ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SEGUNDA  25    CAMPO GRANDE 26º

Cidades

Clima é o responsável pela redução nos casos de leishmaniose

Especialista esclarece que o frio e a chuva matam o transmissor da doença, no entanto, em época de calor ovos eclodem, espécie aumenta e casos voltam a aumentar

Danielle Valentim | 12/03/2018 11:40
"É óbvio que precisa de limpeza nos quintais, mas este tipo de mosquito gosta de material orgânico, ou seja, não precisa de água ou sujeira, precisa de uma grama”, explica o especialista André. (Foto: Danielle Valentim)
"É óbvio que precisa de limpeza nos quintais, mas este tipo de mosquito gosta de material orgânico, ou seja, não precisa de água ou sujeira, precisa de uma grama”, explica o especialista André. (Foto: Danielle Valentim)

Quando o assunto é leishmaniose, durante muito tempo os cães foram considerados vilões, por serem hospedeiros do mosquito transmissor da doença. Agora, imaginem descobrir que o grande influenciador no aumento ou diminuição dos casos da doença é, na verdade, o clima e suas mudanças.

Soa clichê, mas as duas únicas formas das pessoas conseguirem impedir a leishmaniose visceral humana é barrar a criação do mosquito ou cuidar para não ser picado, neste caso, com o uso de repelente. A doença não é transmitida pelo cachorro, mas pela fêmea de um flebotomíneo - o mosquito-palha.

Ele tem características que o assemelha aos mosquitos comuns, mas suas larvas se desenvolvem no solo úmido e em matéria orgânica, ou seja, não precisa de reservatórios de água, como os mosquitos comuns.

No Brasil apenas duas espécies têm importância em saúde pública: Lutzomyia longipalpis, que pode ser encontrado em todo País; e Lutzomyia cruzi, restrito a Mato Grosso do Sul.

As larvas do mosquito palha se desenvolvem no solo úmido e em matéria orgânica, ou seja, não precisa de reservatórios de água, como os mosquitos comuns. (Foto: Divulgação)
As larvas do mosquito palha se desenvolvem no solo úmido e em matéria orgânica, ou seja, não precisa de reservatórios de água, como os mosquitos comuns. (Foto: Divulgação)

Fim da eutanásia - Desde a autorização do tratamento da doença nos animais, em 2012, as farmácias pets dobraram as vendas dos medicamentos e os casos em humanos despencaram. Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra, segundo apurou a reportagem. A diminuição dos registros não tem ligação com o tratamento, mas com o calor e frio que oscilam ano a ano.

De acordo com o primeiro informe epidemiológico de leishmaniose de 2018, no ano passado foram 125 casos - todos confirmados pelo Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) -, e apenas sete óbitos. Já em 2010, foram 214 casos e 18 mortes.

Desde o início do acompanhamento da doença no Estado até hoje, já se confirmaram 1.605 casos da doença, e 112 óbitos.

Dengue x leishmaniose - A relação de mudança climática com doenças vetoriais é facilmente explicada, quando a dengue, que nada tem a ver com cachorro, também apresenta diminuição. Das quatro doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, dengue, chikungunya e zika são as que mais preocupam, já que não há registro febre amarela em Campo Grande. A queda nas notificações da dengue também são surpreendentes.

Segundo o último boletim epidemiológico da dengue, divulgado pela SES, até o dia 7 de fevereiro foram notificados 810 casos suspeitos no Estado, contra 6.201 em 2017 e 59.874 casos notificados, em 2016. Em Campo Grande, foram registrados 436 notificações de dengue até o dia 20 de fevereiro, mas nenhum deles foi confirmado pela secretaria estadual de saúde.

O que diz o especialista? O médico veterinário André Luiz Soares da Fonseca, professor de Imunologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), sócio fundador do Brasileish (Grupo de Estudos sobre Leishmaniose Animal) e doutor em Doenças Tropicais no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo explica que tanto a dengue como a leishmaniose são doenças relacionadas, basicamente, com a alteração ambiental, pois são doenças vetoriais.

