A vida em cima de uma moto: "o bagulho é arriscado"
A uberizacão da economia desarmou as principais táticas dos trabalhadores que vivem em cima de uma moto, fazendo entregas. No lugar da solidariedade, o motoqueiro da era digital é incentivado a se ver como empreendedor e a competir com os colegas. Por isso, não é exagero afirmar que greves como o "breque dos apps" ocorrida em 2020, inaugurou um novo capítulo da história da contestação.
Centenas entraram em greve, centenas furaram.
Quem conta essa história não quer ver seu nome publicado. Tem receio de ser eliminado do aplicativo. Ele tem boa noção de como funcionam as greves. Diz que, seguindo os motoqueiros paulistas, começaram uma greve em Campo Grande. "Antigamente, o trabalhador fazia a greve, fechava a fábrica. O patrão perdia dinheiro. Na greve que fizemos, conseguimos a adesão de centenas de entregadores de aplicativo, mas outra centena começou a trabalhar no mesmo instante". A produção não parou, o patrão nada perdeu.
Como é a matemática do entregador?
"Você vai num bolsão de motos, onde os entregadores ficam à espera dos pedidos, e não é cena incomum ver um entregador mostrando a tela do celular para outro com quanto ganhou no mês. Ó, fiz três mil, para se exibir. Aí, vai ter outro que diz que fez quatro mil. Para fazer isso, tem que trabalhar dezesseis horas por dia. No domingo não tem como folgar se quiser chegar a isso".
As despesas do moto entregador.
"Você não tem controle, roda a cidade toda. Se encher um tanque por dia, vai gastar R$ 57. Da mais de R$ 1.200 de gasolina. E tem a alimentação. Se o cara trabalha isso tudo, vai ter de pagar o almoço e a janta na rua. Se tirar R$ 650 da prestação da moto, mais alimentação, sobra para o cara pouco mais de R$1.000. Trabalhando dezesseis horas por dia. Não tem férias, nem décimo terceiro. Não tem garantia alguma. Se o cara se machucar, já era. O bagulho é arriscado".