“Rolo”: até pai de servidora cismou com roubo de celular que “provava” assédio
Entenda como Yasmin Cabral passou de vítima de assalto e crime sexual a alvo da polícia em pouco tempo
“Rolo dela”. Foi assim que definiu o pai da servidora comissionada afastada, Yasmin Osório Cabral, 31, ao saber que a Polícia Civil investigava suposto assalto que havia vitimado a filha em frente à casa dele, em Campo Grande. Nas palavras do homem, segundo a madrasta, ela “não é confiável” porque “mente muito”.
Os juízos de valor feitos pela família da moça foram alerta para os policiais civis que investigavam o assalto que, conforme boletim de ocorrência feito por Yasmin, havia acontecido dias antes de ela ter de ir à Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) dar detalhes sobre os assédios que supostamente sofreu por parte de um delegado enquanto trabalhava em setor do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito) de Mato Grosso do Sul. O telefone poderia conter “provas” das investidas do chefe contra ela.
Ambas as denúncias foram investigadas e para a polícia, as duas são mentirosas. Yasmin inventou o roubo para não ter de entregar o aparelho à Deam, que investigava o crime sexual comunicado por ela no dia 19 de fevereiro. As acusações contra o delegado seriam, por sua vez, cortina de fumaça para que a servidora se livrasse da responsabilidade por participação em esquema de fraude, revelado em investigação do Dracco (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado), depois que servidor efetivo do Detran descobriu que sua senha de acesso ao sistema estava sendo usada indevidamente.
Yasmin está presa desde o dia 6 deste mês. Foi pega pelo Dracco no condomínio onde morava, na mesma data em que o mandado foi expedido.
O roubo que não aconteceu – Além de responder pelas fraudes por meio do sistema do Detran, Yasmin foi indiciada pela Derf (Delegacia Especializada de Roubos e Furtos), em maio, por falsa comunicação de crime.
A investigação sobre o roubo do celular, conduzida pelo delegado Francis Freire, começou no dia 12 de março com equipe enviada ao local indicado pela, até então, vítima. Os policiais bateram na casa do pai dela para perguntar sobre a existência de câmeras nas proximidades que poderiam ter gravado o assalto. Quem atendeu a porta foi a madrasta da moça, que negou a existência de equipamentos de segurança e também ter ficado sabendo de assalto em frente à sua residência. Os investigadores comentaram sobre registo feito por Yasmin no dia 5 de março, afirmando que havia sido roubada ali no dia anterior, e a madrasta negou que a enteada tivesse visitado a família.
A mulher narrou ainda ter criado a “menina” desde os 5 anos, mas que há cerca de dois anos, houve um rompimento. Segundo a madrasta, pai e filha brigaram quando o marido descobriu que Yasmin havia limpado a conta de FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) dele, deixando rombo de aproximadamente R$ 25 mil.
Os policiais então foram até o condomínio da servidora para convocá-la a dar mais detalhes sobre o assalto. Não conseguiram contato com ela. Aliás, a Derf teve dificuldade de levar Yasmin para depor. Foram três tentativas ignoradas de intimação, até que advogado fez contato com a delegacia e marcou audiência por videoconferência.
Mas, na portaria do residencial, a investigação descobriu que no dia do suposto roubo, cerca de 1 hora depois que teria sido vítima de ladrões, a moradora recebeu entrega de delivery, embora more em apartamento localizado a 15 quilômetros do endereço do pai.
A comunicação com a portaria se deu por dois números de telefone, um deles o mesmo que depois a servidora afastada disse à Deam ter ficado sem, por ter sido roubada. Com operadoras de telefonia, a polícia constatou que a linha continuou sendo usada no dia seguinte ao assalto inventado. Assista:
De vítima à investigada – Yasmin, que passou cerca de 5 horas na Deam, no dia 19 de fevereiro, para denunciar o chefe por assédio, voltou à unidade no mesmo dia que registrou o boletim de ocorrência do assalto e falou à delegada Analu Lacerda por mais uma hora sobre o comportamento inadequado do delegado com quem trabalhava.
No depoimento, ela chorou e revelou até ter tentado contra a própria vida após ter sido perseguida por não corresponder às tentativas de aproximação do chefe.
A servidora alegou estar sendo vítima de armação. Veja:
Mas, paralelamente, ela já era alvo das apurações no Dracco. Na Derf e na Deam, passou de vítima a investigada.
Yasmin foi denunciada ainda por denunciação caluniosa pelo delegado que acusou de assédio e deve ser indiciada pela Delegacia da Mulher por falsa comunicação de crime, conforme apurado pela reportagem.
Por ter acusado o chefe de crime que ele não cometeu, se condenada, a servidora pode pegar de dois a oito anos de reclusão, enquanto por ter mobilizado a polícia para investigar fatos inexistentes, a pena é de um a seis meses, conforme previsto no Código Penal.
O delegado foi removido da Corregedoria de Trânsito do Detran-MS no dia 8 de maio. Yasmin também está afastada das funções e responde a procedimento administrativo.
Fraude – O esquema de fraude foi descoberto após denúncia de servidor que notou irregularidades em 29 liberações administrativas de veículos no sistema do Detran. As baixas ocorreram em duas datas: em 9 de fevereiro de 2024 e 15 de fevereiro de 2024. Todas foram associadas ao uso de login e senha dele, sendo que o funcionário não estava no órgão ou realizou as ações nesses dias.
Além disso, as liberações divergiam do padrão adotado pelo servidor, limitando-se a frases genéricas como "OK VISTORIA" para pôr fim às restrições. Com as suspeitas, foi instaurada uma investigação interna que chegou ao computador usado para fazer 27 liberações indevidas no dia 15 de fevereiro. Era a máquina da servidora comissionada.
Yasmin havia pedido ajuda ao colega para realizar uma consulta no sistema e acabou utilizando o login e senha dele, que ficaram logados no computador. Foi identificado que um dia antes da fraude (14 de fevereiro), os documentos dos veículos foram baixados por despachantes: 25 veículos por David Cloky Hoffmam Chita, além de Hudson Romero Sanches e Edilson Cunha, que pertenciam ao mesmo escritório do primeiro.
No dia seguinte, David e Hudson tentaram acessar novamente os documentos veiculares, sugerindo uma conexão entre os despachantes e as baixas indevidas. Conforme relatório da investigação policial, David, apontado como líder do esquema, mantinha um relacionamento amoroso extraconjugal e pagava Yasmin pelos serviços prestados.
Ela recebeu um iPhone 15 Pro Max entregue em uma cesta dentro do Detran-MS, joias, eletrônicos como ar-condicionado e televisão, além de valores em dinheiro via Pix. A investigação corre em sigilo e David está foragido.
Outro lado - A reportagem não localizou a atual defesa de Yasmin. O advogado que a acompanhou durante a instauração de inquérito sobre assédio e a defenderia em processo disciplinar no Detran-MS informou que não a representa mais. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
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