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Interior

Bloqueio e fogo na BR-163 contra resultado das eleições tem 1ª condenação em MS

Juiz aponta que incitava-se novo golpe militar, com o retorno do País a anos sombrios

Aline dos Santos | 24/03/2023 10:27


A 1ª Vara Federal de Dourados condenou André França da Silva à prisão por bloquear e causar incêndio em rodovia. A ação foi em 18 de novembro de 2022 durante onda de protestos contra o resultado da eleição presidencial, que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno disputado com Jair Bolsonaro (PL).

Conforme a sentença do juiz federal Fábio Fischer, o acusado incorreu nos crimes de atentado contra a segurança de outro meio de transporte, incêndio criminoso, desobediência e associação criminosa. André foi condenado a duas penas: quatro anos e nove meses de reclusão e um ano e 32 dias de detenção. Ele já estava preso na operação Unlock (desbloquear, em inglês), realizada dois dias após o incêndio, e agora vai para o regime semiaberto.

Para o magistrado, os crimes ficaram comprovados pelo relatório da PRF (Polícia Rodoviária Federal), imagens capturadas das câmeras de monitoramento, mensagens de celular enviadas pelos manifestantes e depoimento do acusado. “Em seu interrogatório, (o réu) confessou ter levado os pneus até o local, espalhando-os com auxílio de terceiros, para bloquear a pista.”

O MPF (Ministério Público Federal) afirmou que, associado a outras pessoas, o homem bloqueou a BR-163, no Trevo da Bandeira, e ateou fogo em pneus, ocasionando um incêndio. Segundo a denúncia, a conduta expôs a perigo a vida, a integridade física e o patrimônio de outros que transitavam pela rodovia federal.

Relatos de testemunhas e registro fotográfico constantes no relatório da Polícia Rodoviária Federal confirmaram que as chamas atingiram um veículo de passeio (Fiat Uno) que tentou passar pelo local, e que foi inteiramente carbonizado, pegando fogo ainda com os passageiros em seu interior.

O juiz federal destacou, ainda, que o réu desobedeceu à ordem judicial proferida pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que considerou ilegal o bloqueio de rodovias motivado por inconformismo com o resultado eleitoral.

Na etapa de busca e apreensão na sua residência, foram encontrados a carreta, pedaços de borracha e 50 litros de combustível.

Doze mil – Sobre associação criminosa, a sentença aponta que “percebe-se claramente a existência de um vínculo permanente e estruturado para a prática de crimes, consistentes no bloqueio de estrada federal (...) com mais de três pessoas inclusive, do qual André fazia parte, e entre os quais era combinada logística dos bloqueios”.

Conforme a decisão, o acusado admitiu que participava de manifestações em frente ao Batalhão do Exército. O grupo era formado por diversas pessoas que igualmente realizaram a manifestação e bloqueio da BR-163 no dia 18 de novembro, como se extrai das conversas em aplicativo  e relatório de informações da Polícia Federal.

A sentença menciona que o preso, durante deslocamento para a Polícia Federal, teria contado que recebeu R$ 12.000,00 para bloquear a pista, mas que o valor lhe foi solicitado de volta para repassar às vítimas do incêndio. Depois, a explicação sobre os R$ 12 mil foi a venda de um veículo pessoal, que conseguiu efetivar em três horas. A versão dele é que o total foi entregue a um advogado, no acampamento, que faria o dinheiro chegar ao dono do veículo incendiado. André não soube informar o nome do advogado.

Carreta apreendida pela PRF durante a operação Unlock. (Foto: Adilson Domingos)
Carreta apreendida pela PRF durante a operação Unlock. (Foto: Adilson Domingos)

“Não foi trazido aos autos documentos do referido veículo, nem declinada a pessoa que o adquiriu. Além do mais, a providência de venda em dinheiro a vista, de última hora, em um espaço de tempo absolutamente exíguo não é crível”, informa o magistrado.

Questionado sobre a motivação do ato, André disse que fez para garantir um futuro melhor para seus filhos, diante de tudo que via e ouvia.

“O motivo do crime deve ser valorado de forma negativa. Como acima explicitado, André participava das manifestações em frente ao batalhão do Exército em Dourados, onde era ostensivamente pleiteada a ação dos militares, para obstar o resultado obtido nas urnas, de forma democrática e legítima, como atestou o Tribunal Eleitoral, e reconheceram organismos internacionais e a Casa Legislativa. Incitava-se novo golpe militar, na tentativa de subjugar a opção da maioria contra as regras estruturantes do Estado Democrático de Direito, e com o retorno do país aos anos sombrios que a Constituição de 1988 buscou superar”, destaca o magistrado.

Defesa – O advogado Ângelo Magno Lins do Nascimento entrou com recurso de apelação e pede a absolvição de André pelos crimes de incêndio e associação criminosa.

“No processo, o André demonstrou que não ateou fogo nos pneus, ele simplesmente levou o caminhão, onde foram descarregados os pneus na rodovia e depois se retirou do local quando os populares atearam fogo. Nenhuma testemunha foi capaz de dizer que foi ele que ateou fogo. Só por esse motivo, a defesa entende que deveria ter sido absolvido do incêndio porque não foi demonstrado dolo. Outra questão é que nos crimes que deixam vestígios é obrigatória a perícia. Tem uma falha processual muito grande por não ter laudo do exame de corpo de delito”, afirma o advogado.

Quanto à condenação por associação criminosa, a defesa argumenta que essa tipificação requer a presença de ao menos quatro pessoas, com vínculo estável e duradouro. “Associação criminosa fala que tem que ter mais de três, mas o processo só tem um indiciado. Não foi vinculado ele a nenhuma outra pessoa. A lei fala que é preciso ter um vínculo para cometer vários crimes. Essa associação tem que ser estável e permanente, o que também no processo não foi comprovado”.

O advogado também entrou com habeas corpus para que seja revogada a prisão preventiva.

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