Sob calor de quase 40ºC, meninos brincam com a morte em córregos
Acrobacias e árvores como trampolim a beira de barrancos incrementam o que era para ser apenas um refresco
Sem fiscalização, placas de alerta e um calor de quase 40ºC. O cenário é perfeito para que crianças e adolescentes brinquem com a morte em córregos de Campo Grande. Afinal, qual o problema em se refrescar dando um mortal para trás na beira de um barranco e causar inveja nos companheiros de banho?
Talvez nenhum, contando que quem o fizer não encontre o mesmo destino de Rafaela Ulhmann Delgado, de 10 anos, que morreu afogada ao tentar se limpar no Rio Anhanduí, no domingo.
Quem também responde a pergunta é um grupo de pelo menos 15 crianças, adolescentes e jovens com idades entre 12 e 19 anos, que no barranco do córrego Bálsamo, na Cohab, região do Universitário desafiam a morte com acrobacias que ganhariam a reprovação de qualquer pai ou mãe.
“A gente não se machuca não, as vezes só uns raladinhos”, diz um adolescente de 17 anos, ao ser questionado pela reportagem se alguém do grupo já se feriu ao “brincar” no local.
Encorajado pelo bando, a declaração foi dita minutos antes do menino acompanhado de outros dois saltarem por uma altura de pelo menos seis metros para provar que “estava tudo bem”.
Enquanto deixavam a água para retornar ao topo do barranco, pelo que se assemelha a uma trilha marcada por pés enlameados, outros meninos do grupo, de 15 e 16 anos afirmam que para se refrescar eles percorrem uma grande distância. “Sou do Nogueira” e “Sou do Rouxinóis”, revelam, respectivamente, os garotos sobre onde moram.
E o local não é o único onde crianças desacompanhadas dos pais ou responsáveis se refrescam e ao mesmo tempo colocam a própria vida em risco. No que consideram a “cabeceira” do mesmo córrego, as margens da BR-163, na região do bairro Pioneiro, três crianças de 10, 11 e 12 anos, usam uma árvore como trampolim para se refrescarem.
“To sempre aqui. Não é perigoso não”, disse o caçula da turma, enfatizar que sua mãe sabe o que está fazendo. De bicicleta, para o trio, o perigo se divide entre córrego e baixada de rodovia movimentada.
Rafaela – Mas, nem todos tem a mesma coragem, ou pelo menos, não enquanto a tragédia de Rafaela Ulhmann Delgado for comentada pelo bairro. Na tarde desta terça-feira (10), dois dias depois do afogamento da menina, o Campo Grande News voltou o local que selou seu destino. O que antes lá era “point” para o banho da garotada hoje é apenas moradia de peixes e aves.
Não recomendado – De acordo com o tenente do Corpo de Bombeiros, Vinicius Barbosa Gonçalves, locais como estes onde as crianças “brincam” não são recomendados para banho.
“A orientação é que a pessoa não entre na água. Locais, como por exemplo, a cachoeira do ‘Ceuzinho’ são áreas particulares onde a pessoa não tem autorização para banho e nem segurança”, explica o tenente, ao se referir sobre balneários e clubes que são devidamente fiscalizados, possuem guarda vidas e equipamentos de segurança.
Na tarde de segunda-feira, na cachoeira do 'Ceuzinho', o corpo de Pedro Celestrino, 34 anos, foi encontrado boiando em um local de difícil acesso ao lado de latas de cerveja. A suspeita da polícia é que ele tenha se afogado.
Questionado, o tenente esclarece que quando a área é particular há pouco que se fazer. “O proprietário não é obrigado a sinalizar, por exemplo, que no local o banho é proibido considerando que o acesso de pessoas é proibido”, destaca.
Córregos e rios – A mesma orientação se aplica a outros córregos e rios que são utilizados pela população, mas, estão em áreas particulares. Entre eles, estão o Atlântico e Lagoa Rica, que conforme o coronel dos bombeiros Marcelo, aparentemente estão devidamente regulamentados, porém são utilizados de maneira irregular por banhistas clandestinos. “Ao entrar em um local como este o banhista assume o risco”, completa.
Estatística – Somente de janeiro ao dia 10 de outubro deste ano a corporação registrou 37 mortes por afogamento em todo Estado. Na região metropolitana, que engloba Capital e região, são seis ocorrências.
Os números mostram um aumento de ocorrências no comparativo 2016/ 2017. No mesmo período do ano passado foram registradas 28 mortes em MS e na região metropolitana foram quatro.