ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, QUARTA  13    CAMPO GRANDE 24º

Interior

Agroecologia auxilia no combate ao alcoolismo em aldeias de Dourados

Projeto multidisciplinar inclui ações para prevenção do alcoolismo nas aldeias Jaguapiru e Bororó

Mylena Fraiha | 17/06/2023 13:48
Professora e moradores da aldeia: cultivo de horta e envolvimento da comunidade é uma ação para tentar afastar o alcoolismo (Foto: Acervo pessoal)
Professora e moradores da aldeia: cultivo de horta e envolvimento da comunidade é uma ação para tentar afastar o alcoolismo (Foto: Acervo pessoal)

Há um ano atuando no combate e prevenção do alcoolismo nas aldeias Jaguapiru e Bororó, em Dourados, a 233 km da Capital, o Projeto Cuidar já realizou quatro mutirões, com atendimento médico preventivo, palestras educativas, além de incentivar geração de renda da população indígenas com o cultivo de hortas.

Coordenado pela professora da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) Gicelma Chacarosqui, o projeto de extensão não atende apenas as escolas e lideranças indígenas, mas também famílias em situação de alta vulnerabilidade, que são encaminhadas pelo Cras (Centro de Referência de Assistência Social) Indígena.

De acordo com Gicelma, o diferencial do projeto é a ação preventiva, voltada a conscientizar os jovens indígenas sobre os riscos que o alcoolismo traz à saúde. “A prevenção não se resume apenas a palestras e alertas sobre os danos do álcool e das drogas. Esses problemas estão enraizados não apenas no aspecto físico, mas também na abordagem que oferecemos em termos de saúde preventiva”.

A coordenadora do projeto também explicou que durante o segundo semestre do ano passado, a equipe buscou ouvir a comunidade indígena e entender suas necessidades. “Fizemos várias reuniões com professores, diretores, coordenadores das escolas indígenas de Dourados e com as lideranças, para ouvir a comunidade e entender de que forma a gente vai fazer a prevenção”, explica Gicelma.

Transversalidade - Posteriormente, o projeto foi estruturado em quatro eixos principais, que atuam de forma transversal e colaborativa. O eixo "Saúde e Interculturalidade", coordenado por um aluno de medicina da UFGD, é realizado em parceria com as ligas acadêmicas, que acabam por envolver outros cursos da universidade e do IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul) de Dourados.

“Uma vez por mês é feito o atendimento sócio-preventivo nas duas aldeias, Jaguapiru e Bororó, só que de forma alternada. Na última ação atendemos cerca de 200 pessoas, com alunos de nutrição, medicina e enfermagem”.

Várias frentes de atenção: estudantes de medicina e enfermagem levam ações de saúde em escola indígena (Foto: Acervo pessoal)
Várias frentes de atenção: estudantes de medicina e enfermagem levam ações de saúde em escola indígena (Foto: Acervo pessoal)

Já o eixo de empreendedorismo, envolve ações de agroecologia e capacitação manual. A ação agroecológica, intitulada "Saúde que Vem da Terra", promove capacitação de famílias em situação de alta vulnerabilidade, que aprendem a criar hortas para cultivo de alimentos, como batata doce e mandioca. “Por exemplo, montamos uma uma horta com seu Júlio. Ele trouxe para o projeto mais três vizinhos e mais três parentes. Então assim, as coisas vão acontecendo de uma forma sócioeducativa”, comenta Gicelma.

De acordo com ela, o desafio atual é pensar na comercialização dos produtos excedentes. “Hoje a gente tem em torno de 12 famílias no processo de construção de hortas, que servem para subsistência. Agora a gente vai pensar coletivamente como fazer para a venda dos excedentes”.

Dentro do eixo de empreendedorismo também são realizadas oficinas de trabalhos manuais, com objetivo de garantir uma renda extra para famílias das aldeias. "Todas as sextas-feiras oferecemos oficinas de costura criativa, bordado, bordado em chinelo e de criação de produtos de limpeza e sabonete”.

Estamos buscando incentivar a autoestima e a geração de renda. Queremos que essas pessoas saibam que têm perspectivas e que são seres humanos que possuem e precisam exercer sua cidadania, e que podemos auxiliá-las de alguma forma nessa geração de renda e inserção no mercado de trabalho”, explica Gicelma.

Já o eixo "Multimeios e Inclusão Digital", oferece capacitação técnica de alunos da Escola Estadual Indígena Intercultural Guateka e incentiva a valorização da cultura indígena. “A gente ofereceu duas grandes capacitações nessa área e depois foram produzidos vários filmes em com os alunos. E aí eles concorreram dentro do edital e a gente premiou, inclusive os premiados agora vão fazer uma visita ao Bioparque Pantanal”.

Alunos de escola indígena participaram de festival audiovisual, ação para fortalecer a identidade cultural (Foto: Acervo pessoal)
Alunos de escola indígena participaram de festival audiovisual, ação para fortalecer a identidade cultural (Foto: Acervo pessoal)

O quarto eixo é o "Linguagens, Memória e Direito", que tem o objetivo de preservar a oralidade, a memória e os direitos fundamentais das comunidades indígenas, mas ainda será desmembrado em outros sub-eixos para um trabalho mais aprofundado nessas áreas.

Problema social - Após anos estudando as comunidades indígenas de Dourados, a professora Gicelma explica que além das violências ocorridas em conflitos agrários, a população indígena da região também sofre com a estigmatização trazida pelo alcoolismo.

“Nós temos quase 20 mil indígenas em uma localidade de 370 mil hectares, que é abraçada pela urbanidade de Dourados e pela ruralidade de Itaporã, porque as fazendas chegam até o limite da reserva. É uma localidade com uma característica de favela rural, com pessoas que têm necessidades e urgências prementes”.

O envolvimento da comunidade no cultivo de hortas é aliado para combater o alcoolismo (Foto: Acervo pessoal)
O envolvimento da comunidade no cultivo de hortas é aliado para combater o alcoolismo (Foto: Acervo pessoal)

A professora ressalta ainda que, nesse contexto de vulnerabilidade social, é comum o surgimento de vícios em drogas lícitas e ilícitas, especialmente entre os jovens. “Um jovem que vive lá e passa por uma crise identitária, que não tem perspectiva de presente e de futuro, é muito mais fácil se agarrar em um corotinho ou na cachaça para esquecer a existência. Então acho que a explicação é social, por tudo o que eu vivi durante esses anos trabalhando e pesquisando sobre os povos tradicionais”, pontua Gicelma.

Para a professora, uma das formas de mudar essa realidade é garantir os direitos básicos da população, como saúde, educação, alimentação, lazer e segurança, entretanto, respeitando as diferenças culturais de cada etnia. “Nós estamos lidando com sociedades distintas e com culturas distintas. São os guaranis-nhandeva, os guarani-kaiowá e os terenas. Então a gente precisa estabelecer entre nós, os não-índios, e os indígenas, um processo de confiança”.

Nos siga no Google Notícias