Não supervalorize coisas
Um experimento social muito famoso, executado em diversos países e no Brasil, relaciona dois grupos de indivíduos: o primeiro grupo ganha um objeto e o segundo grupo não ganha nada. Ao segundo grupo é dada a oportunidade de cada indivíduo comprar o objeto do primeiro grupo. Posteriormente, os grupos trocam de posição: o primeiro grupo não ganha nada e o segundo grupo ganha o objeto. Agora eles invertem os papéis e ao primeiro grupo é dada a oportunidade de cada indivíduo comprar o objeto do segundo grupo.
Um dos primeiros experimentos, realizado por Dan Ariely da Duke University e um dos mais renomados mundialmente em Finanças Comportamentais, foi executado tendo como objeto uma caneca da universidade em que os indivíduos estudavam. Em média, o mesmo indivíduo valorizou em $5 essa caneca quando ele não a possuía e em $10 quando tinha sua posse.
Em experimentos executados com outros objetos, tais como ingressos para jogos de basquetebol (que nos EUA é um esporte muito importante), essa diferença chegou a mais de 14 vezes! Ou seja, definitivamente nós atribuímos valor mais alto às coisas que possuímos. Podemos afirmar que o ser humano possui uma forte inclinação a valorizar um produto seu com um valor muito maior do que se ele não estivesse em sua posse. Isso é racional? Não. Mas é errado ou imoral? Também não.
Razões principais da existência do efeito posse
Isso apenas indica que o ser humano, em diversas situações, não consegue seguir a razão e deixa ser levado por seus sentimentos. E esse efeito “posse” existe, principalmente, porque:
1) Apaixonamos pelo que temos;
2) concentramos no que podemos perder e não naquilo que podemos ganhar;
3) presumimos que as pessoas vão encarar a transação na mesma perspectiva que nós.
Isso mesmo! Diversos estudos empíricos já provaram que sentimos com mais intensidade uma perda do que um ganho equivalente e, por isso, criamos mecanismos inconscientes para evitar a perda ou arrependimento. Aceitar que você fez um mau negócio, vendendo barato, ou muito abaixo do que você comprou pode ser doloroso, mesmo que o referido produto já não tenha serventia nenhuma para você, ou que o preço de mercado dele tenha caído! Lembro-me de um anúncio de venda nessas minhas pesquisas em que um indivíduo “escreveu um livro” tentando justificar a cobrança do preço pedido, que era muito superior ao preço do mesmo produto novo.
No fundo estava dizendo: “eu sei que meu produto não está barato, mas não posso ficar no prejuízo. Preciso encontrar alguém para repassar minha perda e não estou aberto a negociações”. É mole?! O efeito “posse” pode fazer você tomar decisões econômicas equivocadas? Sim. Se você não for esclarecido sobre os seus malefícios, a sua presença, em maior ou menor intensidade, pode lhe deixar em uma condição financeira pior. Assim, com essas dicas talvez você possa se monitorar e precaver de algumas situações:
1) Não se apegue a “coisas” que já não possuem mais utilidade para você!
Lembro-me de uma situação em que juntei vários produtos que estavam encostados e vendi-os, arrecadando 1/4 do meu salário mensal. Foi a salvação do mês!
2) Esqueça o quanto você pagou pelo produto!
Na hora da venda do seu produto usado avalie o preço corrente do produto (ou similar) novo e usado. Se precisar vender rápido, peça um preço abaixo da média do mercado de usados. Essa dica vale para produtos padronizados, como eletrônicos, eletrodomésticos ou veículos, que são iguais ao seu e dos quais há diversas opções para quem deseja comprar. Nessa situação, o preço e o estado de conservação são os fatores que mais importam. Em eletrônicos, por exemplo, algo justo e aceitável para o comprador, devido aos riscos pela falta de garantia, seria cobrar algo em torno de 50% a 60% do valor do mesmo produto novo (e não do valor que você pagou – lembre-se disso).
3) Não crie relações afetivas com “coisas”!
Por mais que um ativo seja específico (tal como imóvel) e personalizado/melhorado com o seu bom gosto e dedicação, quando da necessidade de desfazê-lo, não tenha esperança que o comprador vá enxergar a transação da mesma forma que você. Não crie histórias e lembranças com “coisas”, pois sempre elas valerão muito mais para você do que para qualquer um e, no momento da venda, pode ser difícil chegar num denominador comum.
Costumo falar que na venda de imóveis, na qual há muita subjetividade na precificação, há um abismo profundo entre o valor anunciado e o valor da venda. Já me deparei com diversas situações em que o indivíduo demorou muito tempo para vender um imóvel e, nesse prazo, incorrendo em despesas (condomínio) e impostos. No final, se ele tivesse pedido 15% a menos do valor inicial estaria numa condição melhor.
4) Fuja dos anúncios “Não faço menos”!
Quando necessitar comprar um produto usado padronizado e se deparar com um anúncio de um produto que não está com um preço atrativo e ainda indicado com “Não faço menos”, não perca tempo em negociar o preço com o proprietário.
Procure-o apenas se achar que seu estado de conservação vale a pena. Esses indivíduos que “batem o pé” logo de cara no valor do seu produto, geralmente são os mais expostos ao efeito posse e, por senti-lo em maior intensidade, colocam maiores entraves à negociação, caso você esteja procurando apenas preço.
Enfim, não se apegue ao ditado popular que diz: “se eu não valorizar o que é meu quem vai”?
Aplicado na sua vida financeira (apesar de ter muita verdade nele já que as outras pessoas não veem a transação da mesma forma que você), a supervalorização do que é seu pode atrapalhar uma negociação e lhe deixar em uma condição financeira pior. É isso. Um abraço e até o próximo!
Fonte: Pablo Rogers/ NEF - Núcleo de Educação Financeira
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(*) Emanuel Gutierrez Steffen é criador do portal www.mayel.com.br