"Vergonha e medo dos deboches", justifica mulher trans que não denunciou estupro
Após quase um mês internada e duas cirurgias, Camila teve alta e falou com o Campo Grande News
Guardei para mim porque me senti envergonhada e com medo de que debochassem de mim. Muita gente acha que pessoas como eu não prestam ou fazem coisas erradas. No fim, levei tudo isso em conta”...
A explicação dada com voz abatida e por vezes trêmula, detalha o motivo pelo qual Camila Ferreira decidiu não denunciar sessão de agressão e estupro coletivo que enfrentou no dia 18 de junho. Com medo de que o relato fosse descredibilizado, a mulher transsexual guardou segredo sobre o dia que descreve como o pior que já viveu em 54 anos. “Nem para minha amiga contei. Só falei quando já não aguentava mais de dor e o estado era grave. Foi horrível porque ardia e queimava muito”, relata.
Corumbaense de nascimento, Camila veio para Campo Grande há cerca de 12 anos. No Bairro Vila Sobrinho, aos poucos ganhou o respeito e a amizade de boa parte dos moradores, com quem afirma sempre ter tido bom convívio.
No dia do crime, ela voltava de um mercado por volta das 11h, depois de fazer compras para o almoço. Perto de uma praça movimentada do bairro, foi abordada por dois homens que estavam em um carro vermelho. “Parei porque a pessoa que estava no carro falou comigo como se fosse um amigo”, explica.
Pensando que no veículo estava alguém conhecido, ela afirma que se aproximou, mas acabou sendo puxada e presa pela dupla. “A partir dali a coisa mudou. Eles já me deram um tapa na cara, começaram a me xingar e ameaçar’, afirma.
Refém dos criminosos, Camila foi encapuzada e passou por uma sessão de tortura física e psicológica. Por fim, foi forçada a ter relações sexuais com um cachorro, abuso que lhe rendeu além do trauma, uma infecção que só piorou pela demora em procurar atendimento médico.
“O médico me disse que o cachorro tem muitas doenças e isso me deu uma inflamação por dentro. Começou a criar pus dentro de mim e, sinceramente, foi a pior coisa que já passei na vida”. Ela foi abandonada perto do Cemitério do Santo Amaro depois do crime e voltou para casa sozinha, onde permaneceu em silêncio até não suportar mais e pedir ajuda a um casal de amigos.
Internada no dia 25 de junho, a vítima narra que se agarrava à fé para superar os resultados físicos e emocionais. Ela foi submetida a uma cirurgia e apesar dos incontáveis pensamentos positivos para atrair a recuperação, o quadro se agravou e teve de passar por outra cirurgia. “Não demonstrei para não preocupar ninguém, mas na minha mente entrei em desespero pensando no que poderia acontecer. Minha cabeça ficou a mil e rezei bastante para me acalmar”, revela.
Foram dias de dor recebendo medicamentos fortes e tendo de ser submetida a baterias de exames. Batalha que fez Camila se questionar sobre a humanidade das pessoas.
“Eu sempre emiti coisas boas e mantive amizades. Nunca imaginei passar por isso um dia. Isso só mostra que o preconceito existe e que somos julgados da pior forma apenas por sermos nós mesmos ”, desabafa.
Até se recuperar totalmente, a vítima ficará na casa de amigos. Nesse período, conta com a solidariedade de quem pode ajudá-la. Na internet, uma vaquinha virtual arrecada dinheiro para que Camila esteja assistida até estar bem novamente. Quem quiser ajudar pode acessar o site clicando aqui.
A Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) investiga e procura pelos bandidos que vão responder por sequestro qualificado, estupro coletivo, injúria racial e lesão corporal dolosa grave.
*A vítima aceitou ter o nome e imagem divulgados pela reportagem do Campo Grande News.