Quase 5 anos depois, autores do Massacre de Caarapó ainda não foram julgados
Impunidade de fazendeiros pode acarretar em denúncia por violação dos direitos humanos
No dia 14 de junho de 2021 faz cinco anos do “Massacre de Caarapó”, como ficou conhecido o confronto entre fazendeiros e índios no município de Caarapó. No ataque ao acampamento montado na fazenda Yvú, invadida dois dias antes, o agente de saúde indígena Clodioude Aquileu Rodrigues de Souza, 26, foi morto a tiros e pelo menos outros seis índios ficaram feridos.
Em represália, índios liderados pelo pai de Clodioude atacaram uma equipe da Polícia Militar, colocaram fogo na viatura e espancaram os três policiais.
Quase cinco anos depois, apenas o processo contra o índio acusado de atacar os policiais foi concluído e o réu condenado. A ação penal contra os fazendeiros denunciados como responsáveis em liderar o ataque ainda está na fase inicial.
Em nota enviada hoje (26), o MPF (Ministério Público Federal) alertou que o Estado brasileiro poderá ser responsabilizado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), pela “grave violação aos direitos humanos dos povos Guarani e Kaiowá”.
Além disso, ainda segundo o MPF, a lenta tramitação da ação contra os fazendeiros na Justiça Federal em Dourados pode levá-los a julgamento pelo Tribunal Penal Internacional. “Em todos os casos, possíveis condenações repercutem negativamente para a imagem do País no cenário internacional, além de gerar a obrigação de reparar o dano”, afirma o órgão federal.
Petição assinada por três procuradores da República com atuação na Força-Tarefa Avá Guarani, que investigou o massacre, foi enviada à Justiça Federal em Dourados, ao Conselho Nacional do Ministério Público, ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e à Procuradoria-Geral da República, pedindo providências.
“É injustificável o lento ritmo de tramitação de denúncia criminal do MPF contra os proprietários rurais autores de eventos de violência e morte contra indígenas em Caarapó, que ficou conhecido como Massacre de Caarapó, em junho de 2016”, afirma a petição.
Segundo a nota do órgão federal, a ação proposta em 2016 sequer entrou na fase inicial de apresentação de provas. O MPF destaca que o crime apurado não é complexo e que ofereceu denúncia logo após os fatos. “Até o presente momento, ainda não foi iniciada a instrução probatória da fase da pronúncia".
Único condenado – Enquanto a denúncia contra os fazendeiros se arrasta na burocracia judicial, a ação proposta pelo MPF contra o indígena acusado de liderar o ataque aos policiais militares após saber do assassinato do filho já teve sentença. Ele foi condenado e a pena mantida em julgamento de recurso em segundo grau.
“O MPF destaca que os crimes cometidos em Caarapó compõem um quadro de ataque sistemático contra os povos Guarani e Kaiowá e podem ser classificados como crimes contra a humanidade”, afirma a nota divulgada hoje.
Para o MPF, a Corte Interamericana de Direitos Humanos poderá atuar, caso se verifique demora excessiva no julgamento do processo. A Corte condenou o Brasil por negligência e demora excessiva na garantia de proteção de relevantes direitos humanos no “Caso Sétimo Garibaldi" e no “Caso Favela Nova Brasília".
Sétimo Garibaldi foi o trabalhador sem-terra morto por milícia armada em 1998 durante um despejo ilegal no Paraná.
Já o Caso Favela Nova Brasília Caso Favela Nova Brasília foram duas chacinas ocorridas em 1994 e 1995 na comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Em cada chacina foram mortos 13 jovens durante ações policiais e houve denúncia de tortura e estupros.
Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, é papel do Estado “investigar, sancionar e reparar as ameaças, ataques e violência contra membros dos povos indígenas e quilombolas causados por agentes estatais ou privados em decorrência de atividades de defesa ambiental ou em outros contextos”.
Denunciados – Segundo a investigação da Força-Tarefa Avá Guarani, os cinco proprietários rurais - Jesus Camacho, Eduardo Yoshio Tomanaga, Nelson Buanain Filho, Virgílio Mettifogo e Dionei Guedin – organizaram, promoveram e executaram o ataque à comunidade indígena.
Pelo menos cem pessoas usando 40 caminhonetes e três máquinas pás-carregadeiras teriam retiraram à força o grupo de aproximadamente 40 índios da propriedade ocupada.
Clodioude foi assassinado com tiro no abdômen e outro no tórax. Outros seis indígenas, inclusive criança de 12 anos, foram atingidos por disparos. Atualmente, a fazenda palco do ataque e outras propriedades no entorno da Aldeia Te’yikue continuam ocupadas.