Herdeiros de ribeirinhos querem anular acordo de R$ 69,3 milhões
Grupo diz que foram incluídos, indevidamente, advogados no pacto e houve "anuência" de pessoas já falecidas
Acordo entre a CESP (Companhia Energética de São Paulo), advogados e ribeirinhos de Brasilândia impactados com a construção da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, a Porto Primavera, foi encerrado há três anos e seis meses e concedeu R$ 69,3 milhões em indenização. Agora, o documento é questionado por algumas famílias que alegam irregularidades no ato e pedem sua anulação. Até denúncia ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) foi feita.
RESUMO
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O acordo entre a Companhia Energética de São Paulo (CESP) e os ribeirinhos de Brasilândia, afetados pela construção da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, está sendo contestado por algumas famílias que alegam irregularidades, como a inclusão indevida de advogados e a anuência de ribeirinhos falecidos. O acordo, homologado há três anos e seis meses, resultou em uma indenização de R$ 69,3 milhões, mas os herdeiros questionam a legitimidade da representação legal e a validade do ato, levando a uma ação anulatória. A CESP, que busca extinguir as ações, enfrenta um recurso em andamento, enquanto a reclamação contra o desembargador responsável pela homologação do acordo está sendo investigada pelo CNJ, que até agora não encontrou prejuízos ao processo.
Os beneficiários do acordo sobreviviam da fabricação de tijolos e outras peças de barro (argila) e perderam área de trabalho com a instalação da usina.
Grupo de advogados que representa alguns herdeiros, e que agora questionam o acordo na Justiça, afirma que houve inclusão indevida de defensores no bojo da transação, anuência de ribeirinhos já falecidos (sem autorização dos herdeiros) e imperícia do desembargador que homologou o acordo.
Advogados que não teriam atuado na causa, por exemplo, receberam, juntos, R$ 25,2 milhões restando apenas R$ 45 milhões dos R$ 69,3 milhões para os autores da ação de indenização, ou seja, os ribeirinhos.
Os advogados Maria de Lourdes Gonçalves Lopes e Carlos Alberto Benites Morgado Brito, que representam os herdeiros que querem invalidar o acordo, “o instrumento de transação em questão jamais poderia ser homologado, haja vista a ausência de pressupostos essenciais do negócio-jurídico processual assim como a ausência de documentos vitais para a validade jurídica almejada com a homologação dos termos”. Este, estaria “eivado de nulidades e cláusulas nulas ou inverídicas”.
Eles elencam que os advogados Gustawo Adolpho de Lima Tolentino, Sebastião Elesmar Pereira e a Cardoso & Tavares Sociedade de Advogados não apareceram nos processos e não tiveram legitimidade nem poderes para representar os ribeirinhos, mas na transação foram identificados como “advogados dos autores” e “intervenientes-anuentes”.
Segundo os defensores que abriram pedido de ação anulatória em relação ao acordo, “inexiste nos autos qualquer outro advogado constituído pelos autores, seja pela outorga efetiva de poderes, seja por substabelecimento do advogado constituído”. O único advogado que atuou na causa do começo ao fim foi Otávio Ária Júnior.
“Além disto, verifica-se que consta a "anuência" de um dos autores "por procuração" do advogado que patrocinou a causa desde a propositura, de modo que o referido autor já era falecido há quase 10 anos da data da celebração do negócio jurídico. Outros autores que faleceram no curso do processo tiveram seus sucessores habilitados nos autos somente quando da apresentação do instrumento de transação que pôs fim ao litígio, de modo que os pedidos para habilitação de sucessores foi feita em nome dos herdeiros e não do espólio”, reclamam ao CNJ Maria de Lourdes e Carlos Alberto.
Essa reclamação é contra o desembargador Alexandre Aguiar Bastos, alvo da Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal, na semana passada. A demanda de Maria de Lourdes e Carlos Alberto junto ao conselho, entretanto, nada tem a ver com a ação da PF.
“Ocorre que, além de não ter verificado os instrumentos de procuração, o nobre julgador habilitou somente os herdeiros da autora falecida (...), deixando de se manifestar na decisão de homologação quanto aos pedidos de habilitação dos herdeiros de outros autores falecidos”, que somam total de cinco ribeirinhos que faleceram ao longo do processo.
A reclamação elenca, ainda, que Bastos teria permitido o levantamento de valores por todos os alegados herdeiros, mesmo sem a habilitação judicial, “não declinando em nenhum dos casos a competência aos respectivos juízos da sucessão dos autores falecidos”.
Contra o desembargador, os autores da reclamação afirmam que Bastos “deixou de apreciar a habilitação dos sucessores dos demais autores falecidos, bem como deixou de verificar a satisfação dos requisitos do negócio jurídico processual válido: serem as partes plenamente capazes e se estas se limitaram aos seus poderes e faculdades processuais, no caso dos advogados que são incluídos na transação sem nunca terem figurado no patrocínio da causa anteriormente”.
Em relação às ações que pedem a anulação da transação, atualmente há recurso da Cesp a ser julgado. Determinação judicial para ambos os processos é que eles voltem a tramitar na vara original. Já a companhia energética quer que as ações sejam extintas.
