Sem documentos, torturada e na miséria, ela luta para criar 4 filhos
Aos 26 anos, Lúcia Helena Martinez Estecher é uma mulher marcada. Pelo corpo, hematomas contam que apanha e muito do ex-marido. As panelas vazias relatam que suas quatro crianças flertam com a fome. Sua história, narrada ao Campo Grande News na manhã deste sábado após mais uma episódio de violência doméstica, é o retrato da vítima cuja subsistência depende do agressor.
Oficialmente, ela nem existe. Paraguaia e ilegal no território brasileiro, teve os documentos retidos na PF (Polícia Federal). Por falta de R$ 165, não pode reavê-los e solicitar a permanência no país. Passou seis anos casada com Fábio Assis, de 24 anos.
Nos últimos cinco anos, testemunhou os empurrões e tapas se transformarem em espancamento. O rompimento veio há quatro meses, com a descoberta de uma traição. Porém, viu a miséria chegar quando o homem que a agredia saiu de casa.
Com quatro filhos, com idades de 5, 3, 2 anos e um mês, ela não tem outra fonte de renda. Dependendo exclusivamente do salário do ex-marido, que é pedreiro. Lúcia Helena conta que ele deixou de ajudar a família, porém, volta para bater.
No dia 30 de janeiro, fechou toda a casa para evitar que o ex-marido entrasse. “Ele arrombou a porta e entrou com raiva. Me levou para o banheiro e me bateu com a corda que uso para amarrar o cachorro. Gritei, chorei e ele foi embora”, relata.
Sem dinheiro para ir até à delegacia, só conseguiu registrar o BO (Boletim de Ocorrência) na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) depois de uma semana. A primeira denúncia de violência doméstica foi formalizada em outubro do ano passado.
“Ontem, ele voltou e disse que ia me matar, me amarrar na moto e me arrastar. Depois, pegou o capacete e começou a bater”, diz. Com um alicate, o agressor prendeu os dedos da ex-esposa e ordenou que ela saísse da casa, localizada no Jardim Danúbio Azul, em Campo Grande.
Com os quatros filhos, ela caminhou por oito quilômetros até o posto da PM (Polícia Militar) na Vila Margarida. Em seguida, Fábio foi preso em flagrante e levado para a Depac/Centro (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário).
A fuga de casa foi às 18h de ontem e a família só retornou às 5h deste sábado. O cansaço era perceptível no filho mais velho, uma criança com lábio leporino e deficiente visual. No meio da entrevista, ele surgiu na sala, se deitou no chão e adormeceu em poucos minutos.
O menino foi a razão dos pais saírem de Fátima do Sul para buscar tratamento em Campo Grande. Quando a vida financeira estava melhor, ele frequentava o Ismac (Instituto Sul-mato-grossense para Cegos). Mas, desde a separação, a mãe não tem condições de levá-lo à instituição.
Lúcia Helena recebe ajuda do Cras (Centro de Referência de Assistência Social) do Estrela Dalva, que repassa arroz, feijão, leite e fralda. As crianças frequentam a escola e a mãe se esforça para manter uma rotina doméstica. Com tantos filhos e sem documento, nem sabe por onde começar a procurar emprego.
Por diversas vezes, durante a entrevista, Lúcia Helena abaixa a cabeça e esboça o choro. Mas as lágrimas só irrompem no rosto quando conta do temor de o ex-marido sair da cadeia e voltar para agredi-la. “Morro de medo”, diz, com os roxos da última agressão ainda espalhados pelo corpo.
Em tempos de alegria escassa, a solidariedade é que faz brotar algum sorriso. Ontem, no posto da PM, as crianças ganharam lanche. Hoje, o relato da reportagem sobre a situação da família sensibilizou um empresário, que doou refeição. Na casa de quatro peças, em que moram de favor, mãe e filhos tiveram mesa farta por um dia.