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Interior

Índios mais falados do momento insistem: vão resistir até a morte

Paula Vitorino, de Iguatemi | 07/11/2012 11:47
Acesso à aldeia é por rio; cordão de arame ajuda na travessia. (Fotos: Rodrigo Pazinato)
Acesso à aldeia é por rio; cordão de arame ajuda na travessia. (Fotos: Rodrigo Pazinato)

Em meio às árvores, em cerca de 1 hectare às margens do rio Hovy, crianças, jovens, adultos e idosos da etnia Guarani-Kaiowá, do município de Iguatemi, no Sul do Estado, se transformaram nos últimos dias, nos índios mais comentados em todo o País, desde que uma carta foi divulgada informando que eles vão resistir "até à morte" às ordens de despejo dadas pela Justiça. Eles formam o povoado Pyelito Kue,  reivindicada como terra indígena e, com a comoção provocada pela carta, interpretada como um aviso de suicídio coletivo, conseguiram, até o momento, reverter a decisão de despejo. Ainda assim, reafirmam que vão resistir até morrer pela terra.

“A gente luta para usar essa terra que é nossa. Eu tenho certeza que Deus vai nos dar”, confia o jovem de rosto sério e fala desconfiada, Ademir Riquelme, de 22 anos, que é auxiliar de pajé no local.

Minutos antes, de pele pintada e chocalho na mão, dançando e cantando, ele diz que “tentava falar com inhassã” e explica que a entidade é o “nosso deus”. Enquanto isso, o restante do grupo está em reunião – o assunto é todo falado na língua guarani – e as crianças brincam sem medo nas águas do rio.

O ritual de fé, a memória dos ancestrais e o espírito guerreiro é, segundo o grupo, o que movem os 170 indígenas a continuar na área, que fica dentro da fazenda Cambará. Eles estão ali há quase um ano.

Famosos por causa da carta, eles explicam logo: não pretendem se matar, mas só saem dali, mortos. “Nossa intenção não é de suicídio. O que dizemos é que estamos aqui, e se vierem brigar estamos dispostos a morrer por essa causa”,  afirma Lide Solano, de 44 anos, que é apontado como líder provisório do grupo, já que oficialmente os indígenas não escolheram ainda sua nova liderança e por isso não admitem que determinado representado seja elevado ao posto de cacique.

Mais antiga do acampamento diz que resolveu lutar pelo sonho de voltar para a terra.
Mais antiga do acampamento diz que resolveu lutar pelo sonho de voltar para a terra.

Sobre a permanência e os planos para o futuro dos jovens que estão no acampamento, Ademir é incisivo ao afirmar que não existe segundo plano ou outra possibilidade de moradia sem ser a antiga terra.

“A gente jamais vai sair daqui. Estamos preparados para tudo. Para ficar por bem ou por mal”, anuncia.

Em busca da tekoha, como os índios chamam a terra que eles acreditam ter pertencido aos ancestrais, Solano diz que o grupo vai obedecer à determinação judicial de não ultrapassar a área até que seja concluída a demarcação indígena. No entanto, diz que a intenção do grupo é ir para “terra seca”, onde o grupo saia do isolamento por conta do rio e um brejo que cercam o acampamento, e se aproxime do antigo local da Pyelito Kue.

Tradição – Em um acampamento alimentado pelo desejo de demarcação da terra, talvez o mais esperado seria um grupo formado em maioria por indígenas expulsos da tekoha. Mas não é assim.  A maioria ali conhece a história da terra pelo que ouviu dos mais antigos.

“Meu pai conta a história de que saiu da tekoha aos 12 anos. Eles foram expulsos pelos fazendeiros e levados para a aldeia vizinha, Sássoro”, diz o jovem indígena Ademir.

Acompanhando – ou vigiando a conversa - outros jovens guaranis, entre meninas e meninos, também relatam que ouviram dos ancestrais a história da expulsão da aldeia Pyelito Kue.

Pajé conta viveu na infância na tekoha.
Pajé conta viveu na infância na tekoha.
Índios vivem em barracos improvisados  com lona e madeira.
Índios vivem em barracos improvisados com lona e madeira.

A explicação para a mesclagem de tantos indígenas, de diferentes aldeias, mas que garantem ter ancestrais em comum que viveram na Pyelito Kue, pode estar na dispersão dos povos após a retirada dos índios da tekoha.

