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Interior

“Eu tenho medo de trabalhar", diz médica atacada após negar receita de kit covid

Profissional chamou a polícia para pacientes que a xingaram e quase a atacaram fisicamente

Lucia Morel | 24/04/2021 07:27
Recepção de unidade de saúde em Três Lagoas. (Foto: Prefeitura de Três Lagoas)
Recepção de unidade de saúde em Três Lagoas. (Foto: Prefeitura de Três Lagoas)

“Essa situação foi o ápice. Tive medo de ser agredida fisicamente”, diz médica que acionou a polícia contra pacientes que exigiam prescrição de medicamentos do chamado kit covid, no fim da tarde de quinta-feira, 22, em posto de saúde de Três Lagoas, cidade a 325 Km de Campo Grande.

A médica, de 26 anos, diz que as agressões verbais vivenciadas por ela essa semana são comuns por pacientes que querem, de qualquer forma, receberem os remédios do kit, que inclui, entre outros, a Azitromicina, a Hidroxicloroquina e a Ivermectina. “Se elas vêm a prescrição e não tem nenhum desses, a pessoa se altera, fala alto, é grossa, xinga”, detalha.

Graduada há um ano, a jovem não quer ter o nome divulgado, mas conta que já começou a atuar na medicina encarando a linha de frente da pandemia. “Minha medicina é baseada em Ciência. Eu acompanho os estudos mais recentes da doença, o que tem de mais respeitado e atualizado”, sustenta.

Para ela, a polarização política chegou nos consultórios e tem atacado a relação entre médicos e pacientes, que deveria se pautar em respeito e confiança. A relação entre colegas também tem sido danificada.

“Isso tem atrapalhado o exercício da medicina sim. Eu tenho medo de trabalhar, de ser agredida, tanto que tenho crises de ansiedade. Tenho medo de me desacatarem e não era para ser assim. Era pra ser uma relação de respeito à minha conduta, confiança em quem estudou para estar ali”, afirma.

Entre profissionais médicos o respeito também diminui, com choques entre quem defende o chamado tratamento precoce e quem não o adota. “Colegas médicos desrespeitam nossa opinião e falam da nossa conduta pros pacientes, o que também não precisava acontecer”, relata.

Medo - ela afirma ainda que médicos que adotam a mesma postura que ela vivenciam apreensão semelhante, com pacientes nervosos, com muitas agressões verbais e muitos que chegam esmurrando a porta dos consultórios.

“Eu tive tanto medo ontem (quinta-feira), que chamei a polícia, porque já vivi outras situações em que achei que devia ter chamado e não chamei. E no posto não tem segurança. No meu horário estavam apenas mulheres e eu tive medo dele me agredir. Ele estava apontando o dedo na minha cara”, contou.

A médica relata ainda que o emocional e o psicológico também se abalam muito, com o risco frequente e também as ameaças e xingamentos. Fora a desqualificação do trabalho. “Já ouvi de colegas sobre pacientes que dizem que os médicos querem que eles morram e por isso não passam o kit”.

Para ela, apesar da repercussão, chamar a polícia para acompanhar o caso foi o melhor. “Eu precisava tomar alguma atitude. Se não tivesse chamado a polícia, algo pior podia ocorrer. Foi o melhor”, sentencia.

Defesa – o advogado David Anizo Frizzo atua em causas da ADDM (Associação de Defesa dos Direitos dos Médicos). Ele conta que desde o início da pandemia já mediou ou deu orientações a pelo menos 200 casos de médicos atacados por não quererem receitar o “kit covid” ou dos que reclamaram de situações em que o paciente se negou a tomar os medicamentos do kit.

“Temos os dois casos aqui. É muito comum médicos relatarem problemas com pacientes que insistem no kit, mas também tem aqueles casos dos médicos relatando que são os pacientes que não querem esses remédios”, destaca.

E há ainda, segundo ele, uma terceira via, que são embates entre profissionais quando pacientes vão parar na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). “Porque às vezes tem um médico que acompanha um paciente no tratamento precoce e quando vai pra UTI, o médico de lá não continua esse tratamento. Daí entra num embate entre profissionais”, alerta.

Pela associação, a orientação aos profissionais é de que o paciente que quer ser tratado com o kit, seja encaminhado a um profissional que adota esse protocolo e quando isso não é possível, que o caso seja levado, amigavelmente, para ser tratado junto à direção da unidade de saúde. “A orientação é sempre evitar o embate direto”, destaca.

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