"Vida segue destruída", diz mãe 3 anos após filho ser morto por causa de celular
Assassino de Jean Kaio, Haniel Souza dos Santos havia fugido e foi capturado pela polícia nesta semana
“Era um dia nublado igual hoje. Ele morreu com um tiro bem no meio do peito”. Destacando as nuvens cinzas, Fernanda Leal da Costa, de 35 anos, conta que ao ficar sabendo da fuga e prisão do assassino de seu filho nesta semana, voltou a mergulhar nas lembranças. Pouco antes de 13h40min, de 26 de junho de 2018, Haniel Souza dos Santos, hoje com 23 anos, assassinou Jean Kaio da Costa Oliveira, de 17 anos, durante roubo de celular.
Sem nem saber que Haniel havia fugido da prisão, Fernanda foi surpreendida com a notícia de que havia sido recapturado. “Eu tô mal desde então. Parece que desde que fiquei sabendo disso, aquele dia voltou com mais força. Fiquei aliviada com a prisão dele, mas espero que ele não consiga fugir de novo. Que ele não faça com outra mãe, o que ele fez comigo”.
Narrando o último dia em que viu o filho, ela explica que jamais imaginou perder Jean, principalmente, por um celular. Desde então, a mãe conta que segue tentando sair do luto, sem sucesso.
Vou ser bem sincera, ele acabou com a minha vida. São três anos de luta e ele precisa pedir perdão para Deus, porque eu ainda não consigo. Para mim, parece que foi hoje, tô chorando desde que soube da prisão dele, porque é a mesma coisa que eu estivesse vivendo de novo, Flávia conta.
Naquele dia 26 de junho, Jean acordou antes das 5h, como de costume, para ir trabalhar. Brincou com a mãe e pediu R$ 5 para tomar café com a avó no terminal de ônibus, mas antes do “tchau” disse que iria conquistar um futuro com o dobro de dinheiro que Flávia já havia emprestado. “Ele tinha muitos sonhos, a gente colocava tudo no papel. Ele queria ser advogado, vivia falando disso, que queria me dar uma vida melhor. Nunca consegui me recuperar de verdade”.
Flávia conta que passou mal durante toda a manhã, mas que as dores sentidas nas horas anteriores à morte do filho se desmancharam em desespero às 13h40min. “Um rapaz foi até meu apartamento perguntando por Flávio, dizendo que um rapaz tinha levado um tiro, mas eu não achei que fosse comigo. Depois eu resolvi ligar para o Kaio, porque imaginei que ele fosse passar no mercado e acabasse indo ver a bagunça de gente. Nunca imaginei que ele era quem levou o tiro”.
Na terceira tentativa de ligação, o mesmo homem que havia ido até a casa de Flávia atendeu o celular de Jean Kaio. Foi aí que a mãe deixou tudo para trás e encontrou o filho se debatendo na esquina próxima ao apartamento em que viviam.
Foi a pior cena que uma mãe pode ver. Ele rolava na grama gritando de dor, estava vivo ainda. Mas aquela grama parece que nunca mais cresceu, toda vez que preciso passar por aquela esquina, vivo tudo de novo. Dois dias antes, a gente tinha tirado uma foto bem ali, nem sei explicar, a mãe relembra mostrando o retrato no celular.
Sirenes ecoando - Depois de encontrar o filho caído, Flávia acompanhou Jean dentro da ambulância até a Santa Casa. “Aquela Rui Barbosa parecia que nunca acabava. Até hoje, eu posso estar aqui dentro de casa e a sirene lá longe, parece que é aqui. Aquele barulho. Ele subiu a rampa da Santa Casa e não resistiu, só depois fiquei sabendo”.
Assim como não dormiu naquela noite, a mãe explica que segue com dificuldades pra descansar ainda hoje. “A prisão de quem matou ele serve para eu pensar que ele vai pagar, mas não tenho meu filho. Ele cruzou o caminho da minha família e não destruiu só eu”.
Por não conseguir se distanciar das memórias, Flávia relata que precisou mudar de casa e deixar a esquina em que o filho morreu. “Não era o apartamento o problema, mas aquela esquina. Mesmo saindo de lá, ainda tô tentando reaprender a viver, não tem sido fácil. Continuo pensando que ele vai voltar, parece que ele tá só viajando e vai me chamar aqui na frente”.
Sobre tentar retomar o cotidiano, a mãe diz que pensa nos planos do filho e em tudo o que sonhavam. “A gente estava juntando dinheiro para comprar um carro, queria comprar uma casa. Quero seguir, mas é difícil, porque é a maior dor da minha vida ainda hoje. Mas estou tentando”.
Morte, prisão e fuga - Jean Caio foi assassinado na Rua Cláudio Coutinho, Bairro Ramez Tebet, em 2018. Na época, Haniel Souza Santos confessou à polícia que saiu de casa já pensando no roubo. De acordo com o delegado Reginaldo Salomão, responsável pela investigação, Haniel não demonstrou arrependimento e contou que encontrou Jean distraído com celular no bolso e fone de ouvido.
Haniel fez a abordagem com um revólver antigo e, conforme disse à polícia, Jean negou entregar o celular. Em agosto do mesmo ano, Haniel foi preso pelo crime após cometer outro assalto, mas conseguiu fugir da prisão em maio de 2021.
Pela morte de Jean Kaio, Haiel foi condenado a 25 anos de prisão e 180 dias de multa, mas conseguiu redução de pena e diminuiu 1 ano por ter confessado o crime. Nesta terça-feira (3), ele foi preso novamente por policiais da Derf (Delegacia Especializada em Repressão a Roubos e Furtos).