De referência ao descaso: hospital fantasma faz cidade exportar grávidas
Seria cômico, se não fosse trágico. Desde 2009, não se pode nascer em Nioaque, município de 14.379 habitantes e a 179 quilômetros de Campo Grande. Até então referência para os vizinhos, a cidade exporta gestantes após o fechamento da Apamin (Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e Infância). Hoje, um hospital fantasma.
Localizado na rua Zeno Resttel, o imóvel logo chama atenção pelo abandono. Um cadeado fecha o portão maior, mas, ao lado, a tela esburacada permite o livre acesso. No terreno, uma ambulância apodrece. No interior, lixo, móveis e uniformes esquecidos, além de centro cirúrgico abandonado. O silêncio só e cortado pelo bater de asas das pombas.
Do lado de fora, quem passa não esconde a indignação. “Vai para Campo Grande, Aquidauana, Jardim ou ganha na estrada mesmo”, afirma a dona de casa Evarista da Silva Nunes, 31 anos, ao explicar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres grávidas. Segundo ela, quem tem parente em municípios próximos já se muda quando aproxima o fim da gestação.
Para os demais pacientes, a vida não é mais fácil. Evarista conta que o marido precisa fazer cirurgia. “Tem que ir para fora, sabe Deus quando vai conseguir vaga”, reclama.
A dez passos do hospital abandonado mora Ionete Alves da Silva, 59 anos. A agonia da Apamin foi acompanhada de perto. Ela reside em frente à unidade hospitalar e trabalhou por lá durante seis anos.
“É uma pena estar fechado há tantos anos”, afirma a ex-funcionária da lavanderia. A entidade filantrópica atendia SUS (Sistema Único de Saúde) e particular.
Ela lembra que o forte era parto, mas o hospital também fazia cirurgias menos complexas e atendia vítimas de acidente na serra. As sinuosas curvas ficam no caminho para Nioaque e tem no despenhadeiro um cemitério de veículos retorcidos, vestígio de antigas tragédias.
Segundo Ionete, a situação financeira foi se agravando até a Apamin fechar as portas devendo quatro meses de salários. Para trás, deixou dívidas e pacientes desassistidos.
Empolgado - O prefeito Gerson Garcia Serpa (PSB) afirma que quando assumiu até tentou comprar o imóvel e reativar o hospital. “Chamei o advogado que representa as partes para negociação. Ofereci R$ 300 mil, mas querem R$ 1 milhão. Estava empolgado, queria tocar o hospital. Mas gastaria muito para adequá-lo, é um elefante branco”, diz.
Sobre o fechamento da Apamin, ele salienta que há duas versões correntes. A primeira dá conta que os repasses foram suspensos pela antiga prefeita devido a desentendimento com a nova direção, que representava a oposição. A segunda aponta que o hospital estava endividado com tributos federais e não poderia receber dinheiro do SUS.
O repasse mensal da Prefeitura era de 22 mil, além de custear ambulância e motorista. Segundo o vereador Silas Nunes Ferreira (PPS), o convênio foi mantido por 12 anos e, em 2009, a dívida era de R$ 3 milhões.
Como medida paliativa, o posto de saúde foi reformado e virou 24 horas. A melhoria para as gestantes já tem verba, mas ainda está no papel. “Vamos fazer licitação para construir centro cirúrgico, sala de parto e berçário. Vai voltar a nascer nioaquense”, afirma o prefeito. A verba é de emenda parlamentar e no valor de R$ 350 mil.
Parto na estrada – Coordenador da Unidade de Pronto Atendimento, Erlon Oliveira Genro afirma que há casos em que o parto acontece na estrada.
A unidade pede vagas à Central Estadual de Regulação. Em geral, o encaminhamento é para Aquidauana. No entanto, em dois casos recentes, o hospital da cidade vizinha “devolveu” as gestantes e as crianças nasceram no meio do caminho.
De acordo com Erlon, há dois meses o município adquiriu uma ambulância maior, para as gestantes
terem mais conforto. A unidade tem atendimento ambulatorial e de emergência.
Entretanto, sem centro cirúrgico, os pacientes graves, como fratura exposta, precisam ser transferidos. Nessas situações, a regulação é na vaga zero. “Tem que sair, é obrigado”, explica o coordenador.
O posto tem dois médicos, um para ambulatório e o outro para a emergência. De duas a três vezes por semana, é oferecido atendimento com ginecologista. Ao todo, são sete médicos no município.
Festival de dívidas – O prédio da Apamin foi a leilão em 2011 devido à divida trabalhista de R$ 891 mil com 24 ex-funcionários. Sem interessados, os trabalhadores usaram o crédito para arrematar o imóvel. O curioso é que a mesma construção deve ser leiloada novamente no dia 13 de agosto, próxima quarta-feira.
Segundo o advogado José Luiz Figueira Filho, que representa 13 ex-funcionários, o certame é da União, para cobrir pendências com o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). “Se houver arrematante, vamos entrar com embargo para que o juiz da execução tome ciência que é nulo”, afirma o advogado.
Para fazer o imóvel virar dinheiro, os ex-funcionários tentam vendê-lo. O advogado confirma a negociação com a Prefeitura. De acordo com ele, a proposta foi de R$ 650 mil, mas esbarrou no prazo de pagamento, pois parte dos trabalhadores não concordou com pagamento em 24 meses.
Em 2011, também foi proposto aluguel à gestão municipal, que recusou. Após o fechamento em 2009, a Prefeitura transferiu parte da estrutura administrativa para o local. A ocupação foi permitida pelos associados a título de conservação.
A reportagem não localizou a ex-direção da Apamin. Conforme o advogado, o estatuto estabelecia que os diretores não respondem pelas dívidas contratuais.
MPE prorroga - Em 29 de julho de 2010, o MPE (Ministério Público Estadual) instaurou o inquérito civil 4/2010 para “apurar a falta de estrutura físico-hospitalar do município de Nioaque/MS para a realização de partos e para apurar também a falta de estrutura hospitalar para atendimento de primeiros socorros e providências hospitalares, em caso de politraumatismo decorrentes de acidentes de trânsito e outros acidentes, de acordo com as normas de saúde pertinentes, para posterior encaminhamento de forma rápida e segura a unidades de saúde especializadas da região ou da capital do Estado”.
Conforme informações disponíveis na internet, o procedimento foi prorrogado por seis vezes, sendo a última em fevereiro deste ano. A reportagem tentou consultar inquérito físico no Fórum de Nioaque, mas foi informada de que era preciso fazer um ofício e aguardar a decisão da promotora. Caso fosse autorizado, deveria voltar ao município para a leitura do documento.
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