Afeganistão: jogar futebol sem burka. O pior está por vir
A esperança em lugares tão castigados como o Afeganistão se alimentava de gestos, de detalhes aparentemente insignificantes. Três vezes por semana, um grupo de meninas afegãs colocava uniforme, com as penas bem tapadas, é óbvio, e treinavam em um batatal, chamado exageradamente de campo de futebol, vizinho ao quartel das forças dos Estados Unidos. Eram a seleção nacional feminina de um país que carecia - e continuará carecendo - de um Estado. Comandado pela tradição medieval, entendem que as mulheres devem estar encerradas em casa e debaixo de uma burka.
Jogaram no estrangeiro e adoram Kaká.
Jogaram no estrangeiro. Ficaram em segundo lugar em um campeonato regional ocorrido no Paquistão. Também foram à Jordânia e à Alemanha. Dizem que o jogador favorito é Kaká. Não ouviram falar de Marta. Brigavam com os pais e tinham apoio das mães. Uma das jogadoras deixou as pernas à mostra no jogo na Alemanha. Seu irmão nunca mais deixou que ela retornasse ao batatal. A vida das mulheres no Afeganistão era um horror. Será pior.
O pior está por vir. Um soluço de vergonha.
As consequências da cínica retirada das forças comandadas pelo Império Norte-Americano durarão muito tempo. Não se enxerga nenhum vislumbre do Afeganistão entrar no século XXI e nem na democracia. Os afegãos foram abandonados pelos mesmos aliados que, vinte anos atrás, financiaram e armaram os talibãs. Eram uma pequena força que parecia ter saído de algum filme sobre o período medieval. Retomaram o poder. Só falta os EUA aliarem-se aos talibãs. Perderam a credibilidade internacional. Quem acreditará nos EUA após essa derrota tão contundente? O longo século norte-americano, 1919 - 2021, termina não com uma explosão, mas com um soluço de vergonha.