Carne, a tormenta perfeita que golpeia nosso bolso
A desenvoltura com que Amancio fala sobre as centenas de milhões de chineses que prosperaram nos últimos anos e a epidemia da peste suína que os obrigou a sacrificar um terço dos animais, surpreende. Amancio trabalha em um açougue, não é um analista da economia. Garante que nunca tinha visto um aumento tão abusivo em tão pouco tempo, e ele está no ramo há mais de 40 anos.
A carne virou o assunto mais comentado.
O aumento do preço da carne pulou para o debate político, para a imprensa e nas refeições familiares. Repentinamente todos se esqueceram dos Lulas e Bolsonaros da vida cotidiana brasileira. O debate está posto exclusivamente em torno dos fazendeiros e donos de frigoríficos. E está amedrontando. Não é só Katia Abreu, uma das representante dos pecuaristas, que afirma que há mais espaço para novos aumentos no preço da carne, André Bráz, do Instituto de Economia da FGV, que estuda esse segmento, também garante que há possibilidade de subir ainda mais. Estão ameaçando essa instituição tão brasileira que é o churrasco dominical. Ainda que o veganismo avance no Brasil, somos um dos países que mais consome carne e o segundo maior produtor com 10 milhões de toneladas, 16% do total mundial.
A tormenta perfeita.
Amancio mexe no cabelo e explica: "Temos, por um lado, um aumento no consumo da carne bovina e de porco devido às festas de final de ano e, por outro lado, um aumento nas vendas para os chineses. Tudo isso coincidiu com a desvalorização do real em 16%, em novembro, tornando as exportações mais atrativas. A demanda cresceu tanto que os produtores de carne - fazendeiros e frigoríficos - não estavam preparados para esse aumento tão grande nas vendas". Entre janeiro e outubro, o gigante asiático importou 320.000 toneladas de carne bovina brasileira, 11%'a mais que o mesmo período no ano passado. Os chineses assinaram seus cheques sem vacilar, entendem que é uma das respostas que devem dar a Donald Trump.
O aumento da demanda interna.
O brasileiro acaba de receber a primeira parte do décimo terceiro salário. Se soma aos R$500 que estão sacando do FGTS desde setembro, uma intenção do governo de revitalizar a economia. E neste país tão carnívoro, uma parte do décimo terceiro e do saque do FGTS vai obrigatoriamente para o consumo de carne.
Amancio: "passadas as festas, os preços cairão". "Os açougues fecharão?"
O prognóstico de Amancio é muito diferente do feito por Katia Abreu e o representante da FGV: "passadas as festas, os preços cairão. Vendemos muito nesta época do ano, mas em janeiro e fevereiro vendemos bem menos. Prevejo um inicio de ano muito ruim para a venda de carne. Vejo muita gente com raiva". Amancio também está preocupado com o açougue. Diz que não está repassando o aumento total de custos para os consumidores para tentar vender mais. Todavia, em janeiro, não há milagre que segure as vendas. Termina com uma indagação: "os açougues fecharão no Brasil"?