O boicote à carne bovina pode funcionar?
As redes sociais estão abarrotadas de chamadas para que todos deixemos de comer carne bovina. O aumento abusivo de 30% na arroba da carne bovina pegou o brasileiro de surpresa. Também procuram por culpados. Os fazendeiros culpam os frigoríficos e estes garantem que a responsabilidade pelo exagerado preço da carne é da China.
Boicote funciona?
Todos viram nas eleições a força das redes sociais. Todavia, naquele momento existiam empresas e milionários financiando as "armas eleitorais" em que se converteram as postagens. Não é o que ocorre com a carne. O movimento é anárquico, disperso, voluntário. Esse é seu calcanhar de Aquiles, sua fragilidade maior. Há outra: um boicote necessita de tempo para dar resultados.
Se não comprarmos, exportarão: a grande mentira!
Os fazendeiros e proprietários de frigoríficos estão alimentando a imprensa com uma mentira: se boicotarmos, exportarão ainda mais. A exportação da carne bovina para o mundo representa apenas algo como 22% a 24% das toneladas produzidas pelo Brasil. É impossível encontrar mercados novos e reorganizar a cadeia produtiva nacional para exportar. Se o boicote ocorrer, eles também sofrerão.
O rebanho bovino não para de crescer.
É verdade que tradicionalmente a carne bovina "some" em setembro e outubro. É a época da seca, da entressafra. Em 2019, a seca foi uma das piores que vivenciamos e, por isso, tão somente por isso, a carne sumiu em um percentual ainda maior que o costumeiro. Há alguns anos, os donos de frigoríficos aprenderam. Começaram a organizar imensos confinamentos, combatendo o preço maior exigido pelo fazendeiro nesse período. Com o gado confinado, não deveríamos ter aumentos da carne. Muito menos aumentos abusivos.
A China é a vilã?
O mais risível dos argumentos apresentados pela dupla fazendeiros-frigoríficos é culpar a China pelo reajuste de 30%. A China vem enfrentando uma crise suína em quase todo seu território que não será debelada em pouco tempo. Vale repetir: crise suína. Porco. O chinês se alimenta de muitos vegetais, carne suína e peixes. Carne bovina é raríssima no prato do chinês. Só aparece nos raros restaurantes de fast food na forma de hambúrguer. E mesmo neles, a predileção é para as peças de frango. Aumentamos a exportação de carne bovina para a China. Também, em setembro, outros 17 frigoríficos foram habilitados para a exportação, chegando a um total de 32 plantas frigoríficas. Apesar do baixo consumo do cidadão chinês, a China tornou-se no maior comprador de carne bovina brasileira. Em 2018, do total de carne bovina exportada - 1,35 milhão de toneladas - 24% foi para a China. Não há como imaginar que eles comprarão mais carne do que neste momento. Atingimos algo muito próximo ao limite.
TABELA DOS PRINCIPAIS IMPORTADORES DA ABIEC
PROCON pode autuar fazendeiros-frigoríficos?
Essa é uma pergunta que ficará sem resposta. Muito provavelmente, esgrimirão as desculpas mais surradas para continuar como estão: de braços cruzados. Para esse órgão, pago pelo dinheiro do cidadão, que processa vendedor até amolador de faca, a melhor alternativa é ficar ao lado dos poderosos.
Só nos resta o boicote? O brasileiro consome, em média, 36 kg/habitante/ano. O campo-grandense consome 46kg/habitante/ano. Somos os maiores consumidores de carne bovina do Brasil. Nada menos de 41% acredita que a carne bovina é mais nutritiva. É possível mudar esse hábito? Difícil acreditar. Mas há uma verdade que tem de se afirmar: nesse filme dirigido por fazendeiros e frigoríficos não há um só mocinho.