Nada de Paz: cerca de um milhão de bolivianos trabalham no Brasil
A escravidão de 1 milhão de bolivianos no Brasil
As leis brasileiras definem que uma atividade é análoga à escravidão se ocorrer pelo menos um dentre quatro elementos: trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho ou restrição de locomoção por dívida. Segundo a Embaixada brasileira em La Paz devem existir mais de um milhão de bolivianos trabalhando no Brasil - a maioria em condições análogas à escravidão. É difícil saber precisamente, pois muitos trabalham ilegalmente e outros vão e voltam com regularidade. Oficialmente, de acordo com os dados do Ministério da Justiça, há mais de 121 mil bolivianos trabalhando no Brasil.
Um acordo de 2012 do Mercosul dá direito a qualquer boliviano solicitar visto permanente para morar e trabalhar regularmente no nosso país. O governo brasileiro entende que a regularização é uma forma de torná-los menos vulneráveis à exploração. E vem priorizando a instalação do Centro de Integração e Cidadania do Imigrante que conta com defensores públicos da União para defender os interesses dos imigrantes e com a polícia federal. O prédio foi construído pelo governo do Estado de São Paulo com recursos originários de multas a empresas que praticavam trabalho escravo e também com R$ 6 milhões doados pela loja de confecções Zara que foi responsabilizada pelo trabalho escravo de bolivianos.
Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT) há milhares de oficinas de costura em São Paulo praticando trabalho escravo. Devido à intensificação da fiscalização nessa cidade, o órgão público tem notado o surgimento de oficinas em municípios vizinhos e também em Minas Gerais e Santa Catarina.
Também não resta dúvida do crescimento da imigração de bolivianos quando se mensura o valor dos recursos por eles enviados à Bolívia. Segundo dados do Banco Central da Bolívia, em 2007 o dinheiro representava 0,6% das remessas enviadas por bolivianos que viviam em outros países e hoje, representam 5% desses recursos, perfazendo mais de US$1 bilhão por ano.
Ainda existem feridas abertas pela Guerra do Paraguai
A polícia acaba de prender um caminhão com milhares de pacotes de cigarros. Outro caminhão foi preso com algumas toneladas de maconha e os demais carregados com armas não foram presos. Estas são as manchetes diárias do nosso jornalismo. Raramente são notícias lidas além das manchetes. É a banalização do contrabando.
Caso desejassem, as autoridades paraguaias encontrariam centenas de produtos de origem brasileira ingressando em seu território sob o manto da ilegalidade. São problemas inerentes à quase totalidade das fronteiras no mundo. Assim funciona na fronteira dos Estados Unidos com o México, da Espanha com o Marrocos, da França com a Argélia para citar apenas algumas fronteiras. Há outra característica das fronteiras no mundo - via de regra são as regiões mais pobres e violentas. Ainda nelas as populações vivem, em dado momento, na mais completa união de interesses e esforços e, em outros, em uma antipática xenofobia e intolerância.
O cerne dos problemas entre os sul-mato-grossenses e os paraguaios está na formação de nosso território, mas há um momento simbólico que o obscurece: a Guerra do Paraguai. O mais sangrento conflito já ocorrido na América Latina mudou o destino dos 4 países nela envolvidos, mas sobretudo o do Paraguai. Estima-se que 75% de sua população tenha sido dizimada ao longo do conflito.
Agora, 150 anos depois, em uma entrevista, o embaixador Miguel Solano López, um dos bisnetos de Francisco Solano López, ditador paraguaio na época do conflito, pede ao governo brasileiro que devolva um canhão trazido para o Brasil como troféu de guerra.
Não é a primeira vez que há o pedido de devolução do canhão conhecido como El Cristiano (O Cristão) por ter sido construído com metal fundido dos sinos das igrejas de Assunção. Esse canhão é apenas um dentre centenas de troféus dessa guerra. Devolver o canhão seria um gesto carregado de simbolismo, demonstrando respeito, fraternidade e uma gota de esquecimento. El Cristiano está exposto no Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro.