Já sobre a reclamação disciplinar contra Bastos, o ministro Luis Felipe Salomão, do CNJ, determinou que o TJMS averiguasse a denúncia através da corregedoria. Este, por sua vez, em 2 de maio deste ano, aferiu que não houve prejuízo às partes ou ao processo jurídico, “tido por inexistente no caso, eis que nada está afirmado expressamente nesse sentido e sequer resta explicitado em que consistiu, dispensando-se, pois, qualquer providência apuratória”, e encerrou o caso.
Outro lado - O advogado Otávio Ária Júnior falou com o Campo Grande News e enfatizou que acompanhou o caso dos ribeirinhos desde 2003, o ingresso da ação de indenização em 2008, até a formalização do acordo, em 2021. A briga foi por jazida de argila para que a comunidade continuasse a atuar com a cerâmica, medida prevista em acordo de recuperação ambiental devido aos impactos da construção da usina. Em valores, isso chegava a R$ 1 bilhão.
“Estudei o estudo de impacto ambiental e vi que além de garantirem argila aos ribeirinhos por oito anos, ainda tinham que garantir uma jazida de argila a eles, o que eles não haviam cumprido. Ali eu vi a chance de entrar com um pedido”, disse. Na época, a Cesp ainda era do Estado de São Paulo, mas em seguida foi privatizada e passou às mãos do Grupo Votorantim.
“É um grupo grande, de peso e eles contrataram os melhores escritórios do Brasil”, disse Ária Júnior, informando que após idas e vindas do processo, a Votorantim tinha conseguido no STJ (Superior Tribunal de Justiça) uma vitória importante, que foi de garantir que uma decisão favorável aos ribeirinhos no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul voltasse ao tribunal de origem para ser julgada novamente.
Pouco antes disso, a Cesp havia contratado um escritório em Campo Grande para defender seus interesses e acompanhar o processo de perto. Foi quando Ária, que atua em Dracena (SP), procurou o amigo Sebastião Elesmar Pereira para ajudá-lo a encontrar algum defensor na Capital que pudesse fazer o mesmo. Sebastião então indicou Gustawo Adolpho de Lima Tolentino e os três passaram a debater o caso, sendo Gustawo substabelecido na causa.
Com a Cesp em vantagem jurídica no STJ, a possibilidade de que decisão no TJMS fosse favorável ao Grupo Votorantim aumentava. Foi quando Ária buscou o escritório Cardoso & Tavares Sociedade de Advogados para que começassem negociações de valores de indenização com a Cesp e então, um possível acordo. Tudo, segundo ele, sempre conversado com os ribeirinhos.
“Quando fizemos os cálculos, a argila, a jazida, o montante chegou a R$ 1 bilhão, teríamos que provar os lucros cessantes e isso demandaria ainda mais tempo”, contou. Isso foi em 2020, relativo a um processo que havia começado em 2008. As negociações então começaram “e a Votorantim apresentava valores muito baixos, até que chegamos a R$ 69,3 milhões e a companhia disse que havia chegado ao limite de sua oferta”.
Ária foi então conversar com seus clientes em Brasilândia, cerca de 81 pessoas, e todos, segundo ele, aceitaram o acordo de R$ 69,3 milhões. Para ele, “ou se aceitava o acordo ou corria risco de perder”, até porque, processos semelhantes em cidades do interior paulista próximas, tiveram resultado negativo.
Assim, todos os ribeirinhos envolvidos e vivos assinaram o acordo. No caso de falecidos, os herdeiros o fizeram e quem não assinou, teve o dinheiro depositado em juízo, o que está confirmado, inclusive, na ação de anulação.
“Se tiver irregularidades, a própria Justiça vai falar se tem ou não. Mas nós nunca fizemos nada escuso. O pagamento dos outros advogados saiu dos meus honorários, que foi rateado entre eles”, sustentou Ária.
O advogado Gustawo Adolpho disse que atuou como correspondente no âmbito recursal no TJMS e no recurso especial interposto pela Cesp, mas o trato com os clientes sempre esteve a cardo de Otávio. Os demais advogados e escritórios atuaram na ação, bem como na interlocução do acordo, “sendo exigência da CESP que todos assinassem o acordo para evitar qualquer discussão posterior sobre honorários ou qualquer outro assunto”. Segundo ele, todos os clientes estavam cientes e acompanharam toda a negociação.
Daniel Cardoso, da Cardoso & Tavares Sociedade de Advogados, encaminhou resposta ressaltando que o escritório foi formalmente subcontratado pelos advogados constituídos no caso “com o escopo específico para buscar perante a CESP uma proposta de acordo, dado o nosso know-how e histórico na precificação, estruturação, aquisição e gestão de ativos judiciais objeto de litígios relevantes”.
Também informou que foram realizadas reuniões e discussões técnicas e jurídicas entre a CESP, o escritório representante da CESP e os advogados dos autores debatendo sobre o “faturamento de cada um dos autores, valor de frete na região, valor do produto vendido, dentre outras (...) para obter a melhor proposta possível”.
Ressaltou ainda que receberiam pagamento apenas em caso de êxito da demanda. “Evidentemente, nosso interesse estava alinhado em obter o maior valor possível, dado que não recebemos quaisquer honorários de pró-labore ou sequer reembolso de despesas”.
Por fim, alegou que o escritório conseguiu aumentar gradativamente a proposta “até um ponto em que a Cesp argumentou que não aumentaria mais o valor, (por se tratar de uma empresa listada e auditada, que não concordaria em pagar valores desprovidos de fundamento econômico)”.
A reportagem tentou contato com Sebastião Elesmar, mas ele não foi encontrado.
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