Sitiantes denunciam índios por ameaça e violação de domicílio
Doze proprietários de áreas cercadas pelos índios em Dourados acusam capitão da Aldeia Bororó de liderar invasões; ele nega
A tensão só aumenta entre proprietários rurais e índios na área de confronto nos arredores da Aldeia Bororó, em Dourados, a 233 km de Campo Grande. Donos de sítios localizados na região oeste do município denunciam lideranças da reserva local, entre eles o capitão da Bororó Gaudêncio Benites, de incitar as invasões. O líder indígena nega as denúncias.
Depois de quase um século de paz – a reserva foi criada em 1017 –, índios e sitiantes dos arredores das aldeias Bororó e Jaguapiru vivem em pé de guerra por causa de invasões. Em março de 2016, vários sítios localizados na margem do anel viário foram invadidos e proprietários expulsos de casa. Cinco permanecem ocupados até hoje.
No dia 1º de outubro do ano passado, os conflitos se estenderam até a região oeste do município e grupos de índios passaram a ameaçar invadir pelo menos 30 sítios localizados entre a Bororó e a Avenida Guaicurus.
O local já foi palco de vários confrontos envolvendo até policiais militares, atacados pelos índios a flechas e bombas caseiras. Os índios acusam os sitiantes de contratar seguranças para atacá-los. Na semana passada, morador da aldeia, que não teria ligação com as invasões, foi ferido com tiro de espingarda no braço esquerdo.
Nesta terça-feira (24), 12 sitiantes procuraram a Polícia Civil e registraram boletim de ocorrência denunciando ameaça e violação de domicílio, que se torna crime qualificado quando praticada à noite, em local ermo, com emprego de arma, por duas ou mais pessoas. Há duas semanas, o Campo Grande News divulgou imagens de pelo menos dois índios armados com espingardas, circulando em volta dos sítios.
Capitão – Os sitiantes apontaram o capitão da Bororó como o líder das invasões contra as propriedades. Segundo eles, os índios usam armas de fogo, facões, arcos e flechas e têm depredado bens, causando queimadas, matando animais e ameaçando os moradores de morte e de estuprar as mulheres.
Ainda conforme a denúncia dos proprietários, os ataques têm sido diários e o medo e a insegurança imperam no local. Os sitiantes afirmam que têm se unido para repelir as invasões, mas não conseguem impedir os ataques. Os moradores dizem que o objetivo dos índios é expulsá-los das terras, as quais afirmam terem escritura de posse e que os sítios nunca foram área indígena.
Giovanni Jolando Marques, 49, um dos proprietários, disse à polícia que seu sítio foi atacado à noite por flechas com ponta de metal, colocando a segurança de sua família em risco.
Capitão nega – Ao Campo Grande News, o capitão da Aldeia Bororó negou as denúncias dos sitiantes, criticou índios e proprietários das terras e cobrou providências para conter os dois lados. “Tem que haver uma posição definitiva das autoridades, porque existem falhas dos dois lados”.
Gaudêncio Benites disse que nunca incitou as invasões e luta contra a violência. “Tem pessoas lá, muitas das vezes nem são da nossa aldeia, que estão ingerindo bebida alcoólica e vão confrontar com os seguranças. E os seguranças estão dando tiro por cima da aldeia atual. Como líder, eu tenho feito minha parte, mas não consigo segurar essas pessoas”.
O capitão cobrou providências da Polícia Federal e do MPF (Ministério Público Federal). “Como tem indígena que aparece nos vídeos com espingarda, tem segurança que fica na divisa [entre a aldeia e os sítios] armado, isso revolta os moradores”. Gaudêncio disse que o conflito já foi longe demais e ninguém toma providência. “Eu quero é paz, sou evangélico, jamais vou incitar a violência”, afirmou.
Gaudêncio disse que o indígena de 62 anos ferido há duas semanas com tiro de espingarda, supostamente disparado por um dos seguranças dos sitiantes, não tem ligação com os grupos que ameaçam invadir as propriedades. "Uma novilha dele tinha escapado e ele tava procurando quando levou o tiro. É um senhor trabalhador, que não tem nada a ver com esse conflito".
Histórico – O Campo Grande News apurou que vários grupos indígenas de outras aldeias da região, até do Pantanal, vieram para Dourados, para tentar ocupar os sítios nos arredores da reserva atual, de 3.600 hectares, e onde vivem pelo menos 18 mil pessoas.
Os conflitos aumentaram em 2016, após as invasões das áreas na margem do anel viário. Naquele ano, para tentar impedir a reintegração de posse, a Funai e o MPF alegaram em recurso ao TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região (São Paulo) que os sítios ocupados pelos índios seriam extensão da reserva, pois dos 3.600 hectares da área indígena criada em 1917, apenas 3.539 foram registrados no cartório de imóveis, 49 anos depois.
Também citaram levantamento feito pela Funai em 2013 apontando que a reserva conta com 3.515 hectares, ou seja, 85 hectares a menos do tamanho total definido em 1917.
O argumento foi rejeitado pelo juiz federal Renato Toniasso, da 1ª turma do TRF. Ao manter a reintegração, o magistrado afirmou não existir prova de que os sítios seriam as áreas faltantes da reserva. “Observo que o próprio Ministério Público Federal alerta que não se pode afirmar que a área faltante coincide com o perímetro titulado”, citou Toniasso, na época.
Em março de 2017, a então presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia suspendeu a reintegração até o julgamento final da ação e os índios permanecem nos sítios até hoje.