O especialista pontua que o frio registrado em 2017 ainda refletirá neste ano, nas duas doenças. “A proliferação do mosquito aumenta o risco de qualquer doença vetorial, por isso não dá para traçar um paralelo, entre o tratamento dos cães e a queda dos casos de leishmaniose. Porque se a dengue também caiu, o que tem a ver dengue com cachorro? Nada. Há duas coisas duas coisas que matam muito o mosquito são frio e chuva e o inverno rigoroso do ano passado ainda refletirá nos casos deste ano”, explica.

André explica que até as gotas de chuva matam os mosquitos. Passou a chuva, volta o calor úmido e é neste período que o ovo vai eclodir. Os insetos também morrem no frio intenso, e com isso a população da espécie é reduzida. Nesta época também é possível observar a diminuição e até extinção de pragas nas lavouras.

Apesar de não ter ligação com a diminuição dos casos, o tratamento dos animais impacta na diminuição de cães infectados. (Foto: Danielle Valentim)
Apesar de não ter ligação com a diminuição dos casos, o tratamento dos animais impacta na diminuição de cães infectados. (Foto: Danielle Valentim)

O professor explica que o tratamento dos cães impacta na diminuição de animais infectados, tendo em vista, que durante as consultas os proprietários são orientados a se prevenirem da “picada” do mosquito, por exemplo com o uso de telas nas janelas, além do uso do inseticida no cão. Mas, pontua que o tratamento sozinho não faz mágica. “Óbvio que precisa de limpeza nos quintais, mas este tipo de mosquito gosta de material orgânico, ou seja, não precisa de água ou sujeira, precisa de uma grama”, disse.

André garante que a chegada do fenômeno El Nino, deve impactar no aumento da leishmaniose, dengue e de pragas nas lavouras. “Eu já havia dito no ano passado, que neste ano teria diminuição da doença, não há falha do governo na vigilância. O tratamento sozinho não faz mágica, mas o tratamento com tempo quente tem resultado menor”, finaliza.

Medicação - O tratamento clássico com Alopurinol, não deixa as vendas caírem. O veterinário Pedro Ivo Godoi Lins, que atende na DrogaVet, não divulgou dados financeiros da loja, mas garante que a quantidade é grande.

“Desde que o André começou os estudos e trabalhos, já houveram casos de cura, em que o animal fica autossuficiente para combater a doença sem medicamento. Esse animal, lógico, fica em observação e se apresentar alteração ele volta a ser tratado. Existem protocolos de combate inicial, de tratamento em casos estáveis e quando o animal está totalmente assintomático, em que só usa algumas vitaminas e imunomoduladores. Aqui na loja, remédios para o segundo nível da doença, em que o animal é portador, mas não transmissor é o mais vendido”, disse.

E como foi o clima em 2017? A menor temperatura registrada no Estado em 2017 foi de 4,30°C, no mês de julho, deixando a temperatura mínima média na casa dos 15,30°C. Em 2018, até o dia 20 de fevereiro, média das mínimas foi de 20,6°C, dentro da faixa da média histórica que é de 20,7°C. Não houve registro de temperaturas inferiores a 10°C. A mínima do mês foi 16,8°C, em 24 de fevereiro. As informações são do professor e meteorologista Natalio A. Filho, com base na Uniderp, Inpe, Usp e Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

No entanto, apesar do frio de 2017 e registro de quedas nos casos da dengue em Mato Grosso do Sul, a OMS (Organização Mundial da Saúde), reitera que a incidência dos casos da doença aumentou 30 vezes nos últimos 50 anos, tudo isso devido ao aquecimento global.

A OMS considera as mudanças climáticas a maior ameaça à saúde mundial do século XXI. De acordo com a organização, o aquecimento global será a causa de 250 mil mortes adicionais por ano até 2030, principalmente devido a ondas de calor mais intensas e incêndios, aumento da prevalência de doenças causadas por alimentos e água contaminados e de doenças transmitidas por vetores.

(Arte: Thiago Mendes)
(Arte: Thiago Mendes)
Nos siga no Google Notícias