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Capital

Rodeado de prédios de luxo, barraco de Lidiane vira ponto de doações

Placa pedindo ajuda, à beira de córrego, chama atenção de quem passa por região nobre de Campo Grande

Cleber Gellio | 27/01/2023 12:35
Barraco na Via Park e ao fundo prédios de alto padrão da região (Foto: Henrique Kawaminami) 
Barraco na Via Park e ao fundo prédios de alto padrão da região (Foto: Henrique Kawaminami)

“Olá, gente. Moramos na beira do córrego e precisamos de doações. A chuva acabou com tudo. Por favor, colchão, coberta, roupa, alimento”.

É praticamente impossível não notar a placa fixada no poste de iluminação da Avenida Nelly Martins (Via Park), para quem segue no sentido Parque do Sóter, em Campo Grande. O pedido de ajuda, entre as ruas Cigana e Rio Negro, área nobre da cidade, faz com que os motoristas reduzam a velocidade e observem melhor a cena que costuma ser mais comum em grandes metrópoles.

Do lado esquerdo da pista, em meio a prédios de luxo, quase escondido na mata que beira o córrego, dá pra ver o barraco de lona com roupas penduradas no varal. O Campo Grande News foi até o local por duas vezes até encontrar alguém. Nossa equipe de reportagem conseguiu contato com Lidiane.

Muitos dependentes químicos abordados na rua costumam fugir das câmeras, escondendo o rosto, mas Lidiane surpreendeu. Primeiro por assinar a placa pedindo que as doações sejam entregues somente a ela, depois ao conversar com a reportagem e revelar que o pedido de ajuda é um grito de alerta.

“A pior coisa que existe, a droga destrói muito. Queria uma forma de me tratar. Hoje em dia me sinto muito mal comigo mesma. Eu queria muito alugar uma casa e que fosse uma equipe lá e pudesse me acompanhar, não trancada em um local. Não sou de ficar fechada”, diz.

Longe da família e há oito meses morando à beira do barranco do córrego do Sóter, Lidiane Barreto, 37 anos, não tem mais o que perder na vida, conforme ela mesma diz. Tudo o que tinha de mais precioso, os pais e os cinco filhos, foi afastado por causa da pasta base de cocaína, vício que começou aos 24 anos e que lhe privou, além das pessoas que ama, da liberdade.

Havia pouco mais de meia hora que tinha feito uso do entorpecente e o efeito já não parecia prejudicar a memória.

Lidiane vive dentro de barraco em área nobre da cidade (Foto: Henrique Kawaminami)
Lidiane vive dentro de barraco em área nobre da cidade (Foto: Henrique Kawaminami)

Sem rodeios, a mulher detalha os efeitos colaterais da dependência e os motivos para estar ali, naquele ambiente insalubre, na companhia de Travesso, Muleque e Guri, os animais de estimação. Aos fins de tarde um beija-flor costuma aparecer para fazer companhia também. “A partir do momento que já está no organismo fica complicado. Clínica não resolve nada, já fui internada por três vezes e não consegui superar. Todas as vezes que consegui sair foi pela força de vontade e pessoas me apoiando”, lembra ela da vez em que se mudou para Jaraguari, a 47 km da Capital, onde arrumou trabalho em uma horta e conviveu com a família.

“Se me oferecessem pra voltar o quanto antes eu voltaria. Já trabalhei de cozinheira, empregada doméstica e até peã de fazenda. Já fiz de tudo, hoje em dia não tenho mais esse ânimo. Eu não posso morrer dessa forma. Não quero ver minha mãe e meu pai chorando no meu caixão porque foi desta forma, de overdose e dizer que me avisaram”, desabafa.

Beija-flor aparece toda tarde e torna dia de Lidiane melhor (Foto: Henrique Kawaminami)
Beija-flor aparece toda tarde e torna dia de Lidiane melhor (Foto: Henrique Kawaminami)

Com as mãos entrelaçadas, Lidiane conta que por causa da dependência, em 2012, grávida de quatro meses, aceitou uma proposta de ser ‘mula’ para transportar droga de Ponta Porã até Campo Grande. Ganharia R$ 1,2 mil, mas os planos não deram certo e foi presa. Cumpriu uma pena de três anos e oito meses em regime fechado. “Isso ocorreu, mas gente não pega nada de ninguém, por isso trabalhamos com reciclagem. A gente pede e sempre tem uma pessoa boa e generosa que não quer te humilhar”, conta deixando claro que agora vive da coleta de materiais recicláveis e da ajuda de quem passa pela avenida.

Pessoas como Maycon Sullivan de Amorim, 28 anos, e Eneslaine Mendes, 25 anos. Enquanto conversávamos com Lidiane, o casal chegou com doações, principalmente de alimentos: “sempre que a gente pode, doa”.


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