O eterno país do futuro não olha para seu passado
Se por um lado estamos sempre procurando o futuro no presente, como se saltos econômicos e sociais fossem obra do acaso ou de um líder salvador, não procuramos e tentamos ocultar nosso passado. As raras tentativas de desgastar os acontecimentos de nosso passado, mesmo o mais recente, são vistas com olhos acusatórios de uma tentativa de vingança.
É incrível a quantidade de jovens presentes nos atos que pedem o retorno da ditadura. Eles não a vivenciaram e nem mesmo sabem distingui-la da democracia. E é tão fácil separar uma da outra. Basta lembrar que durante a ditadura estava proibida qualquer manifestação em prol da democracia, mesmo uma minúscula reunião em uma residência era motivo de prisão e talvez de tortura. Na democracia a possibilidade de pleitear por um regime ditatorial é livre, o máximo que acontecerá será alguém ser vaiado nessas manifestações em prol da violência (que é a base, a premissa, de um regime ditatorial). Toda liberdade àqueles que desejam a ditadura. Eles comprovam a sensatez e tolerância da democracia.
O jovem negro vivo padece nas periferias das cidades
Não há uma única explicação para a alta taxa de homicídios de jovens negros. Nos últimos dez anos a violência letal contra os jovens brancos caiu 32% e entre os jovens negros aumentou os mesmos 32%. Um dos principais fatores para entender a perversidade desses dois números é a banalização da violência na sociedade brasileira, mata-se por muito pouco, a violência passou a ser aceita como se fizesse "parte da paisagem nacional", como se fosse a foto de uma praia ou de uma montanha. A sociedade tornou-se totalmente indiferente a essas mortes.
Há a ausência de políticas públicas para resolver essa situação. Existe uma enorme disponibilidade de armas de fogo contrabandeadas. O eterno racismo somado a preconceito eterniza estereótipos negativos ligados à negritude: jovem negro morador da periferia é sinônimo de traficante ou bandido. Alta letalidade praticada pela polícia. Aliás, deve-se lembrar que a polícia brasileira é uma das que mais mata e também está entre as que mais morre.
Há dezenas de anos que todos os especialistas dizem que precisamos de uma reforma da segurança pública, quebrar o modelo de guerra e de militarização. Também precisamos romper com a inércia em relação à política de guerra às drogas. Assumir essa catastrófica derrota é o início da solução. Sair da lógica do confronto e investir em inteligência, priorizar a existência de um aparato tecnológico ao invés da contratação de milhares de policiais. Enquanto não houver um treinamento eficaz dessa tropa que nunca para de crescer, os resultados continuarão pífios. É o mesmo problema da educação: contratar, contratar e contratar. Contratar para que? São mal treinados, mal apetrechados, mal orientados e só podem oferecer um serviço de má qualidade. Não há um só sistema de informática no Brasil que reúna os dados dos caminhões que levam drogas com seus proprietários, com a concessionária que os vendem, com o histórico trabalhista e ficha policial de cada motorista que é apreendido com essas cargas. Não existe um só programa para computadores que reúna as informações de cada gangue em cada bairro de cada cidade. Todas as parcas informações estão na cabeça de alguns policiais que quando adoecem, morrem ou aposentam deixam de existir.
O Ministro da Justiça afirmou que era cedo para estabelecer metas de redução de homicídios no país. Cedo? As taxas de aproximadamente 50 mil homicídios a cada ano nos últimos dez anos é pouco para a principal autoridade do país, que deveria se preocupar com nossa segurança? E o novo Secretário de Segurança do Estado de Mato Grosso do Sul que em sua primeira entrevista continuou com o mesmo ramerrão de seus antecessores que pediam a contratação de mais e mais policiais? Não economizou e pediu logo a nomeação de mais 4.000 policiais. Vale lembrar que não se falou em inteligência.
Enquanto a questão de segurança pública fizer parte apenas dos calorosos discursos de campanhas eleitorais e não estiver na pauta da sociedade como um todo, esse quadro não mudará.