As inundações de P. Murtinho e a solidária cidade de lona
O Pantanal é para muitos, um lugar de sonhos, um paraíso terrestre. Um mundo onde a realidade e a fantasia se imbricavam. A construção de sua história, todavia, obedece ao movimento de suas águas que passam, correm, inundam e espraiam-se por vastos territórios. É extremamente complexa e difícil. Desde a "laguna dos Xaraés" às inundações da cidade de Porto Murtinho. desastres inúmeros nessa região ocorreram.
As águas preparam-se para levar o desastre.
As "pulsações periódicas" do Pantanal, com seu eterno sobe e desce, perturbou a adaptação do homem à terra. Ocasionou-lhe inúmeros prejuízos à economia e até mesmo à sobrevivência. O Pantanal, em verdade é um grande reservatório, uma caixa de água. Muito lento. Entre a entrada e a saída de água, leva cinco meses. Junto com as águas, sedimentos são carregados e depositados para as margens, contribuindo para o levantamento gradual do leito dos rios. É a preparação para os desastres, para as inundações. Em 1.977, iniciam-se um período de grandes inundações
1.979, Porto Martinho está alagada.
A cidade foi totalmente tomada pelas águas. Em 1.980, devido aos resíduos da enchente anterior, 20% da cidade foi inundada. O evento se repete em 1.982, o nível do rio atinge o recorde de 9,72m. Esse período de intensas inundações vai até 1.988.
Berço do capitalismo do MS.
Entre duas gigantescas fazendas e o maior território indígena do Estado, Porto Murtinho é o berço do capitalismo do Mato Grosso do Sul. De um lado uma fazenda, empreendimento argentino, com mais de um milhão de hectares. A Matte Larangeira era um Estado dentro do Estado. Era lei e as tropelias, as guerras entre brancos. Era a riqueza e a exploração desvairada de seus trabalhadores. No outro lado, a fazenda Barranco Branco, um investimento belga. Com seus mais de quinhentos mil hectares, trouxe uma relação patrão-empregado "moderna", com salários e liberdade para comprar mantimentos, prática inexistente na Matte Larangeira. Seus embates também eram diferentes. Não açoitava os brancos poderosos, viviam em litígio com a terceira grande força da cidade: os guaicurus, proprietários de outros quinhentos mil hectares. Foi lá o lugar onde se travou, provavelmente a maior guerra, não contada e nem estudada, entre brancos e índios. Tempos depois, surge um investimento alemão. A Florestal S.A. explorava o tanino em suas fábricas. Esse produto era usado em curtumes e na tecelagem, exportado para a Inglaterra, EUA e Alemanha.
A cidade de lona.
A revista Veja estampava em sua manchete: "Mato Grosso do Sul: uma crise fluvial". A realidade era outra, havia destruição e não mera crise. Em suas linhas, a revista distorcia também a realidade: "a enchente mais bem organizada no Brasil". É verdade que os poderes governamentais trabalharam muito em P.Murtinho, mas a população foi levada à miséria. Com todas as casas inundavas, levantaram 600 barracas para receber os moradores. Atendimento médico, vacinação em massa, água tratada e 600 toneladas de alimentos foram entregues aos desalojados. Como em outras calamidades, também havia um choque entre o prefeito e o governador.
A vida é solidária para os "teimosos".
Muita gente foi embora da cidade, para nunca mais voltar. Por lá só ficaram os "teimosos", como se autodenominavam. A cidade, antes das inundações, enfrentava um grave problema de desemprego devido ao fechamento das fábricas de tanino. A proximidade da água equivale à proximidade do medo. A primeira ideia dos moradores foi salvar suas casas erguendo uma pequena barreira de terra em volta das casas. Mas foi inútil, a água passou por elas com facilidade. Enquanto as águas subiam, eram montadas as barracas, construíam a "cidade de lona". E para piorar, o frio chegou. Era intenso por conta da umidade excessiva. Mas todos ajudavam todo mundo, criou-se uma imensa solidariedade. Separação e distribuição de agasalhos, preparo de alimentos, cuidado das crianças, plantação de uma horta coletiva, limpeza da cidade. Surgiu até uma festa. Todos participavam de todos os afazeres. Havia aqueles mais festeiros que descreviam o momento com um " grande carnaval da solidariedade ".