir de trabalhar e pedalar.
"O cara abriu a porta para sair do carro e não viu a minha mãe, que caiu da bicicleta e quebrou a perna", conta a filha, Angélica Ocampos.
Só que o caso era mais complexo do que parecia. Para voltar a andar normalmente, Leonor precisaria de uma prótese no joelho e de uma cirurgia ortopédica que não estavam disponíveis na rede pública de sua cidade.
Já com mais de 70 anos, mudou-se para ser cuidada pelos filhos em Campo Grande, enquanto esperava ser chamada para fazer a operação ortopédica na Capital. Foram cinco longos anos aguardando.
A solução para a idosa veio após a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul conseguir obrigar o poder público a pagar a cirurgia e a prótese na rede privada, por meio de uma decisão judicial.
"Ela consegue andar agora, mas tem diabetes, pressão alta e depressão. Era uma mulher muito ativa e forte. Se não tivesse esperado tanto pela cirurgia, acho que não teria acumulado essas doenças. Precariza a vida da pessoa", pensa Angélica.
Hoje, a mãe está com 74 anos e é cuidada pela filha, que também enfrenta depressão e, por isso, precisou pedir licença do trabalho de técnica de enfermagem em hospital da Capital.
Irmã - Nesse período, quem também aguardava uma cirurgia ortopédica pela rede pública de Campo Grande era a outra filha da idosa, Adélia Ocampos. Ela havia sofrido um acidente de trânsito há 15 anos, que quase provocou a perda de uma de suas pernas.
"Minha irmã esperou, esperou e não deu em nada. Quando a nossa mãe fez a cirurgia, meu sobrinho falou com o mesmo médico e negociou um valor de tabela social. Ele juntou dinheiro e conseguiu pagar", conta Angélica também.
A irmã ficou dependente financeiramente da família. Antes, trabalhava como manicure. A história é parecida com a da mãe: o tempo que passou trouxe vários prejuízos e impactou sua qualidade de vida. Hoje, ela tem 51 anos.
Irmão - O terceiro caso na família é o do filho de Leonor e irmão de Adélia e Angélica. Antônio Ramão Ocampos iniciou há um ano a peregrinação para resolver o problema na coluna que o tirou da profissão de pedreiro.

Trabalhou quase toda a vida na construção civil, fazendo muito esforço físico. Se viu obrigado a parar aos 56 anos.
Tentou, mas teve o pedido de benefício negado pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Está sem renda e anda com o auxílio de uma bengala.
Angélica precisou acolher o irmão, assim como faz com a mãe. Ela o acompanha em consultas há um ano e reclama da demora que ele também começa a enfrentar para conseguir a cirurgia neurológica que resolverá o problema na coluna.

"Ele está 'entrevado' há seis meses. Precisamos que o caso dele se resolva rápido, para não ser prejudicado como minha irmã e minha mãe. E eu preciso voltar a trabalhar. Quanto tempo mais vamos esperar?", pergunta.
Plano, gastos elevados e demanda sem fim - Além de ações como a que Leonor ingressou e teve sucesso, há outras correndo na Justiça para obrigar as secretarias de Saúde de Campo Grande e de Mato Grosso do Sul a montar planos para reduzir as filas por consultas e operações no SUS (Sistema Único de Saúde). As procuradorias do Estado e do Município têm recorrido desses pedidos, que são movidos pelo Ministério Público Estadual.
Em outro polo, os bloqueios de verba pública da prefeitura e do governo estadual para bancar operações na rede privada, causam suspeita quanto aos valores elevados de algumas cirurgias. O Ministério Público está investigando possível omissão ou inércia do poder público na hora de contestar valores exorbitantes apresentados em orçamentos feitos em 2023.
Ainda paralelo a isso, a Secretaria Estadual de Saúde faz mutirão de cirurgias, consultas e exames nos municípios de Mato Grosso do Sul. Dados de fevereiro mostram que mais de 65 mil atendimentos foram realizados no Estado desde 2023, sendo 34 mil exames e 31 mil cirurgias. A maioria das operações foi feita nos olhos (18.841), enquanto o exame mais realizado foi a ressonância magnética (14.741).
Mesmo com planos de redução, procedimentos pagos na rede privada e mutirão, a demanda não para de crescer.
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