A lenda do Peabiru, de caminho religioso a trajeto guarani
A última versão, que está sendo propagada no Mato Grosso do Sul, é a de que existiu um caminho - denominado Peabiru- que saia de S.Catarina chegando às terras dos incas. Não passa de uma lenda. Aliás, a mais longeva de todas as que já existiram no Brasil. Também é a mais longa estrada que a invencionice humana ousou divulgar. Um caminho luso-brasileiro.
Nasce como "Caminho de S.Tomé".
No século VI d.C, nasce a lenda de que existiriam "cristãos de S.Tomé", um dos doze apóstolos escolhidos por Cristo, vivendo na Índia. Alfredo, um rei inglês, teria enviado embaixadores a esse lugar em 883. Da Alemanha teria saído Henrique de Morungen, em 1.150 para visitar a cidade de S.Tomé de onde levara relíquias que estariam, atualmente, em um mosteiro em Leipzig. Essa lenda tem um longo percurso. Passa por Ortona, na Itália; Meliapor, Cochim e Goa, na Índia; e de "gorjeta", pelo Bahrein, no Oriente Médio e ainda pelo Ceilão e Camboja. É um itinerário que aceita qualquer doideira. Será com esse roteiro amalucado que viajará ao Brasil. A devoção de europeus a S.Tomé permitia qualquer criação.
A chegada ao Brasil.
Está na "Nova Gazeta Alemã", a descrição da chegada de S.Tomé no Brasil. Teria vindo nos navios armados por Nuno Manuel e Cristóvão de Haro. Conta que o santo foi bem recebido pelos índios. Logo depois, eles quiseram mostrar a todos os portugueses que chegavam ao Brasil as pegadas de S.Tomé no interior do país. S.Tomé seria chamado pelos índios de Deus Pequeno, pois existiria um Deus Maior. Esses portugueses acreditavam que o Brasil estaria conectado à Índia, chegando a Malaca.
As pegadas de S.Tomé no Brasil.
S.Vicente, em S.Paulo; Itapoã, na Bahia, Cabo Frio, no Rio de Janeiro, perto do Recife e em algum lugar da Paraíba, são lugares onde teriam encontrado as pegadas do santo. Mas a religiosidade vai se dissipando. Knivet, um aventureiro inglês, que esteve no Brasil com seus piratas, tido com herege, também garante que viu as pegadas de S.Tomé em um lugar do Rio de Janeiro.
O caminho de S.Tomé vira Peabiru.
Além de inúmeros milagres, S.Tomé teria como sua obra maior a construção de uma grande estrada que sairia da costa brasileira, passaria pelo interior do Paraguai, na região de Assunção, e chegaria aos Andes. "Chamavam-lhe os do lugar Peabiru ou Piabiyu". Era outro nome guarani dado ao Caminho de S.Tomé ou "Pai Zumé", como também seria chamado o santo. A palavra Peabiru significaria "caminho de ida e volta" (de S. Tomé). Uma estrada com mais de três mil quilômetros cortando matas, rios, cachoeiras, pantanais e a outra metade, na neve da cordilheira dos Andes, fazendo parte do Caminho Inca. Há descrição da lenda que situa S.Vicente, em S.Paulo, como ponto de partida. Outros, localizam Florianópolis. Não se conhece caminho, mesmo que fosse de pouca importância, construído pelos guaranis. Seria uma trilha talhada pela mão do guarani, forrada com uma grama miúda. Três mil quilômetros desse trabalho exaustivo, sem utilidade comercial e sem conhecimento da geografia? Uma bobeira ímpar.
Olha o galo!
Há, ainda outro argumento em favor da existência do Peabiru. A teoria afirma que o nome Atahualpa, chefe incaico, significaria "galo". Essa denominação seria decorrente da surpresa dos incas por terem encontrado um galo em sua corte. O galo teria sido levado pelos guaranis quando teriam derrotado o formidável exército inca. Como não existia galo nos Andes, só podia ser uma ave guarani, que teria percorrido o Peabiru até chegar às mãos ou panelas dos mandatários incas. Não há limites para a imaginação.
Os descendentes dos incas não reconhecem o Peabiru.
Por outro lado, há de se considerar que os profundos estudos e argumentações daqueles que são os herdeiros diretos dos caminhos incas - os peruanos. O Instituto Nacional de Cultura do governo peruano elaborou um amplo estudo do "Qhapaq Ñan", o Caminho Inca. O objetivo é a inscrição na lista de Patrimônio Mundial da Unesco. Para eles nunca existiu um Peabiru, nunca existiu um caminho que saísse do Brasil até os Andes. O Peabiru é tão somente uma lenda. Não há um só artefato arqueológico que o comprove. Não há documentos que mostrem seu itinerário.