“Os mais antigos contam que quando os fazendeiros tiraram nosso povo da tekoha foi cada um pra um lado. Alguns nem ficaram mais em aldeias”, conta o jovem, que diz ter sido criado em fazendas que o pai foi trabalhar depois de perder a terra.

Expulsão – Mas há também entre o grupo sobreviventes das diversas expulsões que o povo da aldeia Pyelito Kue sofreu. O pajé Nivaldo Gonçalves, de 48 anos, conta que o pai morou ali e ele passou a infância na terra.

A mais antiga do grupo, mãe de Solano, Adélia Martins Lopes, de 63 anos, afirma que passou a juventude na Pyelito Kue até que aos 15 anos foi expulsa com a família da terra.

Com sorriso tímido, e olhar triste, a indígena diz que resolveu viver no acampamento para lutar “pelo sonho de voltar para casa”. Ela só fala em guarani e quem traduz a conversa é o filho.

Como vivem? Enquanto aguardam a demarcação, os Guarani Kaiowá vivem no acampamento montado no meio de área de preservação ambiental, em barracas, com lonas pretas, madeira e palha.

Sobrevivem com os alimentos entregues quinzenalmente pela Funai (Fundação Nacional do Índio), que são entregues na porteira da fazenda e carregados pelos índios por cerca de 2 a 3 km. Os veículos não são autorizados a entrar na propriedade.

Índios levam mantimentos para comunidade que reivindica área de fazenda.
Índios levam mantimentos para comunidade que reivindica área de fazenda.

Para ter acesso ao acampamento sem passar pela fazenda é preciso atravessar o rio, que tem cerca de 1,70m de profundidade e 15 m de largura, no local. A correnteza é forte e por isso os indígenas armaram um cordão de arame ligando as duas pontas para auxiliar na travessia. Um bote inflável, que foi doado por uma equipe de reportagem, mas que já está com vários furos, serve para a brincadeira das crianças e transportes dos visitantes, principalmente.

As árvores fazem a sombra do acampamento, mas o calor é intenso por conta das lonas e do fogão a lenha.

Mas apesar das dificuldades, o acampamento no local é considerado “tranquilo” pelos indígenas. O adjetivo é talvez porque em outros locais o acampamento sofreu três ataques.

Solano diz que desde 2009 o grupo tenta para reconquistar a terra. O primeiro acampamento foi montado em estrada vicinal que dá acesso as fazendas. Após dois ataques, os indígenas mudaram para a região da fazenda Santa Rita, onde acreditam que realmente fica a antiga tekoha e querem retomar a terra.

No dia 7 de agosto sofreram o terceiro ataque. Segundo os índios,  pistoleiros em camionetes chegaram no local atirando e derrubaram os barracos.

“Perdemos líderes, nosso cacique, muitas pessoas do nosso povo”, conta Ademir.

Após o ataque, o grupo se instalou na área quase escondida às margens do rio, na Cambará. Desde 27 de novembro do ano passado o acampamento está montado no local.

No local, a convivência entre os seguranças da fazenda e os indígenas é, na medida do possível, de paz. Desde o dia 30 de outubro, policiais da Força Nacional fazem rondas na região para garantir a segurança de ambas as partes.

Situação da terra - A terra reidindicada como indígena mais polêmica hoje em Mato Grosso do Sul ainda está no estágio inicial de levantamento que pode definir se é ou não dos Guarani Kaiowa.  Nota técnica da Funai, publicada em março deste ano, concluiu que a área reivindicada pelos indígenas como Pyelito Kue e Mbarakay é ocupada desde tempos ancestrais. Não há, sequer, definição do tamanho da área.

“Desde o ano de 1915, quando foi instituída a primeira Terra Indígena , ou seja, a de Amambai, até os anos de 1980 – com forte ênfase na década de 1970 –, o que se assistiu no Mato Grosso do Sul foi um processo de expropriação de terras de ocupação indígena, em favor de sua titulação privada”, afirma o texto.

No momento, um grupo técnico está na região para fazer os tudos antropológicos e a previsão é que dentro de 30 dias, conforme o Ministério da Justiça, saia o relatório. Depois disso, ele precisa ser homologado pela Presidência da República, caso realmente seja considerada indígena e, após isso, ainda há a fase de demarcação da terra, que costuma levar anos e motivar disputas judiciais demoradas.

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