De comprar fazenda a terras do tráfico: veja ideias para fim de conflitos em MS
STF faz audiência na tarde desta 4ª feira em busca de acordo com "soluções criativas"
O conflito fundiário no município de Antônio João, marcado pela morte de indígenas, volta hoje para mesa do STF (Supremo Tribunal Federal), a mais importante corte do Poder Judiciário do Brasil.
Ao convocar a audiência de tentativa de conciliação sobre o destino da terra chamada de Nhanderu Marangatu, o ministro Gilmar Mendes alertou que o sucesso da “autocomposição depende da abertura de todos ao pensamento de possibilidades e à busca por soluções criativas”.
Segundo o ministro, a desapropriação de imóveis, formas de levantamento de recursos e a permuta de áreas de interesse das partes devem ser consideradas por todos.
O retrospecto da busca por solução para pacificar o campo em Mato Grosso do Sul mostra que ideias não faltam. Ao visitar Campo Grande no dia 12 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propôs ao governador Eduardo Riedel (PSDB) a compra de fazenda para os guarani-kaiowá, que vivem na miséria em acampamentos de beira de estrada.
“Quero fazer uma proposta. Vamos comprar em sociedade uma terra para salvar os guaranis que vivem em Dourados. Se achar as terras, pode me telefonar a hora que quiser, para que a gente recupere a dignidade do povo. O governo federal será parceiro na compra e no cuidado deles”, afirmou Lula.
A repercussão da proposta foi intensa. O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) apontou que, para os indígenas, o importante não é exatamente ter mais espaço e terra, mas poder ocupar áreas que pertenceram ou foram ocupadas por seus ancestrais.
Do ponto de vista jurídico, a compra de terras pelos governos aos indígenas pode ocorrer desde que haja uma justificativa. Porém, o cálculo é de que o custo supere R$ 7 bilhões.
Terras do tráfico – Na última segunda-feira (23), também durante audiência no STF, mas para discutir o marco temporal, Eloy Terena defendeu a permuta de terras com fazendeiros em áreas de conflito para solucionar impasses sobre demarcações.
Luiz Henrique Eloy Amado é advogado e secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas. Outra possibilidade é a entrega de terras expropriadas do tráfico para produtores rurais. O juiz Diego Viegas, mediador dos debates, explicou que está sendo feito levantamento dessas áreas e também estudo de viabilidade jurídica.
A tese jurídica do marco temporal defende que os indígenas só têm direito à área se já estavam ocupando-a em 1988, promulgação da Constituição.
Cronologia de Nhanderu Marangatu - O processo sobre a terra em Antônio João se arrasta desde 2005, quando a área chegou a ser homologada como indígena pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No entanto, a demarcação foi suspensa após mandado de segurança impetrado no Supremo.
Na ocasião, o então presidente do STF, ministro Nelson Jobim, aceitou o pedido dos fazendeiros. Segundo esses proprietários, o presidente da República não teria legitimidade para homologar a demarcação, realizada pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em área de limites do território nacional, pois essa competência seria do Congresso Nacional. A área demarcada fica na fronteira com o Paraguai.
Além disso, afirmam que as terras não são tradicionalmente ocupadas pelos guarani-kaiowá. Sendo de domínio privado há quase 150 anos, e que, ainda que já tivessem sido assim ocupadas, seria o caso de aldeamento extinto.
Em julho de 2005, outro argumento utilizado era processo judicial (ação declaratória) em trâmite na Vara Federal de Ponta Porã, no qual pedem que se declare o domínio particular e a nulidade da demarcação. A ação foi ajuizada em setembro de 2001, ou seja, antes do decreto presidencial e este, portanto, não poderia desapropriar as terras “sem a anterior apreciação da lide pelo Judiciário e o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida”.
Profundo e violento - Na decisão de 13 páginas convocando audiência para a tarde desta quarta-feira, o ministro Gilmar Mendes traçou o histórico do conflito fundiário. Classificado como “profundo, violento e destrói há séculos os projetos de vida de todos que lá se instalam”.
“Segundo consta dos autos, a disputa envolve 9.317,216 hectares de terras situadas no município de Antônio João, Mato Grosso do Sul, área de fronteira com o Paraguai, situada na faixa dos 150 quilômetros paralela à linha divisória do território nacional, conforme definido pela Lei 6.634/79. Parte do imóvel teria sido destinada pela prefeitura para a criação do Distrito de Paz do Campestre”.
Para os fazendeiros, a posse de não indígenas na região remonta a 1863, quando a Fazenda São Rafael do Estrela foi adquirida por dona Rafaela Lopes, do governo da República do Paraguai. A área passou a pertencer ao território brasileiro por força do Tratado de Paz firmado em 1870. Os títulos de domínio teriam sido expedidos, posteriormente, pelo governo do Mato Grosso e ratificados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), com anuência prévia do Conselho de Defesa Nacional.
“Aduzem que eventuais posses de indígenas sobre a área em conflito são resultado de invasões ocorridas a partir de 21 de dezembro de 1998, segundo comprovam as cópias de boletins de ocorrência com relatos de invasões, agressões a funcionários das fazendas, ataques a animais, depredações e ameaças”, informa a decisão. Os fazendeiros pedem a nulidade do processo de demarcação.
A AGU (Advocacia-Geral da União) sustenta que não há como comprovar que a posse dos proprietários remonta a 1863. “As provas, ao contrário, indicariam que as aquisições remontam no máximo a 1938, quando foram concedidas pelo Estado do Mato Grosso, o que comprovaria a condição de terras devolutas”.
Tristes e recentes episódios - Segundo Gilmar Mendes, a complexidade e a gravidade do quadro descrito pela União justificam a deflagração de tentativa de conciliação para o litígio que se arrasta por décadas, sem solução.
“Os tristes e recentes episódios de violência no município de Antônio João se juntam a tantos outros ocorridos nos últimos séculos na questão indígena e impõem resposta conjunta, rápida e definitiva. A inércia estatal não é mais opção. O diálogo e o respeito mútuo devem ser retomados”.
Na manhã de 18 de setembro, o guarani-kaiowá Neri Ramos da Silva, de 23 anos, foi morto na Fazenda Barra, uma das propriedades rurais de Nhanderu Marangatu. Ele levou um tiro na cabeça.
Policiais no local alegam que os indígenas investiram contra a tropa e teriam atirado com armas de fogo, embora a Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública) não tenha relatado policiais feridos.
A PM (Policia Militar) protege a Fazenda Barra desde o fim do ano passado, quando os proprietários entraram com ação de interdito proibitório, alegando risco de invasão. A decisão do patrulhamento é da Justiça Federal de Ponta Porã.
A fazenda pertence aos pecuaristas Pio Queiroz Silva e Roseli Ruiz, pais da advogada Luana Ruiz Silva, assessora especial da Casa Civil do governo de Mato Grosso do Sul. Ela é a autora da ação que solicitou presença policial ao Poder Judiciário.
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