A rocambolesca história do horário de verão
No próximo final de semana o Brasil passará novamente pelas peripécias da mudança do horário de verão. A partir da meia-noite do dia 04 de novembro os relógios serão adiantados em uma hora. Essa mudança ocorreu pela primeira vez no Brasil em 1 de outubro de 1931. Essas mudanças de horário existem em 30 países ocidentais. Atualmente, a polêmica para que essa mudança nos relógios brasileiros é tão intensa que dificilmente permanecerá por muitos anos. Mas, de onde vem essa prática?
Essa medida foi proposta como lei na Europa em 1908. Desde então, têm sido uma fonte constante de tensões, caos e acalorados debates científicos. Mas a rocambolesca história da mudança de horas no verão começou bem antes.
Foi em uma manhã do verão de 1784 em Paris, onde Benjamin Franklin era embaixador dos Estados Unidos. Ali ele percebeu que o sol saia bem mais cedo que no inverno e pensou que os parisienses deveriam madrugar mais durante o verão e dormir antes para gastar menos o azeite que fazia as lâmpadas das ruas funcionarem. Inclusive chegou a calcular que a cidade de Paris com essa medida economizaria o equivalente a 170 milhões de euros atuais. Em uma carta anônima ao periódico "Le Journal", Franklin propôs - em tom satírico - que estabelecessem um imposto ou acordassem os preguiçosos a canhonaços.
Um novo horário para o mundo novo industrializado.
Mas Franklin não inventou o horário de verão. Só propunha uma mudança de hábitos. Algo similar seria feito pelo parlamento espanhol em 1810, cujo regulamento para reuniões de seus membros adiantava o horário das reuniões em uma hora a cada verão.
Foram as primeiras intenções de enfrentar os novos problemas trazidos pelo mundo industrializado. Antes, as pessoas se levantavam conforme os ditames do mundo rural - com o canto dos galos ou com o badalar dos sinos da igreja. E já desde antes da civilização romana, o tempo de sol a sol - durasse o tempo que fosse - se dividia em 12 horas, de maneira que as horas de verão ocorriam, de fato, muito mais longas. Essa "bagunça" não podia ser aceito pelos novos patrões que surgiam com as indústrias e nem eram bem vista pelos operários.
Novos relógios, novos hábitos.
Essa maneira tão flexível de determinar os horários, de adaptar as rotinas diárias ao sol só foi terminar quando aperfeiçoaram e se tornaram populares os relógios mecânicos, no século XVIII. Então, em cada localidade, por menor que fosse, o relógio da praça principal se ajustava às 12 de cada meio dia - o momento mais alto do sol sobre o horizonte.
Cada pessoa tinha de sincronizar seu próprio relógio ou o de sua residência com o relógio da praça. Sai o galo e o sino. Entra o relógio da praça. A vida diária de todas as pessoas passou a ser sincronizada em torno das 24 horas sempre iguais, de 60 minutos. E resultou que cada dia e em cada lugar amanhecia a uma hora diferente: em Paris, em 1784, o sol saia um pouco antes das 04 horas em junho e cerca das 08 horas no Natal.
Se um parisiense começava o ano com o bom propósito de levantar- se às 8 horas da manhã, ao chegar o verão estava desperdiçando mais de quatro horas de luz solar, como lamentava Franklin em sua satírica carta.
Estradas de ferro e telégrafo determinaram os horários.
Durante todo o século XIX não se corrigiu essa diferença. Com a extensão das estradas de ferro e dos postes de telégrafos, se tornava contraproducente que cada cidade regesse seu próprio horário. Surgiu a necessidade de coordenar e unificar as horas, primeiro para evitar choques de trens e, em seguida, para todos poderem comunicar-se pelos telégrafos em tempo real. Assim foram implantadas os fusos horários.
Passaram-se as décadas. No princípio do século XX, o construtor inglês William Willet retomou a ideia de Franklin, durante seus passeios a cavalo ao amanhecer, enquanto seus vizinhos ainda dormiam e ele não tinha com quem conversar e jogar golfe. Desistindo de tentar fazê-los levantar mais cedo, ocorreu-lhe a ideia de adiantar os relógios de todos para que pudessem aproveitar melhor a luz solar. Portanto, aqueles que pretendem lançar xingamentos e impropérios a quem começou a praticar o horário de verão já sabem a quem xingar: William Willet e sua mania de jogar golfe.
Em busca de um horário mais natural.
Willet editou um panfleto sob o título de "A derrota da luz solar" e conseguiu que sua iniciativa chegasse ao Parlamento Inglês em fevereiro de 1908. Lá, um jovem Winston Churchill a defendeu com ardor. Com certeza a mudança seria aprovada, mas o interesse das grande empresas de linhas férreas a travaram. Também se opuseram a ela os cientistas.
Willet não se rendeu e seguiu promovendo sua ideia até a morte, em 1915. Um ano antes que entrasse em vigor, pela primeira vez e com muita timidez somente em algumas poucas regiões, o horário de verão. Enquanto a animosidade se abatia na Inglaterra, a Alemanha aplicou a proposta de Willet em todos o país com entusiasmo durante a Primeira Guerra Mudial. "Inimigos até no horário", estampavam as manchetes dos jornais. Em um domingo, 30 de abril de 1916, o Kaiser Guilherme II aprovou a mudança de hora para reduzir o consumo de carvão. A Inglaterra teve de reagir rapidamente, bem como os países que eram seus aliados. O horário de verão entrava na guerra. E nunca mais sairia.