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Interior

Indígenas denunciam novos despejos de agrotóxicos próximos à aldeia de MS

Em vídeo, guarani-kaiowá registra momento em que avião sobrevoa a TI Guyraroká para despejo de veneno

Por Mylena Fraiha | 30/10/2024 18:00

O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) denunciou, nesta quarta-feira (30), que a comunidade guarani-kaiowá da TI (Terra Indígena) Guyraroká, em Caarapó, a 274 km de Campo Grande, voltou a sofrer com despejo de agrotóxicos por meio de pulverização aérea.

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O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou que a comunidade guarani-kaiowá da Terra Indígena Guyraroká, em Caarapó, está sofrendo com a pulverização de agrotóxicos, que atinge moradias e áreas de circulação dos indígenas. A prática, que se intensificou desde 2018, tem causado intoxicações, incluindo o mal-estar de crianças. Apesar de ações judiciais e medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a comunidade não recebeu proteção adequada. A TI Guyraroká, reconhecida em 2009, enfrenta desafios legais após a anulação de sua área reivindicada pelo STF em 2014, e a situação de vulnerabilidade persiste sem assistência governamental efetiva.

Em vídeo registrado na última terça-feira (29), os moradores da comunidade guarani-kaiowá capturaram o momento em que um avião sobrevoa a comunidade para pulverizar agrotóxicos na lavoura de soja sobreposta à Terra Indígena. A chuva tóxica atingiu moradias, a escola e áreas de circulação dos indígenas no tekoha – como é chamado o território tradicional.

Uma das moradoras da comunidade, Erileide Guarani-Kaiowá, relatou que o despejo começou às 15h de terça-feira e continuou na manhã desta quarta-feira (30). “Chamam a gente aqui de capim-amargoso, resistente ao veneno, que só se arranca com a enxada. Infelizmente isso se normalizou só que diferente do amargoso, somos seres humanos”, desabafou.

O Cimi também relembra na nota que a área da TI Guyraroká encontra-se cercada por lavouras de soja, milho e cana-de-açúcar. Moradores da região explicam que a prática de despejo de agrotóxicos nas proximidades das áreas habitadas se tornou recorrente e tem sido feita tanto por tratores quanto por aviões, o que intensifica os casos de intoxicação.

Em fevereiro deste ano, a comunidade já havia denunciado um desses "banhos químicos", ocorrido durante a madrugada. “Era umas quatro horas da manhã quando o avião começou a despejar o veneno. Parou por volta de umas 9h, 9h40. Agora estão passando o ressecante tanto com trator quanto com avião. De ontem para hoje, uma criança passou mal. Está com falta de ar, vômito. Só piora, só piora”, relatou Erileide ao Cimi em denúncia feita no início do ano.

Intoxicação constante - De acordo com as lideranças indígenas, desde 2018 fazendeiros ao entorno do território estão contaminando a área com agrotóxicos. A aldeia tem pouco mais de 50 hectares e fica, literalmente, cercada por monoculturas.

Em maio de 2019, quatro crianças e dois adolescentes precisaram de atendimento médico após intoxicação provocada pelo contato com calcário e agrotóxicos utilizados em uma fazenda localizada a 50 metros da escola indígena. As crianças tinham um e dois anos; os adolescentes, 17 e 18 anos.

Para o Cimi, o caso é um “descuido intencional e deliberado que denota o grau de sadismo e violência dos ataques químicos empreendidos contra os indígenas”. Alegando omissão do Estado, o Conselho recorreu à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) em 2019.

Na ocasião, a comissão emitiu medidas cautelares para proteger a comunidade. “Passados todos esses anos desde que a cautelar [da CIDH] foi concedida, a comunidade não viu sequer um resultado”, lamenta o representante do Cimi, Flávio Vicente Machado.

Em 2019, o MPF (Ministério Público Federal) em Dourados, a 233 km de Campo Grande, acionou a Justiça Federal, por meio de ação civil pública, para conter o despejo desenfreado de agrotóxicos na região de Caarapó, a 283 km da capital.

Desde então, a única regulamentação federal que versa sobre a distância mínima entre áreas limítrofes para aspersão de agrotóxicos é a Instrução Normativa nº 02, de 03 de janeiro de 2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que disciplina as normas de trabalho da aviação agrícola e a aplicação aérea de fertilizantes.

“Ou seja, o único dispositivo de validade nacional que aborda um limite fixo entre propriedades adjacentes para o uso de agrotóxicos não engloba os equipamentos de aplicação terrestre mecanicamente tracionados”, argumentou o MPF à Justiça Federal.

A reportagem entrou em contato com o Sindicato Rural de Caarapó para saber o posicionamento do órgão, se já houve conversas com produtores da região sobre as denúncias e se existe algum diálogo sobre a possibilidade de evitar o uso de agrotóxicos próximos às residências dos guarani-kaiowá. O espaço segue aberto para futuros posicionamentos do órgão.

Demarcação em andamento - Mais de 90 indígenas vivem na TI Guyraroká, que segue em uma área de pouco mais de 50 hectares. A Terra Indígena Guyraroká foi declarada como de posse tradicional dos Guarani Kaiowá em 2009 pelo Ministério da Justiça.

No entanto, uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2014, anulou o reconhecimento dos 11 mil hectares reivindicados pela comunidade, baseando-se na tese do marco temporal e sem a participação da comunidade no processo. Em 2018, os indígenas de Guyraroká entraram com ação rescisória da decisão do STF, e em 2021, o Supremo reconheceu o pedido, que ainda aguarda julgamento.

“Enquanto isso, a comunidade não tem recebido a devida assistência e proteção das autoridades públicas para impedir os ataques químicos, mesmo com ação em curso na Justiça Federal”, denuncia o Cimi.

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